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A atividade física e o esporte podem ser a senha de acesso para o conhecimento sobre si mesmo, sobre o outro e sobre o mundo em que vivemos

 

Na década de 1970, pesquisadores da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, liderados pelo psicólogo especializado em processos cognitivos – relativos à percepção, à memória e ao raciocínio – Howard Gardner, debruçaram-se sobre o fenômeno do conhecimento humano. O que intrigava o grupo de cientistas era de que forma aprendemos, acumulamos experiência em determinadas tarefas ou desenvolvemos talentos inatos. “Existiu uma preocupação por parte dos pesquisadores de Harvard, nessa época, em compreender um pouco mais como o ser humano cria”, explica a professora Vilma Leni Nista-Piccolo, coordenadora dos programas de pós-graduação em educação física da Universidade São Judas Tadeu e do curso de educação física e esporte da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Eles queriam descobrir como se dá esse processo de criação – artística, por exemplo –, analisando o comportamento de crianças, que ainda não trazem grandes subsídios de experiências vividas.”


Segundo a professora – que também estudou com Gardner, em Harvard, em 2000 –, foi um trabalho longo, cerca de 20 anos, durante o qual surgiu a necessidade de que fossem investigadas diversas culturas, para abarcar as diferentes manifestações de conhecimento que cada uma delas valoriza particularmente. “A partir daí, esses pesquisadores identificaram as convergências existentes entre essas culturas, em relação a diferentes competências, ou seja, eles observaram que algumas são comuns mesmo em diferentes culturas”, afirma. “E Gardner e sua equipe criaram, então, parâmetros para analisar as competências e sustentam que todas elas deveriam atender a maioria desses parâmetros estabelecidos.”


A evolução da pesquisa permitiu que se descobrisse que algumas funções do cérebro poderiam permanecer intactas mesmo quando outras fossem afetadas. O que levou Gardner a redefinir o conceito de inteligência. “O que ele [Gardner] chama de inteligência é a manifestação de um comportamento diante de uma determinada situação-problema”, explica a professora. “Por exemplo: como o indivíduo resolve problemas matemáticos, problemas que usam a lógica do pensamento. E ao identificarem os comportamentos inteligentes, com suas respectivas correspondências cerebrais, eles chegaram a sete inteligências.”

Múltiplas inteligências


Segundo os estudos de Gardner e sua equipe, as inteligências múltiplas, ou seja, as sete inteligências, ou competências, seriam a lógico-matemática, a verbal-lingüística, a musical, a espacial, a corporal-cinestésica, as duas inteligências pessoais – a interpessoal e a intrapessoal – e a naturalista. Termos que sintetizam um conjunto de domínios, em áreas distintas, isoladas em partes do cérebro, mas que se manifestam de forma integrada. “Ou seja, embora elas sejam independentes cerebralmente, elas se conectam para haver a manifestação [de determinado conhecimento]”, teoriza a professora.


Vilma explica ainda que a teoria de Gardner surge também para mudar a maneira como enxergamos as pessoas e suas diferentes capacidades. “Não posso dizer que uma pessoa que não sabe desenhar é burra”, exemplifica. “Ou então, que se eu tento fazer alguém jogar futebol e a pessoa não consegue, essa pessoa seja burra, que ela não tenha inteligência. Pode ser que eu não esteja ensinando da maneira pela qual ela melhor aprende, da maneira que ela tem mais facilidade em aprender.” A professora cita o exemplo de uma aluna, nos seus tempos de treinadora de ginástica olímpica, que não conseguia corrigir um movimento por mais que fosse alertada. A falha foi até mesmo registrada em vídeo e mostrada à garota. A solução veio quando a professora passou a acompanhar mais de perto o exercício, fisicamente, dando um toque na perna da atleta exatamente no momento em que ela errava. “Antigamente nós diríamos: ‘Nossa, que aluna burra, precisava falar mil vezes etc.’. Só que essa aluna é muito mais cinestésica. Ou seja, a sua rota de aprendizado é mais cinestésica do que verbal, auditiva etc. Há alunos que aprendem com facilidade ouvindo, outros vendo e outros fazendo. Então, como professora, eu preciso buscar um meio ideal para que eles aprendam”. E dá um alerta importante: “Gardner diz muito claramente que se não quisermos chamar [essas competências em diferentes áreas] de inteligência, não há problema. Chame-se como quiser, desde que se chamem todas da mesma forma”, esclarece a professora. “Porque algumas pessoas chamam o Romário de talentoso, falam que um pianista tem um dom extraordinário etc., e chamam o matemático de inteligente.”

Desenvolvimento

 


Quando levada para a área da educação física – seja num treinamento esportivo ou numa aula de ginástica, por exemplo –, a teoria de Gardner pode contribuir para a mudança da própria atuação do instrutor junto aos alunos. “O papel profissional se amplia, com certeza”, explica o professor Hermes Ferreira Balbino, pesquisador do Grupo de Estudo e Pesquisa em Psicopedagogia (Gepesp) e do Grupo de Estudos Psicopedagógicos em Educação Motora (Gepem) da Faculdade de Educação da Unicamp. “Inicialmente podemos ter uma visão de um profissional que organiza ambientes e que exige respostas de seus aprendizes por meio das tarefas organizadas. Com a abordagem da teoria das inteligências múltiplas, o papel dele se redefine, na medida em que os ambientes passam a ser organizados na dimensão da possibilidade de resolver problemas, ou construir coisas novas.” O pesquisador afirma que, ao trabalhar com os fundamentos da teoria, o educador do esporte e da atividade física “se coloca em uma posição de apadrinhar a elaboração de novas estratégias para resolver tais problemas, ou de responder aos ambientes desafiadores, ampliando a atuação para o aspecto de desenvolver e estimular a compreensão da tarefa pelo aprendiz”.


Mas de que forma a atividade física e o esporte podem contribuir para o desenvolvimento das múltiplas competências de um indivíduo? “Aqui podemos pensar em termos de um contexto favorável para quem pratica a atividade física e o esporte, e pensar também no sentido que os leva a estar lá”, responde o professor. “Creio que a partir disso – desses contextos formados por ambientes de jogos, de exercícios ou mesmo de tarefas motoras que colocam o aluno no lugar de alguém que transforma e constrói ambientes e não somente é transformado por eles –, fica evidente a amplitude que a teoria aponta nas diferentes maneiras de lidar com os desafios.” Balbino exemplifica dizendo que é possível solucionar problemas em jogos em uma dimensão não somente física, mas também de espaço, de relacionamento com os outros participantes, além de ser possível trabalhar desafios internos do jogador. “Tenho tido diversas experiências positivas com essa abordagem”, declara o pesquisador. “Em alguns trabalhos com o esporte de alto nível de exigência, estabelecemos alguns propósitos em torno do processo educativo no esporte ‘espetáculo’. Temos conseguido bons retornos em torno da compreensão das estratégias de jogo, das ressignificações de derrotas, de identificação dos pontos a serem fortalecidos em vitórias, da convivência e coesão de grupo.”


No Sesc

Nas atividades oferecidas pelo Sesc na área do esporte e da atividade física, a competição e a alta performance não são o principal objetivo, o que abre um campo fértil para um trabalho mais completo com os alunos por meio do corpo e do movimento. Um dos locais onde se pode encontrar um bom exemplo disso é a aula de iniciação esportiva ministrada no Sesc Itaquera, unidade em que a atividade ocorre como parte do projeto Esporte Criança, que proporciona a crianças de 7 a 12 anos vivências esportivas diversificadas, sem o objetivo de especialização. “Os encontros são bem animados e começam sempre com um bate-papo a respeito da modalidade em questão, assuntos como origem, locais habituais da prática, e curiosidades”, explica Eduardo Blaz, instrutor da unidade. “O início da aula sempre traz uma brincadeira de cunho integrativo e/ou cooperativo, já apresentando elementos que serão trabalhados na parte principal da aula.”
Nas aulas do Sesc Itaquera não tem essa de “não saber jogar”. O esporte, seja qual for a modalidade, é para todos. “Jogos e brincadeiras que remetem à modalidade são adaptados para a resolução de diversos problemas que podem ser análogos à modalidade propriamente dita ou não”, continua Blaz. “Dessa forma buscamos elementos que não ficam somente restritos ao esporte, mas que extrapolam para diversas áreas da vida diária. Ao final da aula, sentamos para um momento reflexivo sobre a atividade em questão e elementos inesperados que surgem no decorrer da atividade.”
Outro bom exemplo é a ginástica multifuncional, que caracteriza o trabalho do Sesc na área por se tratar de um exercício completo e que integra os mais diversos perfis de praticantes. “Ao ingressar no Programa Ginástica & Saúde, o aluno terá contato com exercícios mais próximos do seu cotidiano”, esclarece Ricardo Kiyoshi Okubaro, instrutor do Sesc Pinheiros, referindo-se ao programa do qual faz parte a ginástica multifuncional na unidade. “O programa de ginástica multifuncional é uma proposta de prática corporal que tem como objetivo melhorar a capacidade para a realização das atividades da vida diária, do lazer e da melhoria das habilidades esportivas.” esclarece Afonso Elísio Corrêa Alves, assistente da Gerência de Desenvolvimento Físico Esportivo (GDFE). “Ela se utiliza de equipamentos aeróbios e integrados de força, áreas de equilíbrio e aulas em grupo, ou seja, é uma atividade em que cada indivíduo desenvolve suas capacidades de forma integral, exercitando as suas múltiplas inteligências”, finaliza.

Serviço: as aulas de ginástica multifuncional e iniciação esportiva, assim como outras atividades físicas, podem ser encontradas em diversas unidades do Sesc. Confira mais informações no Em Cartaz.


Movimento inteligente
Sesc Verão 2009 chama a atenção para o papel que esporte e atividade possuem como meios de acesso ao conhecimento

Neste ano, o Sesc Verão abordará como tema a atividade físico-esportiva como ferramenta para o desenvolvimento do chamado sujeito-corpo e suas inteligências. Com o título Movimente-se. Exercite suas Inteligencias e faça um Verão diferente!, a edição 2009 do programa enfatiza a atividade física e o esporte como meio de educação e transformação. A intenção é mostrar como a atividade física pode estimular diversas formas de inteligência no indivíduo. Entre os exemplos possíveis estão a compreensão do universo da música por meio das aulas de dança, o que toca o desenvolvimento da inteligência musical; a interação com o ambiente em atividades praticadas na natureza, que diz respeito à inteligência naturalista; e a relação de cada um com seu grupo ou seu time, que pode potencializar a inteligência interpessoal. Dessa forma, o Sesc busca reforçar os valores que permeiam sua ação: a prática prazerosa e lúdica, o esporte participativo e democrático, e o respeito ao ritmo e às habilidades de cada um. “O Sesc já tem esse conteúdo de educação permanente em toda a sua estrutura”, enfatiza Afonso Elísio Corrêa Alves, assistente da Gerência de Desenvolvimento Físico Esportivo (GDFE). A proposta do Sesc Verão 2009 é mostrar como o esporte e a atividade física, na perspectiva da teoria das múltiplas inteligências do psicólogo norte-americano Howard Gardner, podem contribuir para além do desenvolvimento da competência corporal-cinestésica – a mais evidente, uma vez que diz respeito ao corpo e seus movimentos –, mas também a todas as demais. “Se você está numa esteira, por exemplo, você tem que compreender a relação da velocidade dela com seu batimento cardíaco, e essa é uma capacidade totalmente lógico-matemática”, exemplifica Afonso. “Além dos valores da sociedade que esporte e atividade física podem passar, como conviver com pessoas, que tem a ver com a inteligência interpessoal, e conhecer a si mesmo e seu corpo, que é uma competência intrapessoal.”


  

Outros verões
Edições anteriores do Sesc Verão já exploraram os ?múltiplos papéis do esporte e da atividade física

Há treze anos, o programa Sesc Verão do Sesc São Paulo propõe, em todas as unidades, uma série de ações de cunho sociocultural e educativo com o objetivo de democratizar o acesso aos instrumentos-chave da cidadania: a cultura, a educação e a participação. Durante os meses de janeiro e fevereiro, o projeto desenvolve atividades de sensibilização da comunidade para a importância da prática de atividade física no cotidiano, relacionada à saúde, ao lazer e à expressão corporal, sem deixar de lado o caráter lúdico dos jogos e brincadeiras que ensinam, de forma prazerosa, como a atividade física pode contribuir para a formação do indivíduo.
Desde 2001, o programa que chega a cerca de 1,2 milhão de pessoas, abraça um tema para passar sua mensagem. O primeiro deles foi Corpo Legal, que chamou a atenção para a atividade física segura, promovendo uma série de eventos para a conscientização da população, não apenas sobre a necessidade do exercício físico, mas principalmente sobre a importância de praticá-lo corretamente e com orientação. No ano seguinte, foi a vez de enfatizar a importância de descobrir uma atividade física prazerosa, com ações que favoreceram o conhecimento das mais distintas práticas corporais, a fim de facilitar a escolha, com o tema Corpo Feliz. Em 2003, o Sesc Verão Escolha Seu Corpo procurou mostrar que a atividade física é uma valiosa escolha para a conquista do bem-estar, sobretudo quando a decisão se baseia no prazer e na consciência dos benefícios que a atividade física pode proporcionar. Corpo e Ambiente foi o tema de 2004, quando o programa trouxe à tona reflexões sobre a relação com o corpo, com as pessoas, com a cidade, especialmente no espaço urbano, buscando uma interação da atividade física com o exercício de convivência e com as possibilidades de apropriação de espaços públicos, como locais possíveis para o lazer, a educação informal e a integração comunitária.
Em 2005, o tema foi Jogos, Brincadeira e Movimento, quando o slogan “Vida é movimento! Jogue, brinque, pule, cante e dance” buscou incentivar a população a aproveitar o período de férias e adotar a prática de uma atividade física de forma lúdica, com jogos e brincadeiras. Há dois anos, foi a vez de abordar a relação da atividade física com o Tempo, Movimento e Qualidade de Vida, tema que teve como objetivo sensibilizar a comunidade para a importância da atividade física no cotidiano e a utilização saudável do tempo livre. Em 2007, foi a vez do Esporte!, cujo objetivo foi discutir a prática esportiva e sua relação com o indivíduo – destacando, inclusive, o significado do esporte como fenômeno cultural. No ano passado, o esporte veio à tona como instrumento de mobilização da cidade. “O agente de mudança é você!” foi um dos slogans que convidavam a população a sair de casa.