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Cidade Literária
por Francis Manzoni

A vocação econômica e comercial de São Paulo e sua abertura à imigração e à profusão de culturas, que há mais de um século enriquecem a cidade com variados modos de vida, tem na literatura um dos expoentes das artes praticadas por aqui. A Semana de 22, em busca da assimilação de novos elementos, encontrou no sincretismo paulistano o terreno fértil para a sua seara. Os artífices dessa revolução cultural, paulistanos ou radicados, influenciaram de modo irreversível a literatura brasileira.

Passemos a uma breve visita à escola pública paulista de meados dos anos de 1980, quando em voga estiveram José de Alencar, Machado de Assis, Camilo Castelo Branco e clássicos selecionados ao sabor da época. Nesse tempo pueril, o gosto da letra não trazia ainda cereja nem cobertura e a diferença só fez praça quando o magistério adotou uma série de livros chamada ‘Vaga Lume’, mais apropriada ao nosso universo e capaz de harmonizar o prazer e a capacidade intelectual daquelas crianças.

Lembro-me com saudosismo das conversas espontâneas sobre personagens, trama, lugares que se confundiam com aqueles em que vivíamos, no campo, na cidade, nas matas, praças, no ambiente doméstico e outros criados pela imaginação. Essa memória afetiva que nunca deixou de me oferecer certo conforto trouxe para o trabalho que hoje desempenho no Sesc um olhar atento para outras experiências afetivas e espontâneas na relação com a leitura.

A diversidade cultural de São Paulo distribuída em um imenso território, imagem fascinante, fez-me imaginar por quais caminhos os livros chegam às pessoas, ou as pessoas a eles. Que tipos de publicações, periódicos, autores e lugares compõem infindáveis cenários de leituras, dos mais precários aos incrivelmente sofisticados. Quem, em um flagrante espaço de tempo, estaria lendo em São Paulo, ou escrevendo, alfabetizando-se ou reunindo-se para ler com outras pessoas.

A ideia de uma ‘Cartografia Literária’ deu nome ao evento que desenvolvi no Sesc Consolação, de maio de 2007 a agosto de 2008, onde conheci de perto grupos de escritores e leitores como a Cooperifa, o Sarau do Binho, o Vacamarela, a Associação Literatura no Brasil, além de sites e blogs de literatura que, de algum modo, me faziam pensar que a prosa e a poesia ganham mais sentido quando compartilhadas, disso fazendo parte conversas, novas pessoas, indicações de títulos, rejeições de obras, livros raros, livros caros, um primeiro livro, a poesia libertária, erótica, o texto difícil, o estrangeiro, o colega que já leu, as mãos estranhas que seguram o volume, o especialista, o debutante e todas as pessoas que sempre estão do outro lado do objeto livro. Para além de qualquer significado mágico ou romântico, estão em questão a afetividade ou o desafeto inevitáveis no trato com as obras, já que sempre vêm acompanhadas por pessoas.

Por esse viés, um mapeamento literário bastante elaborado poderia nos oferecer boas páginas de história social, ao mesmo tempo em que seria possível estudar as referências, formas de comunicação, conteúdos culturais e práticas de representação social experimentadas pelos grupos que participaram da Cartografia Literária.

O trabalho na programação de literatura desenvolvido no Sesc, a participação na Comissão de Programação para Bienal Internacional do Livro de São Paulo, em 2008, o contato com escritores, amigos e eventos me instigam ao desafio de uma cartografia permanente, no sentido de estar atento e interessado na multiplicidade de experiências possíveis com literatura nesta cidade.

Francis Manzoni, Mestre em História Social, é Assistente de Literatura da Gerência de Ação Cultural.