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O Encontro das Américas de Turismo Social

“Desde criança fui possuído pelo demônio das viagens. Essa encantada curiosidade de conhecer terras alheias e povos visitou-me repetidamente a mocidade e a idade madura. (...) Na minha opinião, existem duas categorias principais de viajantes: os que viajam para fugir e os que viajam para buscar. Considero-me membro desse último grupo”. (Erico Veríssimo, in Solo de Clarineta)

texto da Gerência de Programas Socioeducativos do SESC SP*

“Turismo e inclusão: por uma visão humanista e social do Turismo nas Américas”. Sob esse título, estudantes, pesquisadores, professores e profissionais do turismo reuniram-se no SESC Consolação, de 24 e 27 de agosto de 2011, para um momento marcante na história do turismo social nas Américas.

Pela primeira vez o Brasil acolheu esse evento, realizado bianualmente por instituições locais em parceria com a Secretaria para as Américas da Organização Internacional de Turismo Social.

A escolha do Brasil e do SESC no Estado de São Paulo para a realização do Encontro enaltece o trabalho desenvolvido desde 1948 pelo Programa de Turismo Social do SESC SP e os múltiplos projetos que vem surgindo e sendo discutidos e experimentados por todo o Brasil.

Exalta também a longa parceria entre SESC e a Organização Internacional de Turismo Social (OITS), associação sem fins lucrativos e membro da Organização Mundial do Turismo. A organização tem como missão promover o turismo solidário e sustentável, que aporte benefícios às populações locais e respeite os patrimônios natural e cultural.

Objetiva promover e facilitar os meios para acesso ao tempo livre, às férias e ao turismo, com especial atenção à população de nível econômico modesto ou com outras restrições de acesso (jovens, idosos, pessoas com deficiência física ou mental). Integram a rede de membros da OITS aproximadamente 170 associações, cooperativas, empresas públicas e privadas e sindicatos, com representação em 35 países. O SESC SP foi a primeira instituição brasileira a associar-se à OITS, na década de 1980, e desde então acompanha de perto seu trabalho e discussões. Em 2006, recebeu da OITS o Prêmio Jean Faucher, por sua excepcional contribuição ao desenvolvimento do turismo social no Brasil e para valorizar o exemplar engajamento da instituição no seio da OITS.

Essa proximidade alimenta com permanência as reflexões de seu Programa de Turismo Social, cujas diretrizes de ação orientam-se pelos conceitos estabelecidos por declarações conduzidas pela OITS e resultantes desses encontros, mantendo-se atualizado às principais discussões do panorama nacional e internacional do turismo.

A proposta do evento visou uma reflexão sobre a importância do turismo como instrumento de inclusão social, cultural e econômica no continente americano: um turismo baseado na solidariedade, na valorização das diversidades, na democracia e na sustentabilidade. Para isso, a programação contou com conferências, mesas de debates, intervenções artísticas e passeios e excursões, complementando de maneira rica e vivencial as reflexões conceituais.

Por uma visão humanista e social do turismo nas Américas

O Encontro das Américas de Turismo Social colocou em pauta dois dos conceitos mais caros ao turismo social: inclusão e educação. Vistas sob a perspectiva de um processo único, materializam- se em possibilidades de gozo de direitos e exercício de cidadania, sob a idéia central de que o sistema de turismo deve ser inclusivo para todos seus atores e de que a ação educativa é imprescindível para a inclusão, ao formar e transformar consciências, estimular o posicionamento do indivíduo na sociedade e fomentar o conhecimento da diversidade.

Significa considerar a democratização do turismo acessível a grupos com restrição financeira, mas também a grupos que, por falta de hábito ou conhecimento, não participam desse fenômeno; que promova o desenvolvimento local, por meio da dinamização econômica,incluindo os moradores nesse processo e em seus benefícios; que valorize o patrimônio natural e cultural, compartilhando- o como bem, integrando-o ao universo cultural dos visitantes e contribuindo para sua conservação, reforçando e valorizando identidades; que, por fim, estimule a criticidade de visitantes e visitados, em um processo de consciência política que extrapola os momentos da viagem, incorporando-se à vivência diária de nossos papéis de cidadãos.

Dessa forma, o turismo social apresenta- se como proposta de revisão de parâmetros que orientam uma prática comercial consolidada no país, frequentemente geradora de desigualdades e espoliadora de riquezas locais, passando a valorizar o aspecto humanizador da prática turística.

No SESC, a ação do Programa de Turismo Social sempre acompanhou as diretrizes da instituição, que ao longo de sua história migrou de uma perspectiva assistencialista, que considerava o trabalhador como alguém a ser ajudado, para uma perspectiva socioeducativa, na qual vemos o outro como igual, como alguém que é detentor de direitos e capacidades e que, portanto, é objeto e sujeito da sua transformação. Trata-se de um vasto processo educativo em andamento, fundamentado na informalidade, na livre escolha e na valorização da criatividade.

Temos encontrado inúmeras iniciativas que fortalecem uma nova forma de fazer turismo e a descoberta de que nossas ações não estão isoladas no universo das viagens. Os realizadores deste movimento levam adolescentes de bairros periféricos de grandes metrópoles para ver o mar. Organizam viagens onde pessoas com deficiências participam de esportes radicais. São acolhidos em comunidades tradicionais de quilombolas, indígenas, agricultores orgânicos e extrativistas deixando, para estas comunidades recursos financeiros e orgulho de sua identidade. São recebidos por artesãos, poetas, historiadores, sociólogos, paleontólogos, que compartilham seus saberes com os turistas. Hospedam o operário, o empresário, a criança, o jovem e o idoso, juntos. Propiciam a educação i]ntergeracional. Trabalham na contramão do preconceito de gênero, de etnia e de orientação sexual. Estimulam o viajante a pensar, a refletir, a emocionar-se, a educar-se, dando mostras de que são o empreendedorismo e a criatividade nacionais que vem construindo uma nova maneira de fazer turismo no Brasil, que poderá possibilitar ao brasileiro vivenciar aquilo que nos ensina o escritor Guimarães Rosa: Conheci. Enchi a minha história.

Incorporando esses conceitos, e dialogando permanentemente com essas iniciativas, o Programa de Turismo Social do SESC no Estado de São Paulo adotou uma proposta cujas ações são balizadas por cinco princípios orientadores, complementares e interdependentes:

A democratização do acesso ao turismo expressa nossa preocupação em viver o turismo como uma ferramenta de inclusão social, por meio de uma proposta que respeite as diferenças, incorpore a igualdade de oportunidades e estimule uma nova ética no processo de consumo, oferta, produção e distribuição dos benefícios da atividade. Por outro lado, buscamos aqui abrir possibilidades de parcerias com grupos que não têm oportunidade de participar, direta ou indiretamente, dos benefícios sociais e econômicos da atividade turística (quilombolas, indígenas, pescadores artesanais, pequenos agricultores etc.) e com micros e pequenos empreendedores, alinhando o turismo social ao turismo de base local, priorizando dentre os possíveis destinos aqueles onde a inclusão destes segmentos é possível.

O protagonismo dos participantes destaca como valores importantes a busca da pró-atividade dos viajantes, a interdependência e a solidariedade, o que encerra um significado mais amplo, do ponto de vista educativo, que o mero exercício das relações interpessoais informais. Essas dimensões se articulam quando o viajante e o Outro (população visitada, guia de turismo, palestrante, outros viajantes etc.) se encontram e estabelecem uma relação entre iguais, na construção do processo educativo pela viagem.
A educação pelo turismo, onde as vivências são entendidas como momentos de desenvolvimento de conteúdos e aquisição de conhecimentos, um processo contínuo no qual os participantes das atividades interpretam a si mesmos e ao mundo ao seu redor enquanto adquirem informações por meio dos sentidos, de observações ou do que outras pessoas os informam sobre os locais e populações visitados ou sobre os temas abordados, por meio de atividades interpretativas, tais como visitas orientadas, bate-papos, oficinas, vivências etc.

A educação para o turismo indica que o turismo social atua como agente formador de público potencial do mercado turístico. Seu dever é elevar a consciência, informar e inculcar respeito ao ambiente e às comunidades locais1, conduzindo toda e qualquer proposta de vivência turística a um processo de formação de um indivíduo que saiba apreciar a viagem de forma responsável e que deseje, cada vez mais, consumir criticamente um produto turístico com significativo conteúdo e excelente qualidade operacional.
A operacionalização ética e sustentável, princípio pautando na prática efetiva de suas ações, busca o aprimorando continuo de um novo modelo operacional de suas ações2, ao agregar à primordial preocupação com o desenvolvimento de conteúdos consistentes e criativos e a excelência da qualidade operacional, cuidados especiais pautados na salvaguarda aos recursos naturais das regiões visitadas, no respeito às comunidades locais e às suas tradições materiais e imateriais, na proteção integral dos viajantes e de seus bens, na disponibilização de informação segura e acurada sobre os destinos e sobre a atividade em si, na participação equânime de todos os agentes envolvidos no desenvolvimento operacional da atividade, dentre outros pontos de atenção.

Neste Caderno, o leitor poderá conhecer mais a fundo esses conceitos que direcionam a ação do Programa de Turismo Social do SESC e que convergem com tantas outras experiências no Brasil e em países americanos. Convidamos todos a ler, pesquisar e vivenciar essas experiências que nos levam a ver nós mesmos como turistas aprendizes, compreendendo as dinâmicas que nos cercam, exercendo nossa capacidade crítica e criativa, posicionando- nos no mundo e nas viagens de forma consciente e autônoma.

 

1 BITS. Declaração de Montreal. Artigo 10. 1996.

2 Conteúdo inspirado em: BITS. Declaração de Montreal. Bruxelas:  BITS, 1996; IRVING, Marta de Azevedo e AZEVEDO, Julia. Turismo: o desafio da sustentabilidade. São Paulo: Futura, 2002; OMT. Agenda 21 for the travel and tourism industry: towards environmentally sustainable development. Madrid: OMT 1994; OMT. Código de Ética Mundial do Turismo. Madrid: OMT, 1999.

*A Gerência de Programas Socioeducativos do SESC SP responde pelas áreas de Diversidade Cultural, Educação Infanto-juvenil, Educação para a Sustentabilidade e Turismo Social.