Postado em
O otimismo faz bem ao coração
Emoções nascem no cérebro, mas as conseqüências, boas ou ruins, aparecem nas coronárias
MARISA CAMPOS MORAES AMATO
Livre-docente de cardiologia da Universidade de São Paulo
|
Historicamente, o coração está ligado às emoções. Nele se diz que está a origem do amor, da coragem, da bravura. Cláudio Galeno, que viveu entre 131 e 201 d.C., dizia que o sangue era produzido no fígado, onde recebia o espírito natural, e daí fluía para a periferia. Ao passar pelo coração, obtinha o espírito vital e no cérebro recebia o espírito animal. Muito tempo depois, William Harvey (1578-1657), o principal responsável pelo entendimento da circulação sanguínea, manteve a crença de que o coração produzia o espírito vital, equivalente à alma humana.
Popularmente se diz que pessoas boas têm coração grande, e as ruins não têm coração. Na Bíblia, a palavra é citada 958 vezes, para sintetizar o que hoje chamamos de personalidade, segundo a interpretação do neurocirurgião Raul Marinho Jr., professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Hoje sabemos que o cérebro é a base do comportamento humano, sede de todos os sentimentos, pensamentos e emoções. Entretanto, as experiências, quando geram muita emoção, afetam diretamente o coração. E as doenças cardíacas, por sua vez, também podem levar à manifestação de emoções, tais como medo, ansiedade e depressão, revelando que a interação entre coração e mente é recíproca.
O neurologista Paul McLean, estudando o cérebro, demonstrou em 1952 que uma região chamada sistema límbico recebe informações externas, transformando-as em emoções. Ativa-se assim um complexo sistema nervoso e humoral que, através de reações físicas e químicas, controla o funcionamento de vários órgãos, inclusive o coração. Dessa maneira, a circulação sofre mudanças repentinas, intensas e com extrema rapidez. Por exemplo, no espaço de 3 a 5 segundos, a freqüência cardíaca pode aumentar até o dobro do normal, e dentro de 10 a 15 segundos a pressão arterial chega a ser duplicada. Tudo isso para que o indivíduo se predisponha fisiologicamente para enfrentar situações de risco.
O organismo se prepara, portanto, de forma instantânea, para desempenhar uma atividade física, extenuante e de curta duração, um ato que seria impossível executar em condições habituais. Essa reação do organismo frente a diferentes estímulos chama-se estresse, reação de fuga ou de alarme. Os problemas ocorrem quando esse sistema opera de forma inadequada, ou seja, quando os estímulos não cessam ou as reações provocadas não se interrompem. Na maioria das vezes, isso sucede quando existe opressão por circunstâncias ambientais, geralmente impostas pela sociedade moderna. Nessa situação, em vez de a reação melhorar a performance e resolver o problema, acontece a falência das funções orgânicas. Surgem inquietação, fadiga, dificuldades de concentração, irritabilidade, tensão muscular e alteração do sono.
Inicialmente, pode ocorrer apenas a alteração da ansiedade, que eventualmente evolui para a depressão. Cai a resistência a doenças e o organismo se enfraquece, o que pode levar até a morte. Esse estado físico pode se iniciar subitamente, como conseqüência do pânico, ou de forma gradual, decorrente de estímulos crônicos. É um processo que pode durar poucos segundos ou vários anos. E quanto mais longa sua duração, maior o comprometimento do organismo.
O estresse pode ser bom ou ruim, dependendo da percepção e interpretação de cada um, como também de sua intensidade. Ele ajuda o indivíduo a ter melhor desempenho em qualquer tarefa, mas apenas até determinado ponto, a partir do qual a eficiência diminui.
Os indivíduos reagem de maneiras diferentes ao mesmo estímulo. Dessa forma, a paixão de um pode ser causa da ansiedade de outro. A habilidade para lidar com problemas também depende da personalidade, das experiências anteriores, da educação e da cultura individual. Ou seja, uma determinada situação problema sempre terá repercussões diferentes em cada um.
Medo e ansiedade são características comuns a todos os seres humanos. A ausência do medo eliminaria a reação em situações de perigo. Coragem, portanto, não é falta de medo, mas a capacidade de controlá-lo e superá-lo. E ela não é exclusividade de algumas pessoas, mas de todos os que souberem cultivá-la. É o mesmo que acontece com um atleta, que não entra numa competição sem treinar. O treino específico de uma tarefa faz com que a pessoa aprenda a enfrentar o desafio. Sem medo, ficaríamos sem motivação para competir, inovar, progredir. E é o temor do castigo que nos faz respeitar as regras impostas pela sociedade. O que seria da humanidade sem o medo?
As manifestações resultantes de emoções opostas, como raiva e amor, são contrastantes, mas às vezes assemelham-se por serem ambas estados de excitação que se originam na mesma região do cérebro. As reações que ocorrem no organismo têm como objetivo mantê-lo vivo e adaptado às situações mais adversas. Assim, diante de qualquer emoção ocorre a taquipnéia (aumento da freqüência respiratória) para melhorar a oxigenação, hiperglicemia (aumento do nível de açúcar no sangue) para aumentar a energia, e dilatação da pupila para aumentar o campo visual. Na raiva, porém, os movimentos corporais são tensos, a voz torna-se ríspida, há constrição ou dilatação dos vasos, espasmo intestinal, inibição dos reflexos sexuais, contração vesical, boca seca, suores, hipertensão arterial, aumento da agregação plaquetária e depressão do sistema imunitário. Ou seja, alterações que contribuem para o aparecimento de doenças cardiovasculares, infecções e neoplasias. Já nas emoções relacionadas ao amor ocorrem relaxamento muscular, voz suave, vasodilatação, relaxamento intestinal, secreção glandular, salivação, calor sem sudorese, ou seja, manifestações contrárias e que previnem aquelas doenças.
Nos dias de hoje, em que a tecnologia ampliou infinitamente a quantidade de informações, o cérebro sofre para conseguir decodificar, em tempo hábil, tudo o que recebe. Esse fato, associado à alta competitividade imposta pela sociedade, oprime o ser humano, que encontra dificuldades cada vez maiores para lidar com as emoções. Segundo levantamento feito em 1995 para a Organização Mundial da Saúde por David P. Goldberg e Yves Lecrubier em 15 grandes cidades do mundo, os distúrbios de ansiedade, depressão e dependência do álcool foram responsáveis por 24% das doenças.
Em nossa experiência de mais de 12 anos realizando check-ups, observamos que aproximadamente 50% dos indivíduos avaliados apresentaram grau moderado e 30% grau elevadíssimo de estresse. Outro dado relevante é que, após a determinação do nível de estresse, houve um processo de reconhecimento e conscientização que, com orientação adequada, levou a maioria deles a administrar melhor seus agentes estressores, conseguindo, assim, maior controle das próprias reações. Também foi identificada uma relação direta entre esse resultado e o maior domínio sobre os demais fatores de risco cardiovascular, como tabagismo, hipertensão arterial, diabetes, obesidade, sedentarismo e hipercolesterolemia.
Existem evidências, explicadas pelas alterações decorrentes das emoções relacionadas ao amor, de que rezar reduz a tensão muscular e a incidência de doenças coronarianas. A meditação diminui a ansiedade, a depressão, a irritabilidade e melhora a capacidade de aprendizagem e de memória e a estabilidade emocional, assim como pode aliviar dores crônicas.
Uma pesquisa realizada com 545 homens entre 64 e 84 anos mostrou que pessoas naturalmente otimistas morrem menos de problemas cardiovasculares, são mais saudáveis e apresentam melhor qualidade de vida, além de ter maior concentração e maior capacidade de resolução de problemas.
Embora sejam necessários, ainda, muitos estudos para entender melhor os mecanismos físicos e psicológicos da emoção, recomenda-se, para prevenir problemas cardíacos, ter fé, ser otimista, ter bom humor e reservar momentos de lazer para relaxar. E, acima de tudo, conhecer-se a si próprio. Convidamos o leitor a avaliar seu grau de estresse pelo site www.checkup.med.br, onde também poderá encontrar outros testes e mais informações sobre saúde.
A conscientização sobre o funcionamento do organismo e seu meio ambiente traz subsídios para que cuidemos melhor de nós mesmos, combatendo os malefícios da modernidade, preservando a saúde e garantindo melhor qualidade de vida.
![]() | |