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Encontros
O futuro do rádio
por Gioconda Bordon
Coordenadora, desde 2007, do núcleo de rádio da Fundação Padre Anchieta – instituição responsável pela TV Cultura e pelas emissoras Cultura AM e FM –,?a jornalista Gioconda Bordon iniciou a carreira em 1989. Seu primeiro trabalho foi na Eldorado FM apresentando o programa semanal Giradischi, especializado em música italiana. Em 1993, passou para o comando do Espaço Informal, na frequência AM da mesma casa, trocando a música pelas entrevistas – o programa ganhou duas vezes o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), em 1993 e em 2000. A trajetória na Rádio Cultura começou em 2005, quando apresentou, por dois anos, o programa de entrevistas Estação Cultura. Gioconda esteve presente na reunião do Conselho Editorial da Revista E para falar da principal questão que seu meio enfrenta: a internet, com sua simultaneidade e interatividade aparentemente insuperáveis. “A partir de meados do ano 2000, o rádio passou a sofrer essa concorrência da internet, que resultou numa perda de audiência”, comenta. Porém, segundo a jornalista, o momento não precisa ser visto como o canto do cisne do dial. “Ocorre, porém, que a internet foi vista como uma ameaça no início, mas, hoje, eu acho que todo o meio [radiofônico] trabalha como uma possibilidade, uma grande abertura [que a rede pode proporcionar]”. A seguir trechos da conversa durante a qual Gioconda explicou que possibilidade seria essa, e ainda falou sobre o público da Rádio Cultura FM, especializada em música erudita, e comentou a atual batalha das emissoras voltadas para o público jovem na era do MP3.
Desafios
O grande trunfo que o rádio sempre teve, mesmo com o advento da televisão – e o impacto que ela causou junto aos ouvintes, que se tornaram telespectadores –, era ser muito rápido e interativo, coisa que a TV não proporcionava. O rádio tinha aquele sabor do “agora”, do “neste momento”, a coisa ali, ao vivo, quente, e a possibilidade de alguém interferir diretamente na programação. Se fosse uma rádio jornalística, por exemplo, você teria perguntas dos ouvintes, comentários, que chegavam por telefone ou por meio de cartas – isso na época em que se recebiam cartinhas na redação, e a gente sempre lembra dos apresentadores, dos animadores de rádio, anunciando “a carta de fulano de tal...”. O rádio sempre teve essa sensação de comunidade, ao passo que a TV era mais fria, mais distante. E ele ficou muito bem, cumprindo esse papel, se sentindo o mais interativo dos meios de comunicação eletrônicos. Porém, agora, a partir de meados do ano 2000, o rádio passou a sofrer essa concorrência da internet, que resultou numa perda de audiência. Eu não saberia dar uma medida exata dessa queda porque cada fonte diz uma coisa – e talvez ninguém queira, realmente, dizer o quanto o rádio caiu. Mas tanto o rádio quanto a TV têm sofrido, ambos, alterações por causa da internet.
Entrando na rede
Ocorre, porém, que a internet foi vista como uma ameaça no início, mas, hoje, acho que todo o meio [radiofônico] trabalha como uma possibilidade, uma grande abertura [que a rede pode proporcionar]. Porque hoje é a internet que tem essa qualidade de ser a mais interativa de todas as formas de comunicação, e ainda com uma possibilidade que o rádio não tinha: a simultaneidade. Não apenas você fala com o ouvinte, mas também esses ouvintes falam entre si, coisa que o rádio não proporcionava. Por exemplo, enquanto eu estou conversando com meu entrevistado, a entrevista está no ar, como no rádio, mas há uma ferramenta [na internet] que deixa disponível para esse internauta um canal aberto para ele se comunicar [com outros internautas]. Então eles [os ouvintes-internautas] estão se conhecendo por meio do meu programa, estão trocando informações, e eu nem vejo isso acontecer – quer dizer, eu estou acompanhando, mas essas mensagens não estão chegando até mim diretamente, elas vêm deles. Dessa forma, um dos desafios que o rádio tem atualmente é esse da simultaneidade. O meio tem que acompanhar e tem que usar a ferramenta da internet para aproveitar o melhor possível dessa qualidade que a rede tem, sem perder o calor do rádio.
Rádios jovens
O que tem ocorrido com as rádios cujo público-alvo são os jovens é que elas têm procurado adaptar sua programação para as classes C, D e E. Porque os jovens das classes A e B não ouve mais rádio. Eles ouvem música no iPod [tocador de MP3 da marca Apple] ou então baixam músicas em seus celulares. É difícil ver um garoto que não esteja com seu iPod. Ou seja, esse ouvinte as rádios estão perdendo. Por isso, elas [as rádios para jovens] estão incrementando seus sites, para ver se conseguem ganhar essa audiência via web. Mas elas estão trabalhando mais na faixa dos jovens das classes mais baixas. E esse perfil aumentou, tem consumido mais rádio.
Esses jovens das classes A e B querem ouvir o que eles mesmos descobrem, o que eles baixam. A grande maioria deles tem acesso à internet banda larga e está no Orkut, no MySpace, ou seja, ambientes que permitem criar e modificar as coisas, e eles não estão mais interessados nos que as rádios estão fazendo, todas as novidades eles descobrem na internet. Esse, inclusive, é outro grande desafio. Todas as rádios estão vivendo esse dilema, o de tentar conseguir ter uma entrada boa na internet, ou seja, ter um belo site, um belo portal, e ver se isso dá resultado, porque a tendência é todo mundo ir para a internet e para os iPods.
Perfil
Nós temos público mais velho. O perfil de audiência da Cultura FM é formado por pessoas acima de 45 anos, geralmente das classes A e B e formadores de opinião. O que não significa que a gente não tenha outros públicos, porque essas classificações – A, B, C – dizem respeito a quantos aparelhos de TV a pessoa tem em casa, quantos carros, a faixa de salário, enfim. E nós não chegamos somente até essas pessoas. Mas nós temos um público bastante especializado, intelectuais, músicos, e pessoas mais velhas. E esses ouvintes não querem uma rádio de notícias [quando sintoniza a Cultura FM], não é o foco de interesse deles. Por isso, o jornalismo, na Rádio Cultura, não é uma prioridade. A gente coloca um boletim noticioso a cada hora cheia e às 19h temos um resumo do noticiário do dia, mas que jamais pode ser comparado a nenhum noticiário das rádios jornalísticas, que têm constantemente uma apuração do que está acontecendo no momento. Ou seja, o nosso ouvinte não sintoniza a Rádio Cultura para ouvir notícia. É claro que o noticiário é importante, até para situar o ouvinte de que existe um acompanhamento do ?dia-a-dia, mas ele tem uma parcela de pouca importância. De qualquer forma, o que ele tiver de conteúdo jornalístico tem de ser bem sóbrio, não muito opinativo, de preferência um jornalismo mais discreto, imparcial.
A jornalista Gioconda Bordon esteve ?presente na reunião do Conselho Editorial ?da Revista E em 22 de janeiro de 2009.