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O terceiro setor e o "Sistema S"

Danilo Santos de Miranda








O terceiro setor é hoje a palavra da hora no campo da ação social e sem dúvida é muito estimulante ver a mobilização de organizações civis, movimentos, instituições, voluntários e empresas, todos empenhados na solução de nossos grandes e graves problemas. Já não era sem tempo.

Mas o envolvimento dos empresários nessa luta não é de hoje. Na verdade, a vertente empresarial do terceiro setor surgiu no Brasil no pós-guerra, em seguida à queda do Estado Novo. Para ser mais exato, até mesmo um pouco antes, em maio de 1945, quando se realizou o Encontro Nacional das Classes Produtoras, em Teresópolis, reunindo líderes empresariais da indústria, do comércio e da agricultura, dentre os quais Roberto Simonsen, João Daudt de Oliveira e Brasílio Machado Neto. A grande questão em debate era saber o que o empresariado brasileiro poderia fazer para ajudar o país a enfrentar seus graves problemas sociais e econômicos.

Ao final desse Encontro, conscientes de que o Estado, desaparelhado e sem recursos não poderia dar conta de toda a complexa questão social, os empresários resolveram assumir parte dessa responsabilidade e firmaram um pacto: a Carta de Paz Social.

Através dela eles se propuseram a financiar, com seus próprios recursos, um conjunto de programas sociais, educativos, culturais e de formação profissional, iniciativa consolidada no ano seguinte com a criação do Serviço Social do Comércio - SESC, do Serviço Social da Indústria - SESI e do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial - SENAC. São essas entidades, mais o SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, criado um pouco antes, que constituem o núcleo histórico do chamado Sistema S. Um sistema mantido pelos empresários para promover o bem-estar social e a formação profissional dos trabalhadores e que, no decorrer de mais de meio século de existência, têm prestado à sociedade brasileira inestimáveis serviços.

SESC, SESI, SENAC e SENAI constituem hoje um patrimônio nacional, exemplo singular de eficiência insitucional e de respeito à dignidade da pessoa humana, num país em que essas qualidades quase sempre não passam de peças de retórica.

Apesar disso, essas entidades vem sofrendo nos últimos tempos inúmeras investidas, vindas de fontes diversas. Algumas, identificadas com conhecidas e ultrapassadas paixões estatizantes, querem transformá-las em anêmicos braços do Estado, primeiro jogando-as em "fundões" cujos recursos rapidamente seriam dilapidados na burocracia ou na corrupção; em seguida, condenando-as a reproduzir a qualidade do serviço público que todos conhecemos. Essa é finalidade de alguns projetos de lei e de oportunistas versões de reforma tributária que, sob os mais variados pretextos, vicejam aqui e ali.

Outras fontes, acenando com a diminuição do "custo Brasil", incitam os empresários a cairem fora de sua responsabilidade social e do pacto que seus maiores assumiram, pregando que deixem de fazer suas contribuições. E sabem quanto custa o Sistema S para as empresas? Entre 1% e 2,5% da folha de salários! Nada mais que isso.

Na verdade é este o ovo de Colombo do "Sistema S" e que o diferencia da atual participação social das empresas no terceiro setor: pequenas contribuições de muitos, canalizadas para objetivos de alto interesse social. Enquanto a forma de ação empresarial no terceiro setor se caracteriza principalmente por doações ou investimentos elevados, em instituições mantidas pelas próprias empresas ou por elas financiadas - o que só é possível para aquelas de grande porte - as contribuições para o "Sistema S" são tão pequenas que mesmo o micro-empresário pode dele participar sem sacrificar seus negócios.

Daí que não se entende as tentativas de alguns segmentos - em particular o das empresas prestadoras de serviços - de abandonarem a contribuição. Não será por reduzirem de 1% ou 2,5% a sua folha de pagamentos que ficarão mais competitivas.

Mas será exatamente por esses mesmos e tão pequenos valores que muitos programas sociais e de promoção do bem-estar dos trabalhadores poderão ser reduzidos ou inviabilizados.

O terceiro setor comporta diversas formas de ação social e de financiamento de projetos sociais e o "Sistema S" é um de seus mais antigos e bem-sucedidos agentes. Seria um contra-senso ético, e também histórico, esvaziar essas instituições justamente no momento em que toda a sociedade se mobiliza para fazer o que elas já vêm fazendo, em grande parte, há mais de meio século.

Danilo Santos de Miranda é sociólogo e diretor reginal do Sesc no Estado de São Paulo