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Reforma tributária

Reproduzimos abaixo o debate que se seguiu à palestra proferida por Bernard Appy no Conselho de Economia, Sociologia e Política da Federação do Comércio, Sesc e Senac de São Paulo, no dia 13 de novembro de 2008.

JOSUÉ MUSSALÉM – No Brasil temos a mania de pensar em reforma tributária e esquecer o conceito de reforma fiscal. O Estado brasileiro sempre fala em arrecadação, sem se lembrar da despesa pública. Isso me parece mais necessário diante da crise que estamos enfrentando. Outra questão: sua apresentação mostra que o cenário melhora substancialmente com a reforma tributária, mas para mim não ficou claro se a concentração tributária na União será reduzida. No regime militar havia queixas de que os militares tinham concentrado os impostos na União, mas com o retorno da democracia a arrecadação continuou assim, principalmente a partir da criação das contribuições, que não são rateadas entre os estados porque não são impostos, mas tributos.
A terceira questão diz respeito à ética na arrecadação tributária brasileira. O Unafisco [Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil] diz que a tabela de Imposto de Renda na fonte no Brasil está defasada em 44%, ou seja, todo dia pagamos mais imposto. As deduções são ridículas, principalmente com educação e dependentes. Com isso, pagamos cada vez mais impostos e temos cada vez menos serviços. O sistema criou um Imposto de Renda injusto, quando ele deveria ser o mais justo de todos. E a União não o distribui aos municípios.
A quarta questão se refere à carga tributária bruta, estimada hoje pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário [IBPT] em 38% do PIB. Há quem diga que há países com uma carga tributária maior. Sim, mas eles têm uma resposta social muito melhor do que a brasileira. Não sei se o Congresso vai votar essa reforma agora, mas poderíamos fazer algumas coisas gradativamente: eliminar o imposto, por exemplo, sobre terrenos da Marinha, que é uma coisa do século 19, completamente ridícula, que onera a construção civil. Mais: retificar a tabela do Imposto de Renda na fonte, eliminar a Cide-Combustíveis ou até transferir parte dessa receita para o Dnit [Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes], porque a Cide foi criada para fortalecer a infraestrutura rodoviária. Finalmente, uma grande questão: como fica o sistema federalista brasileiro dentro da proposta de reforma tributária?

BERNARD APPY – Primeiro a questão reforma fiscal versus tributária. Obviamente não se pretende, com o projeto, resolver todos os problemas da estrutura fiscal do país. Concordo que seria necessária uma reforma fiscal mais ampla. O problema é saber quantos inimigos se está comprando quando se discute um projeto assim. Não adianta querer desenhar uma proposta maravilhosa porque em cada item do processo vai-se juntar um inimigo. Politicamente, a chance de aprovar um projeto amplo de reforma que aborde o lado da tributação e o da despesa ao mesmo tempo é zero. Então isso tem de ser feito por partes. A questão é avaliar o que tem mais chance de ser aprovado naquele período.
Com relação à concentração tributária, o projeto claramente a reduz. Cria uma desoneração de R$ 24 bilhões na União e um ganho de receita para os estados de R$ 15 bilhões. É, portanto, desconcentrador do ponto de vista tributário e inclusive extingue as contribuições não compartilhadas.
De 1998 para cá, as contribuições sociais cresceram 70% a mais que os demais tributos da União, que são basicamente os partilhados. Obviamente, houve um aumento enorme da concentração tributária nesse período e o projeto acaba com esse problema. Todos os tributos relevantes passam a ser partilhados, o IVA federal, o Imposto de Renda e o IPI. Somente ficam de fora os tributos de natureza regulatória, que são o imposto de importação e exportação, o IOF [Imposto sobre Operações Financeiras] e a contribuição previdenciária, que não tem sentido partilhar, como acontece também com os tributos regulatórios, pois é preciso ter autonomia para subi-los ou baixá-los em função das necessidades.
Do ponto de vista do federalismo, os estados perdem alguma autonomia, sim. Perdem porque se unifica a legislação do ICMS, mas o problema é que essa autonomia, do jeito que é exercida hoje, é extremamente prejudicial para o país. É a autonomia da guerra fiscal. Portanto, se isso significa perder algum grau de autonomia, que se perca. A União também perde, na hora em que extingue as contribuições sociais. Então todos perdem um pouco de autonomia, mas os estados mais desenvolvidos ficam com instrumentos mais eficientes de desenvolvimento regional.
Com relação à defasagem da tabela do Imposto de Renda, não concordo. A tabela é uma decisão política de quanto o Estado quer dar como isenção e quanto quer tributar. O fato é que hoje a maior parte da população já está dentro do limite de isenção. Não dá para comparar com os Estados Unidos, onde a renda da população é muito mais alta que a nossa. O que precisamos comparar é a porcentagem da população que está isenta com a que está pagando imposto. É uma discussão política, mas do ponto de vista estritamente técnico distributivo, o modelo atual já é adequado. As deduções seriam insuficientes? Tenho minhas dúvidas. São questões conceituais difíceis de tratar. A opção pela educação privada é a pessoa que faz, na educação pública não estaria pagando nada. Faz sentido deduzir 100% em educação? Não sei, não é uma discussão simples.
Há no entanto várias pessoas de alta renda que escapam do imposto. Um exemplo é o modelo de lucro presumido, que considero um desastre do ponto de vista distributivo, embora seja bom sob a ótica da eficiência tributária. Então é preciso encontrar o equilíbrio. Pessoalmente acredito que se poderia tributar um pouco mais o lucro presumido do que hoje, baixando outros tributos. Não quero aumentar a carga tributária, mas redistribuí-la entre as pessoas.
A questão da carga tributária bruta não pode ser vista apenas do ponto de vista tributário. Não adianta colocar um teto. Temos de saber que modelo de Estado queremos para o Brasil alcançar o desenvolvimento. Temos um Estado mais pesado que outros países com o mesmo grau de desenvolvimento, é fato. Temos problemas de eficiência no gasto, distorções sérias. As pessoas se aposentam muito cedo e há uma cobertura do benefício de risco, pensão por morte, que é um absurdo. No Brasil, se uma pessoa idosa casa com uma menina de 20 anos e morre no ano seguinte, a jovem fica com a pensão para o resto da vida. Em qualquer país do mundo essa pensão é temporária, em alguns casos de seis meses, em outros de dois anos. Aqui, a mulher e os filhos ficam com 100% da pensão e à medida que os filhos vão crescendo toda a pensão reverte para a viúva. É um absurdo, morre a pessoa e a qualidade de vida da família melhora, uma boca a menos e a mesma renda.
Por outro lado, temos um grau de cobertura ao idoso que protege 90% dessa faixa etária, entre benefícios previdenciários e assistenciais. Países com o mesmo grau de desenvolvimento normalmente têm apenas 40% de cobertura. Isso é bom, é um dado positivo da estrutura que temos no Brasil. Já estamos pagando por isso, já temos carga tributária que financia isso.
Quanto à carga tributária, não é de 38%. O IBPT erra sempre para cima esse dado, mas um instituto que tem "planejamento tributário" no nome certamente não faria diferente. A carga tributária é alta, é altíssima, só que não é de 38%, mas de 36%. Ainda assim temos de pensar no modelo de Estado. Não adianta colocar travas para a receita sem fazer o mesmo para a despesa, pois assim o país quebra, a dívida pública vai para o espaço e o custo econômico disso é muito maior do que a carga tributária que temos hoje. É uma discussão que tem de ser feita.
Quanto ao laudêmio, concordo totalmente. Esse assunto é complicadíssimo, existem coisas que são completamente absurdas. O IPTU [Imposto Predial e Territorial Urbano] existe para resolver esses problemas de propriedade, não há necessidade de outros tributos.
Quanto à questão da Cide, hoje todos os recursos dessa contribuição estão sendo gastos em infraestrutura de transportes. A Cide caiu quase 50% de 2007 para 2008, para não aumentar o preço dos combustíveis. Mas, como o presidente do partido do relator do projeto é ministro dos Transportes, ele usa a porcentagem de quando a Cide era integral e jogou para financiamento da infraestrutura de transportes. Pessoalmente não gosto. Não é um desastre, não é o fim do mundo, mas é mais rigidez dentro do orçamento, além da que já temos. Preferia mais liberdade de execução orçamentária.
Em relação à aprovação do projeto, há resistências. Uma delas é do estado de São Paulo. Segundo o governador José Serra, não se deve discutir reforma tributária que afeta receitas em função da crise econômica. Mas é um discurso um pouco estranho, porque o efeito fiscal começa a partir de 2011, milhões de problemas vão aparecer no meio do caminho se a crise continuar até lá. A reforma tem um impacto de curto prazo bastante positivo sobre as expectativas e sobre os investimentos. E o custo fiscal na verdade é da União, não dos estados, além de valer apenas em 2011. De fato, a reforma tributária reduz graus de liberdade da União, que deixa, por exemplo, de ter contribuições não partilhadas. Pode ser que o governador raciocine como potencial candidato à presidência da República e não goste de se imaginar naquele cargo com menos graus de liberdade do que teria. Não é fácil a aprovação, mas não é tão difícil. A indústria, por exemplo, está fechada com o projeto.

MOACYR VAZ GUIMARÃES – A sociedade brasileira, por suas entidades representativas, há muito clama por reformas básicas indispensáveis para o Brasil. Entre elas, citaria a reforma política, incluída nela a eleitoral, e a tributária. Entretanto, seguidas vezes vejo que a matéria vem à tona, dá manchetes de jornais, mas logo depois é colocada de lado. Sempre tem faltado vontade política, quer do Executivo, quer do Legislativo, para levá-las a bom termo. Agora há uma onda discutindo a reforma tributária mas já apareceu um pretexto real para que de novo ela seja postergada, a crise internacional.
Todas as vezes que se fala nas reformas, deparamo-nos com posições acadêmicas, com diversos enfoques e modelos, e da discussão nada resulta. Talvez porque o grande pecado original do Brasil é que nos habituamos a viver duas ficções constitucionais. Uma é que se afirma na Constituição que somos a República Federativa do Brasil, mas não somos uma federação, e a outra é a Constituição dizer que há três poderes independentes e harmônicos. Talvez harmônicos tenham de ser, exatamente porque não são independentes, pois há uma hegemonia do Executivo. Tenho a impressão (desculpe-me o conferencista se sou pessimista) de que estamos vivendo de novo uma onda de curta duração e reforma nenhuma chegará a bom termo.

APPY – Sabemos desde o começo que não é fácil politicamente aprovar a reforma tributária. Se não houver empenho forte do governo, ela não passa. Mas penso que neste momento existe alguma diferença em relação a outros em que o tema foi discutido. Primeiro, o próprio governo anterior não queria que a reforma andasse. Houve épocas em que os estados fizeram acordos sem nenhuma compensação pela União, ao contrário do que estamos fazendo hoje, mas o Executivo tirou o pé do freio porque, naquele caso, sim, havia uma crise econômica bem mais profunda e os impactos eram de curto prazo. A gestão do Executivo na parte tributária naquela época também tinha foco na eficiência tributária, só queria saber quanto era o máximo que podia arrecadar, sem nenhuma preocupação com eficiência econômica. Essa é uma mudança em relação ao momento atual.

MUSSALÉM – Mas isso não mudou muito em relação à Receita Federal.

APPY – À Receita, não. Mas quem está coordenando o projeto da reforma tributária não é a Receita, é a minha secretaria, exatamente para tirar o enfoque da Receita. A Receita acompanha todas as reuniões sobre a reforma, mas quem está cuidando do assunto somos nós. Outro aspecto é a transição. Nosso projeto prevê uma transição longa, o que ajuda a viabilizar a aprovação da reforma. A posição de São Paulo atrapalha, sim, embora o estado tenha muito a ganhar a longo prazo com a reforma tributária, com o fim da guerra fiscal. Com relação à questão da federação, esse é um assunto para uma outra exposição.

CARLOS ANTONIO ROCCA – O que me causa espanto é justificar a não-aprovação da reforma com a crise. Deveria ser exatamente o contrário, é neste momento que precisamos da reforma. A forma mais positiva que temos para reagir é aumentar a competitividade da economia brasileira, sua atratividade em relação a investimentos diretos estrangeiros no caso de infraestrutura e assim por diante. Essa reforma tributária que está sendo proposta tem realmente impacto muito positivo do lado da competitividade, do investimento, das exportações num mercado que certamente é menos favorável. Tem um ponto também relevante, que é a redução da informalidade. Uma das principais razões pelas quais a informalidade é negativa sob a ótica do crescimento econômico é a falta de acesso de uma enorme parcela da economia brasileira a condições de financiamento, seja de crédito, seja do mercado de capitais, que depende basicamente de transparência. Permita até agregar que temos outras demandas antigas que deveriam ser atendidas agora, como o caso da previdência, que consome 12% do PIB e precisa de um ajuste de longo prazo, e também a questão da eficiência do setor público.

EDUARDO SILVA – A proposta é muito lógica e sensata, mas me preocupa o tempo de aplicação. Será que não está prolongado demais? Será que isso não vai trazer problemas para nós?

APPY – Nossa proposta era fazer uma transição mais curta, mas não muito curta, pois seria inviável técnica e politicamente. Quem ampliou o prazo foi o relator. Se em 1995, quando se começou a discutir a reforma tributária, tivéssemos aprovado um projeto como este, já teríamos completado a transição. Então considerar que a transição é longa e por conta disso adiar o projeto é um erro. É melhor ter uma transição longa do que não fazer a reforma. Nossa ideia original era de oito anos. Agora reconheço que talvez tenha errado. Deveria ter estipulado um prazo de quatro ou cinco anos para depois ceder até os oito que considerava razoável – mas isso depende também de quem seria o relator.

MUSSALÉM – A desoneração da folha de pagamentos inclui o Sistema S?

APPY – Não, não inclui o Sistema S. Continua como está por razões políticas, não técnicas. Tecnicamente, do meu ponto de vista, o ideal seria tirar o financiamento do Sistema S da folha e passar para outra base. O problema é que hoje a distribuição da receita do Sistema S entre os estados é feita proporcionalmente à folha dos estados e na hora em que se passar isso para outra base se abrirá uma grande discussão. Tecnicamente não tenho a menor dúvida de que o ideal seria tirar o Sistema S da folha, não tem sentido nenhum ele ser financiado pela folha de pagamentos.
Penso que é possível avançar mais na desoneração da folha, mas desonerá-la completamente é um equívoco. Não se pode ter um benefício definido como proporção do salário, como o previdenciário, e ter a contribuição descolada do salário. Isso gera problemas de incentivos incorretos para o funcionamento da economia. Mas também não precisamos ter uma tributação sobre a folha tão monumentalmente maior do que no resto do mundo. O ideal é ter uma tributação parecida, pelo menos em termos de competitividade não se perde muito. Desonerar completamente é até bonito do ponto de vista econômico, gera mais investimentos e competitividade, mas do ponto de vista de incentivo é um erro.

LUIZ GORNSTEIN – Segundo uma estatística, os ricos pagam 5,7% de sua renda de ICMS e os pobres 16%. Queria saber se esses números estão certos e se isso está contemplado na reforma.

APPY – Com relação ao ICMS, essas contas são feitas com a Pesquisa de Orçamentos Familiares [POF] e com base nas alíquotas nominais do imposto. Se a conta está correta ou não, não sei. Há um problema: pela POF, toda família de baixa renda consome mais do que tem de renda e toda família de alta renda poupa muito. Se esse dado está certo, tenho algumas dúvidas, mas certamente o sistema é regressivo. Outro problema nesses modelos é que se usam as alíquotas nominais de imposto, quando na verdade há inúmeras isenções e benefícios fiscais que fazem com que a alíquota efetiva seja muito diferente da nominal. Essa conta, porém, também é complicada.
A reforma trata disso com a perspectiva de desonerar a cesta básica na regulamentação do IVA federal e do ICMS. E aborda principalmente a questão na própria instituição do IVA federal, porque cria condições para reduzir progressivamente a tributação indireta e passar para a direta. Mas isso é legislação infraconstitucional, não constitucional. Do ponto de vista de eficiência econômica, o ideal num desenho de IVA é um sistema de alíquota única, uniforme, que elimina vários problemas. Porém, num país como o Brasil é impossível trabalhar com alíquotas uniformes, por várias razões. Primeiro porque temos alto grau de desigualdade social, e segundo porque há grandes diferenças tributárias – o setor de serviços já é tributado abaixo do setor industrial, por exemplo.

HUGO NAPOLEÃO – No estado do Rio de Janeiro, temos a Casa Imperial, que tem em Petrópolis uma grande quantidade de laudêmios, como também o Mosteiro de São Bento, que talvez sobreviva no centro do Rio de Janeiro, próximo à Praça Mauá, graças à enfiteuse. Essa reforma é benéfica, até mesmo pelo prazo para ajuste. No fundo a aprovo. Tenho, porém, algumas questões. Lá no Espírito Santo, há um benefício do Fundap [Fundo de Desenvolvimento das Atividades Portuárias] que gostaria de saber como fica dentro do contexto da reforma, diante da questão da desoneração das exportações. Outra questão: como fica o Fundo de Participação dos Municípios?

APPY – A questão da enfiteuse não está aprofundada, o estudo está muito no começo. Infelizmente não há como melhorar a eficiência da economia sem atingir algum interesse. A Casa Imperial talvez tenha de se ajustar, como o Mosteiro de São Bento. Coloque-se lá uma dotação no orçamento para eles, que vai custar muito menos para a economia do que manter a enfiteuse. O problema de enfiteuse, laudêmio e foro é que fica todo mundo amarrado, não se consegue negociar o terreno, trava-se a economia de um jeito cavalar para uma receita ridícula. E não se arrecada nada com esses modelos. Mas esse é um assunto cujo estudo está muito no começo.
Com relação ao Fundo de Participação dos Municípios, é mantido exatamente como está. A única diferença é que em vez de os valores serem definidos como uma porcentagem do Imposto de Renda e do IPI passam a ser estabelecidos como uma porcentagem do IVA federal, mais Imposto de Renda e IPI. Uma porcentagem menor de uma base maior, mas que mantém exatamente o valor de hoje. A vantagem é que, se temos o IVA federal e o Imposto de Renda na mesma base, não há mais chance de aumentar o tributo indireto, como é o caso da Cofins hoje, e não passar isso para os estados e municípios. Se o Imposto de Renda ou o IVA federal aumentarem, eles ganham. Fica uma coisa muito mais justa do ponto de vista federativo, todos os tributos arrecadatórios da União estão na base de partilha.
O que há para os municípios (não entrei aqui em detalhes) é um aumento das transferências através de um Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional. Essa é uma novidade da reforma, destinada a suprir o fim da guerra fiscal.
Com relação ao Fundap, ele é um daqueles incentivos completamente distorcidos. É um benefício à importação. Dentro do projeto da reforma, o Fundap, do jeito que está hoje, simplesmente fica no limbo, não é tratado. Isso significa que ele vai perdendo força ao longo do tempo, à medida que se vai reduzindo a alíquota no estado de origem. No final do processo ele é extinto.
Hoje, o estado do Espírito Santo é um dos que mais estão reclamando do relatório da reforma tributária, justamente porque dizem que o relatório convalidou os benefícios industriais, mas não outros como o do Fundap. E nem faria sentido convalidar o incentivo para importação, o empresariado brasileiro deveria ser radicalmente contrário a esse tipo de medida.

MÁRIO AMATO – Na Itália há um ditado assim: "Fatta la legge, fatta la burla". A burla acontece de acordo com a educação de cada povo. Sou de um tempo em que tudo era respeitado. Hoje, quando isso desapareceu, pergunto: como implantar uma lei para quem é desonesto? Na Dinamarca, Suécia e Noruega os problemas são muito fáceis de resolver porque há educação, patriotismo. Queria saber a sua opinião a esse respeito.

APPY – Com relação à guerra fiscal, a expressão italiana vale totalmente. A guerra fiscal hoje é ilegal, mas se tornou uma prática comum no país ao longo dos anos. Tributando o consumo, não a produção, o projeto de reforma torna impossível manter os benefícios fiscais. Hoje uma boa parte da guerra fiscal são contratos de gaveta, mas que têm uma lei guarda-chuva que permite que sejam feitos. No novo modelo será impossível haver uma lei estadual que permita conceder benefícios fiscais. Nosso Estado de direito não é maravilhoso como o dos países nórdicos, mas temos um Estado de direito que male, male funciona, e neste caso não teria como não funcionar. Aliás, quem está no governo sabe que os mecanismos de controle do TCU [Tribunal de Contas da União] e do Ministério Público funcionam.

MARISA AMATO – Queria saber, com essa reforma tributária, como ficariam os benefícios da Lei Rouanet.

APPY – Não muda nada, esse benefício é absolutamente neutro em relação à reforma tributária.

MARISA – Mas não se reduz a quantidade?

APPY – Não. Há alguns incentivos estaduais para a cultura dentro do modelo que está sendo proposto. O próprio deputado Mabel, além da convalidação dos benefícios industriais, colocou também os habitacionais e culturais. Na verdade isso não tem nenhuma relevância do ponto de vista de guerra fiscal.

CLÁUDIO CONTADOR – Penso que vocês têm de vir mais a público para explicar essas coisas, falta comunicação. Então, por favor, leve isso ao Planalto. O cidadão está um pouco sem informação do que está acontecendo e isso pode gerar até críticas injustas. Você falou muito sobre guerra fiscal entre estados, mas existe também a guerra fiscal entre municípios, no tocante ao ISS. No Rio de Janeiro, por exemplo, está se tornando um problema sério, porque as pessoas acabam instalando empresas-fantasma em municípios vizinhos, só porque têm uma alíquota mais baixa. Outra questão: houve a ideia durante algum tempo de utilizar a CPMF [Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira] para antecipação do Imposto de Renda. Essa ideia morreu?

APPY – Concordo que precisaríamos ir mais a público. Tenho tentado, mas uma apresentação como esta é algo difícil de acontecer. Talvez o governo devesse assumir mais a defesa da reforma e explicar por que ela é importante. Tento falar com a imprensa, mas é complicado, pois muitas vezes ela prefere colocar na manchete coisas que não são relevantes do ponto de vista econômico, desprezando os efeitos de longo prazo. Em geral os editoriais são favoráveis à reforma, mas nas matérias sempre procuram o que vai gerar polêmica, sempre o lado ruim. A explicação do detalhe como fiz aqui é restrita, só pode ser feita em foros limitados.
Com relação à guerra fiscal entre municípios, se me perguntarem o que gostaria de ter feito na reforma e deixei de fazer, é ter extinguido o ISS. Aliás, nosso projeto original, não o que foi enviado para o Congresso, previa essa extinção. A ideia era incorporá-lo no ICMS e criar o que chamamos de IVA dual. O IVA estadual e o IVA federal teriam a mesma legislação e só duas alíquotas, uma para a União e outra para os estados. Do ponto de vista empresarial seria bastante simples mas politicamente os municípios reagiram muito pesadamente.

MUSSALÉM – Mas metade dos municípios no Brasil nem sabe que o ISS existe. É um imposto das grandes cidades.

APPY – Sim, e foram exatamente os grandes municípios que se posicionaram radicalmente contra a extinção. Na verdade o ISS é um desastre do ponto de vista tributário. Esse é o próximo desafio que temos na reforma. De novo, trata-se de decidir quantas brigas se quer comprar. Por enquanto optamos por não comprar a briga do ISS, mas há pessoas que dizem que a reforma tributária é muito tímida, poderia avançar muito mais.
A guerra fiscal entre os municípios se reduziu bastante depois da lei complementar do ISS. Ela define, por exemplo, que o local de cobrança é o local de prestação do serviço. No entanto, cada um interpreta de seu jeito, e o Rio de Janeiro diz que é inconstitucional. Então o deputado Mabel colocou corretamente que a lei complementar pode prever o local de prestação do serviço para incidência do tributo, e a lei complementar do ISS vai passar a valer.

 

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