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Entrevista
Vijayendra Pratap
A prática do yoga normalmente vem envolta em uma atmosfera mística. De origem indiana, seus princípios são tachados de esotéricos, não sem uma certa carga de preconceito. Essa visão não poderia ser mais equivocada. Nesta entrevista exclusiva, o fundador e diretor da Sociedade de Pesquisa do Yoga, Vijayendra Pratap, explica por A mais B que o yoga é um sistema científico, ou seja, cada ação corresponde a uma reação predeterminada.
O doutor Pratap explana, com todos os detalhes, os elementos que compõem essa prática milenar, que hoje angaria adeptos por todo o mundo. Doutor em Psicologia pela Universidade de Bombaim, o mestre vai além: afirma que as regras que dirigem a prática desse sistema são comuns a todas as religiões. Convidado pelo Sesc para participar do evento Yoga - Força, Flexibilidade e Consciência, ele não se cansa de divulgar os sutras pelo mundo afora.
O que é exatamente o yoga?
Simples. É um sistema de práticas que pode ajudar uma pessoa a alcançar a saúde física e mental e a viver de maneira realmente feliz. Para isso, é necessário saber como conviver com as outras pessoas. É por esse motivo que no yoga existem algumas regras, como em um jogo. Qualquer jogo tem regras, assim como o jogo da vida. Se você quiser jogar bem, siga as regras. Que regras são essas? Muito simples: ter compaixão, ser honesto, não roubar, compartilhar as coisas, ser asseado, enfim, viver uma vida simples para não se frustrar. É preciso também se auto-estudar. Acreditar em Deus ajuda, mas não é obrigatório.
Qual é o significado do termo?
A palavra yoga, em sânscrito, possui centenas de significados, depende da maneira como ela é encarada. Pode significar harmonia, equilíbrio, união...
De onde vêm os ensinamentos do yoga?
Eles são muito, muito antigos, alguns dizem que datam de 3 mil a.C., mas no ano 200 d.C. um homem chamado Maharshi Patanjali codificou todas as regras em 196 sutras, que são como pequenas fórmulas. Tais fórmulas são darshans, que muitos traduzem erroneamente como "filosofia". Filosofia é ginástica intelectual e darshan significa experiência. Esses preceitos contêm a maior parte das informações sobre o yoga. Baseadas nesses 196 sutras, as pessoas desenvolveram um enorme sistema, porém muito simples.
Yoga, portanto, é uma religião?
Não se você pensar religião como um conjunto de dogmas. Pode-se dizer que yoga é uma arte científica, ou seja, um sistema de causa e efeito: se você fizer isso, obrigatoriamente vai acontecer aquilo. Mas os meios de atingir o efeito variam de pessoa para pessoa. Se eu peço para você limpar sua roupa, pouco me importa como você fará isso. O principal é ter a roupa limpa. Apesar de ter sido criado na Índia, sob a cultura oriental, o yoga faz parte da essência humana. As pessoas podem não ter consciência, mas estão constantemente praticando yoga. Se você tiver compaixão, for honesto, for solidário, estará praticando yoga. As regras a serem seguidas são universais. Não existem interdições do tipo "isso é só para indianos e aquilo é só para idosos". Além do mais, essas regras podem ser seguidas não importa onde você esteja. Nenhum suporte externo é exigido.
Então, para que servem as aulas de yoga?
Existem alguns exercícios que ajudam a manter a saúde. Eles são conhecidos como asanas, que são algumas posturas físicas, como alongamentos ou ficar de ponta-cabeça, que auxiliam a regular a taxa de hormônios e a circulação sangüínea. Esses exercícios podem ser praticados por qualquer pessoa, sem exceção e sem a necessidade de instrumentos extras. Qualquer lugar é lugar para a prática do yoga. É preciso sentir. E basta aprender uma única vez. Além disso, existem as técnicas de respiração. Ela é muito importante. Sem respirar, você morre. Quando se está calmo, a respiração mantém-se calma. Assim, os yogis acreditaram que esse era um bom método: se você conseguir controlar a respiração, poderá controlar a mente.
Como explicar que esse sistema tenha se espalhado pelo mundo inteiro com tanto sucesso e cativado os ocidentais?
Yoga é atrativo porque provê a essência para a vida de todas as pessoas, sem exceção. Se você quiser somente sentar-se calmamente, é perfeitamente possível meditar. Honestidade é a melhor política. É por isso que o yoga é muito comum. Faz parte da natureza humana. Todos querem se autoconhecer, saber quem são, o que estão fazendo, quais são os propósitos da vida. Essas questões surgem quando se está calmo, quieto. O yoga oferece os instrumentos para entender as questões cruciais da vida.
E as respostas? O yoga também as traz?
Ele tem muitas respostas para os problemas modernos e antigos. A beleza do sistema é que você pode tê-lo sempre consigo.
Como o yoga evoluiu?
No começo só existiam os grãos, depois foi feita a farinha e, com ela, o macarrão. Ocorre a mesma coisa com o yoga. Depois que ele foi criado, muitas pessoas, de acordo com suas necessidades, desenvolveram certos aspectos do sistema. Por exemplo: como proceder se você é intelectual? Por meio de métodos intelectuais. É por esse motivo que surgiu o jñana yoga. Como posso responder perguntas fundamentais, como o que é a realidade? O jñana yoga auxilia nessa empreitada. Ele explica que podem-se utilizar negativas. "Eu não sou isso, nem aquilo, nem aquilo outro. E isso significa que eu não sou minha jaqueta, nem minha mão." São essas inquirições que levam a uma abordagem intelectual. Há, ainda, abordagens emocionais, como, por exemplo, dizer: "Eu te amo muito e, portanto, posso enfeixar facilmente minhas energias para um só canal". Isso acontece com pessoas que acreditam em Deus: elas vivem para isso e são felizes! Mas há uma outra maneira de expressar a devoção, sem vangloriar Deus: basta realizar algo para os pobres ou mesmo plantar uma árvore. Essas são abordagens comuns a todos, que contêm os fatores cognitivos, afetivos e conativos - nós pensamos, nós sentimos, nós fazemos. Dessa maneira, o yoga integra toda a vida.
Porém, o senhor tem de concordar que existem pessoas que vivem felizes mesmo alheias aos ensinamentos do yoga, por exemplo, sendo desonestas e egoístas. Como o senhor explica isso?
Isso é uma questão de conceitos. O que você chama de felicidade? Vou dizer-lhe dessa maneira: sucesso é a realização progressiva de um objetivo que valha a pena. Se vale a pena, é yogic. Se não vale a pena, não é yogic. Ser feliz roubando o dinheiro dos outros não é yogic.
Mas pode significar felicidade...
Não. Você pode se sentir feliz hoje, mas triste amanhã. Essa felicidade me parece duvidosa. Mas se você está verdadeiramente feliz, seguindo ou não os preceitos do yoga, você está seguindo a tradição yogic. Existem duas coisas diferentes: uma é o prazer e a outra é a dor. Quando se está num estado de prazer, algumas pessoas dizem que é felicidade. Mas, por outro lado, prazer causa dor e assim sucessivamente. Portanto, se você estiver em um estado além do prazer e da dor, você é diferente. A idéia é simples: quando você se conhece melhor, é possível estar além do prazer e da dor. De outra forma, sucumbirá à condição de um ioiô. Estou feliz hoje, amanhã, deixo de estar. Hoje meu patrão estava feliz comigo, amanhã estará zangado. Mas se você é honesto consigo, não importa o que o patrão pense, estará apenas fazendo seu trabalho.
Como é possível manter uma postura correta vivendo em uma sociedade permeada com valores negativos?
Lembre-se de que houve um tempo em que não existia luz elétrica e as pessoas viviam bem. Hoje, se ela falta parece que a vida se torna horrível. Nós somos dependentes. O yoga ensina que você é mais importante que as coisas. Vou lhe contar uma história: era uma vez um rei. Ele se sentia muito mal porque tinha tudo mas era muito ocupado com os assuntos do reino e não lhe sobrava tempo para nada. Um dia, ele encontrou um sábio que lhe disse: "Majestade, venha comigo, vamos dar um passeio". Em um dado momento, o sábio abraçou uma árvore e gritou: "A árvore me agarrou, a árvore me agarrou". Ao assistir à cena insólita, o rei replicou: "O que é isso? Foi você quem abraçou a árvore e não o contrário". Foi então que o sábio respondeu: "Majestade, acontece a mesma coisa com o senhor. O senhor agarrou o mundo, mas pensa que foi o mundo que o pegou". A felicidade está na natureza humana. Veja as crianças. Elas estão sempre felizes, não importa se são ricas ou pobres. Mas, quando crescem, ficam condicionadas a certas regras. Se elas não forem adequadas, as futuras reações serão ruins. Portanto, a felicidade depende de como nós somos treinados...
O senhor acredita que as pessoas estão treinando bem?
Depende de a quem você esteja se referindo. Nada serve para todo o mundo. Mas em todos os casos, o sistema do yoga está disponível para todos. É como a luz ou o ar: eles estão aí, a escolha de utilizá-los é de cada um.
Como fazer para que mais pessoas sigam os preceitos do yoga?
É difícil seduzir as pessoas. O que existem são informações que, caso forem fornecidas e entendidas corretamente, podem ser muito benéficas. O mesmo exemplo serve para a informática. Hoje, os computadores e a Internet estão disponíveis, mas se as pessoas não souberem utilizá-los, não terão a menor serventia.
A maioria das pessoas que não pratica o yoga acha que esse sistema está mais ligado à parte física do que à filosófica, ou seja, ignora por completo a teoria que o baliza. O senhor acha que o encontro realizado no Sesc pode esclarecer algumas coisas?
Sim, eu entendo que essa é uma boa oportunidade para informar as pessoas sobre os benefícios do yoga. Nesse encontro, elas descobrirão que os exercícios são uma parte interessante do sistema, eles realmente ajudam, mas a base filosófica é ainda mais prestativa.
Essa pergunta pode soar um pouco romântica. Mas é possível, por meio do yoga, tornar o mundo melhor?
Não há dúvida que o yoga possa tornar o mundo melhor. Basta seguir corretamente os ensinamentos, pois o yoga possui os mesmos princípios que a maioria das mais fundamentais instituições do mundo. "Ame a teu próximo como a ti mesmo", certo? Todos esses princípios encontram-se no yoga. Na verdade, o yoga construiu um sistema baseado nos princípios de causa e efeito. O resultado é empírico. Pode-se testá-lo. E o mais bonito nisso é que esse sistema não ficou restrito à Índia, onde foi criado. Após Edison desenvolver a luz elétrica, a invenção deixou de ser apenas dele. Ela pertence a todos. A mesma coisa ocorreu com o yoga: se ensinados adequadamente, seus predicados podem ser aplicados em todo o planeta. Agora, pense. Se ensinarmos as crianças a ter compaixão, honestidade, dizer a verdade, como elas serão bonitas. A essa conduta unimos atividade física e exercícios de respiração. Um bom exemplo é que o yoga é usado para combater muitas doenças, dentre elas síndromes de imunodeficiência, como a Aids. Acima de tudo, ele ajuda na prevenção, mas se a doença se manifestar, o sistema ajuda a curá-la.