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Para morrer de rir

Para morrer de rir

Uma nova geração de atores vem fazendo furor nos palcos paulistanos com um gênero de comédia muito procurado pelo público

Quem acompanha novelas deve se lembrar do personagem Fladson, em Belíssima, de 2005, que, embora criado com função secundária, foi atraindo cada vez mais atenção. Era aquele simpático e afobado padeiro gago que vivia às voltas com uma mãe fofoqueira e expert em chantagem emocional. O ator que interpretava o tipo chama-se Marcelo Médici, descoberto pelo grande público por meio da telinha, mas representante de uma geração de atores muito conhecidos no teatro. Há cerca de dez anos, uma rapaziada talentosa e engraçada tem mandado o politicamente correto para o espaço e arrancado gargalhadas das plateias. “Nos últimos tempos, há novas tendências de humor que têm chamado a atenção da mídia por atrair muita gente ao teatro”, comenta o ator e diretor Hugo Possolo, do grupo Parlapatões. “E estão surgindo excelentes comediantes.”

A trupe de Hugo promove, em seu teatro-sede, localizado na Praça Roosevelt, região central da cidade, dois festivais anuais – o Palhaçada Geral e o Festival de Cenas Cômicas, voltados exclusivamente para o gênero. A programação dos eventos reúne os dois tipos de espetáculos que compõem a atual cena dessa invasão da comédia nos palcos brasileiros: as esquetes – bastante calcadas no improviso – e o chamado stand-up comedy (literalmente, comédia em pé), formato no qual o comediante narra histórias e conta piadas, que geralmente ignoram o politicamente correto, sem nenhum tipo de cenário ou figurino, apenas com um microfone.

Humor diferente

Do lado das esquetes estão companhias como a Z.É. – Zenas Emprovisadas –, que apresenta espetáculo homônimo vencedor do Prêmio Shell, em 2004; Os Melhores do Mundo, cuja peça Hermanoteu na Terra de Godah é apresentada há nove anos Brasil afora; e o pessoal do Terça Insana, há oito anos em cartaz em São Paulo. Este último é um projeto da atriz, escritora e produtora Grace Gianoukas, figura do chamado teatro underground de São Paulo, nos anos de 1980. No começo dos anos 2000, Grace foi convidada para bolar um espetáculo para o Núcleo Experimental de Teatro, conhecido como N.Ex.T., junto com os atores Roberto Camargo, Octávio Mendes, Marcelo Médici e Marcelo Mansfield. A ideia era resgatar “uma dramaturgia mais anárquica”. “Com coisas como o Plano Collor, os grandes patrocínios no Brasil e a chegada dos yuppies ao poder, tudo havia ficado corporativo e americanizado”, explica Grace, referindo-se à produção cultural da época. “Quis fazer frente a isso.”

A stand-up comedy é a faceta mais recente. Um dos primeiros espetáculos que usaram a técnica foi Mondo Cane, de 2004, com os atores Marcelo Mansfield, Marcela Leal e Rafinha Bastos. “Esse foi o primeiro ?espetáculo do gênero em São Paulo”, afirma ?Mansfiled, que, em 2005, criou o Clube da Comédia Stand Up, juntamente com Marcela e Bastos. No mesmo ano, o grupo carioca Comédia em Pé ajudou a popularizar no Brasil o estilo, bastante utilizado nos Estados Unidos. Para Fernando Caruso, um dos integrantes da companhia, o ator norte-americano Jerry Seinfeld, famoso pelo seriado produzido nos anos de 1990 que leva seu sobrenome, é um dos responsáveis pelo sucesso do estilo nos Estados Unidos. “As pessoas passaram a acompanhar o dia-a-dia de um comediante de stand-up e, assim, entendê-lo como uma forma diferenciada de humor”, analisa Caruso.

O sucesso desse tipo de comédia não pode ser considerado exatamente uma novidade – tampouco uma mera importação da terra do Tio Sam. Para o ator Gerson Steves, professor de teatro em São Paulo, quando se fala em comediantes soltando o verbo com o microfone na mão, não se pode esquecer de uma safra de brasileiros anterior ao “gringo” Seinfeld. “Isso remete aos espetáculos de nomes da TV como ?Chico Anysio, Jô Soares, Ary Toledo, Juca Chaves e José Vasconcellos”, lembra. “Os comediantes brasileiros sempre fizeram algo parecido, só que não recebiam esse nome”, corrobora Mário Bolognesi, professor de artes cênicas do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Por outro lado, essa nova geração conta com uma coisa que a turma do irreverente Juca Chaves não contava: a internet. Aí, sim, pode-se falar em novidade. “A rede ajudou muito a divulgar o trabalho de novos comediantes”, explica Hugo Possolo. E muitas vezes nem se trata de uma estratégia de divulgação por parte do artista. O “boca-a-boca” eletrônico começa com os fãs, que filmam o espetáculo e jogam o vídeo na internet. Foi assim, por exemplo, que Marcelo Mansfield foi parar no programa Zorra Total, da TV Globo. “Só entrei lá porque viram meus vídeos [na internet]”, conta o ator. “A TV antes lançava, hoje utiliza.”

Comédia no verão

Os meses de janeiro e fevereiro foram de alta estação ?para a gargalhada no Sesc Santo André

Para incrementar sua programação especial de verão, o Sesc Santo André embarcou na onda do novo humor teatral brasileiro. Durante os meses de janeiro e fevereiro, a unidade realizou o projeto Risos de uma Noite de Verão, composto de espetáculos de stand-up comedy. As apresentações aconteciam no espaço da lanchonete e foram vistas por 700 pessoas. “Quisemos usar um espaço alternativo da unidade, em dias e horários também diferenciados, para promover uma atividade que tivesse relação com a ideia de que o verão é uma estação ‘para cima’”, explica Thiago Freire, técnico do Sesc Santo André. “Além disso, como a unidade está sempre cheia durante os dias de verão, quisemos proporcionar algo atrativo também para o período noturno.” Os humoristas escalados para participar da atividade representam o gênero em São Paulo: Angela Dip (foto), Marcela Leal, Marcelo Mansfield e Fábio Porchat.

Dos palcos para a telinha

Novos talentos do humor migram para a televisão

O impacto do surgimento de novos comediantes na cena teatral não demorou a ser percebido pela televisão. Aos poucos, vários desses artistas começaram a conhecer a fama que a telinha pode proporcionar. Um dos exemplos é o programa CQC, do canal Bandeirantes, eleito pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) como o melhor programa de humor em 2008. A atração reúne alguns dos mais badalados humoristas da atual cena nacional de stand-up comedy: Rafinha Bastos, Danilo Gentili, Oscar Filho e Marco Luque (ex-Terça Insana).
O Pânico na TV, da Rede TV!, também conta com dois novos talentos dos palcos em alguns de seus quadros: Paulinho Serra, integrante do grupo Deznecessários, e Fábio Rabin. Já o canal jornalístico Band News, exibido em TVs por assinatura, escalou a atriz Marcela Leal para estrelar a “telecoluna” Minuto de Comédia, enquanto a MTV vem apostando em Marcelo Adnet. A TV Globo também passou a ter comediantes de stand-up comedy nas últimas temporadas do humorístico Zorra Total. Entre eles, o ator Fábio Porchat, escritor, roteirista e ator do quadro O Chato. Ainda na Globo, programas como Domingão do Faustão e Altas Horas têm dado espaço ao gênero por meio de concursos.