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Invasão silenciosa
Plantas e animais exóticos trazem mais problemas que soluções
EVANILDO DA SILVEIRA
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No rastro da globalização, de carona em aviões ou navios ou até em solas de sapatos ou inocentes vasos de flores, um novo problema ambiental e econômico se alastra pelo planeta. São as espécies exóticas invasoras: animais, plantas ou microorganismos introduzidos num ecossistema do qual não fazem parte originalmente, mas onde se adaptam e passam a dominar, prejudicando processos naturais e os organismos nativos. Animais como o mexilhão dourado, o javali, o caramujo gigante africano e o mosquito Aedes aegypti, que transmite a dengue, e plantas como o pínus são alguns exemplos. Além de representarem uma das principais ameaças a ecossistemas, hábitats e outras espécies, também causam enormes prejuízos econômicos às atividades produtivas e riscos consideráveis à saúde humana.
Há várias formas de invasão. Algumas podem ser acidentais, por exemplo quando larvas, ovos, sementes, microorganismos ou pequenos animais, como insetos, são transportados de um lugar para outro involuntariamente pelo homem. Isso pode acontecer na água de lastro de navios, usada para manter o equilíbrio e a navegabilidade das embarcações, quando estão descarregadas. Ela é recolhida no porto de origem e despejada no de chegada. A maior parte das invasões, no entanto, está relacionada a atividades intencionais do homem, como o comércio internacional de animais de estimação ou destinados a criações de interesse econômico e de plantas ornamentais ou de cultivo. Na maioria das vezes, esses organismos se adaptam muito bem e fogem do controle, acabando por se transformar num problema.
Para a engenheira florestal e ecóloga Sílvia Ziller, do Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental, uma das organizadoras do 1º Simpósio Brasileiro sobre Espécies Exóticas Invasoras, realizado em outubro do ano passado, muitas vezes trazer animais ou plantas de fora pode causar mais prejuízos do que benefícios. "Em geral, buscam-se soluções simples, optando por espécies de fácil reprodução e criação, que se multipliquem em abundância e que se adaptem facilmente. Mas essas características, procuradas para cultivo e desenvolvimento rural, são as mesmas que se tornam um problema."
Falta prevenção
Embora não existam números precisos, há estimativas dignas de crédito. "O professor David Pimentel, da Universidade de Cornell, calcula que as espécies exóticas invasoras causem prejuízos de US$ 1,4 trilhão por ano no mundo, US$ 137 bilhões só nos Estados Unidos e US$ 49 bilhões no Brasil", diz Rafael Dudeque Zenni, do Programa de Espécies Exóticas Invasoras para a América do Sul da organização não-governamental The Nature Conservancy (TNC). "Comparado a esse prejuízo, ainda se gasta muito pouco na prevenção, no controle e na erradicação dessas espécies. Não há dúvida de que o controle precoce de invasões biológicas e uma política mais clara sobre introdução e uso de organismos exóticos poderiam diminuir enormemente esses valores."
O problema é tão grave que a União Internacional para Conservação da Natureza (The World Conservation Union – IUCN) considera as espécies exóticas invasoras a segunda causa mundial de redução da biodiversidade em geral, atrás apenas da destruição de hábitats pelo homem. No caso das unidades de conservação, elas representam o maior risco. "O aumento da introdução de espécies vem ocorrendo associado à elevação do comércio global de bens e serviços", diz Zenni. "Poucos países já possuem visão formada para lidar com essa ameaça à biodiversidade e à manutenção da capacidade produtiva dos ambientes."
Para conhecer a real dimensão do problema no Brasil, a TNC e o Instituto Hórus realizaram durante 2004 e 2005, com apoio do Ministério do Meio Ambiente (MMA), um levantamento nacional de espécies exóticas invasoras. Esse projeto também contou com a participação da Universidade Federal de Viçosa, de Minas Gerais, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP), da Fundação Oswaldo Cruz e da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. O trabalho teve como objetivo realizar o primeiro inventário da situação brasileira em relação ao problema das invasões biológicas, para a implementação da Convenção sobre Diversidade Biológica no país. A fase de coleta de informações já foi encerrada, e agora a equipe do MMA está encarregada de analisar e divulgar os dados.
A Convenção sobre Diversidade Biológica, da qual o Brasil é signatário, trata da questão das invasões biológicas, exigindo que os países impeçam a introdução de espécies exóticas que representem ameaças à biodiversidade e aos sistemas produtivos, ou que as controlem ou erradiquem. Esse foi, inclusive, um dos temas discutidos durante a 8ª Reunião da Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP8), que ocorreu entre os dias 20 e 31 de março em Curitiba. Além do levantamento, outra indicação de que o país reconhece a gravidade do problema foi a realização do 1º Simpósio Brasileiro sobre Espécies Exóticas Invasoras, em outubro do ano passado, em Brasília.
O inventário feito pela TNC e pelo Instituto Hórus mostrou que o número de espécies exóticas invasoras no Brasil chega aproximadamente a 250, entre insetos, mamíferos, peixes, moluscos, gramíneas, árvores e diversos outros tipos de organismos. Elas foram encontradas em mais de 9 mil locais em todos os estados brasileiros e em quase 200 unidades de conservação.
Danos enormes
Quando se adaptam aos locais onde foram introduzidas acidental ou intencionalmente, livres de seus predadores naturais, as espécies invasoras podem proliferar e causar enormes danos. Não há um ranking das que causam os maiores prejuízos, mas entre as mais problemáticas atualmente no Brasil estão o mexilhão dourado (Limnoperna fortunei), o javali (Sus scrofa) e o caramujo gigante africano (Achatina fulica).
O mexilhão dourado é um bichinho pequeno – não tem mais do que 4 centímetros – e vem de longe, mas é capaz de fazer um estrago considerável. Trata-se de um molusco de água doce, originário do sul da Ásia, que chegou ao Brasil em 1998. Ele já infestou rios, lagos e reservatórios da região sul e do Pantanal e começa a ser detectado em São Paulo. Além de desequilibrar os nichos ecológicos em que se instalou, pondo em risco de extinção espécies nativas, o invasor ameaça o setor elétrico brasileiro, a agricultura irrigada, a pesca e o abastecimento de água, já que entope tubulações, interfere na cadeia alimentar e provoca contaminação.
Com capacidade de se incrustar em qualquer superfície submersa, como madeira, rocha, plástico e até vidro, esse organismo exótico vem causando um problema tão grave que em dezembro de 2003 o MMA editou a portaria número 494, criando uma força-tarefa nacional (FTN). Composta por representantes de sete ministérios e 13 entidades ligadas aos setores de geração de energia, abastecimento e meio ambiente, essa força-tarefa se destinava a traçar um diagnóstico dos danos causados pelo mexilhão dourado e tentar controlá-lo.
Como desdobramento das ações da FTN, foram criadas coordenações locais, nas bacias dos rios Paraná, Paraguai e Guaíba (RS). Em 2004 foi lançado o plano emergencial para combate ao mexilhão dourado. Com a desativação da FTN no ano passado, o plano não foi adiante, e a espécie continuou a se espalhar. "Conseguimos informar as pessoas por meio de campanhas de divulgação, o que já é um grande avanço", diz Márcia Divina de Oliveira, pesquisadora da Embrapa Pantanal, que participou da FTN. "Mas nenhuma ação efetiva foi realmente realizada, como instalação de barreiras para inspeção de barcos e controle da dispersão do mexilhão dourado pelas embarcações."
A história do mexilhão dourado na América do Sul começou, na verdade, em 1991, quando ele foi detectado no rio da Prata, próximo de Buenos Aires. O molusco bivalve (com duas conchas, que se fecham) chegou até ali como clandestino na água de lastro de navios vindos do Oriente. No Brasil, sua presença foi registrada pela primeira vez em 1998, no delta do rio Jacuí, próximo a Porto Alegre. Em 1999, foi encontrado no rio Guaíba, no qual o Jacuí deságua e que abastece a capital gaúcha.
No mesmo ano, o Limnoperna fortunei foi visto na hidrelétrica paraguaio-argentina de Yacyretá, no rio Paraná. Em 20 de abril de 2001, a espécie foi encontrada numa das tomadas de água (compartimentos anteriores às turbinas) da barragem de Itaipu, 400 quilômetros acima de Yacyretá. "Hoje o problema está muito longe de ser resolvido", alerta Márcia. "Uma vez instalado, é praticamente impossível erradicar o mexilhão. Ele avançou bastante nos últimos anos, em especial na bacia do Paraná, onde está a maior concentração de reservatórios para geração de energia."
Além dos problemas que causa, o que vem preocupando o governo e especialistas que estudam o mexilhão dourado é a rapidez com que ele se propaga. A espécie começa a se reproduzir ainda muito jovem, quando tem apenas 5 milímetros, e se espalha ao espantoso ritmo de 240 quilômetros por ano. Isso é ainda mais notável para um bicho que não nada e quando adulto vive grudado em algum tipo de superfície.
Incapaz de deslocar-se na água, o mexilhão dourado usa outros meios para se disseminar. Suas larvas microscópicas pegam carona no casco de barcos de pesca, turismo ou transporte de produtos por hidrovias. Por isso, é importante criar barreiras sanitárias para que ele não chegue a outras bacias hidrográficas brasileiras, como a Amazônica.
Causa de doenças
Se o mexilhão dourado chegou ao continente sul-americano trazido de maneira acidental ou involuntária, o mesmo não ocorreu com outra espécie que está causando problemas. Nativo da África, o caramujo gigante, um molusco terrestre que atinge 15 centímetros de comprimento por 8 de largura e pesa mais de 200 gramas, foi introduzido no Brasil há cerca de 20 anos como alternativa econômica ao escargot verdadeiro (Helix aspersa). A experiência não deu certo. Dez anos depois, descobriu-se que ele podia transmitir doenças. Os criadores, então, soltaram o animal na natureza. Ele proliferou e hoje é encontrado em quase todo o território nacional, principalmente no nordeste.
Além de transmitir vermes, que causam a angiostrongilíase meningoencefálica, doença que tem como sintomas dor de cabeça forte e constante, rigidez na nuca e distúrbios do sistema nervoso, o caramujo tornou-se uma praga. Ele destrói plantações, come frutas e legumes, além de competir com outros moluscos da fauna nativa, podendo levá-los à extinção. Por tudo isso, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) pretende exterminá-lo. Entre outras medidas, em agosto do ano passado o órgão proibiu a criação do molusco e determinou que os produtores entregassem as matrizes às autoridades em 60 dias.
O javali, por sua vez, não chegou ao país como clandestino nem foi trazido para ser criado. Ele veio com as próprias pernas. Essa espécie de porco-do-mato europeu, ancestral do doméstico e com peso de até 200 qui-los, foi levada para a Argentina para a caça esportiva. De lá, passou para o Uruguai e depois, em 1991, para o Brasil, invadindo o Rio Grande do Sul, de onde se espalhou pelo país. Hoje ele também é encontrado em estado selvagem no Paraná, em São Paulo, Santa Catarina, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul.
Devido a sua grande resistência, alta capacidade de adaptação e à inexistência de predadores naturais em muitos locais que invade, ele é considerado pela IUCN uma das cem piores espécies exóticas invasoras do mundo. "O javali ataca principalmente plantações de milho e animais de criação, e pode transmitir doenças para a fauna nativa", explica o biólogo André Jean Deberdt, coordenador-geral de Fauna do Ibama. "Ele se adapta com facilidade a qualquer tipo de ambiente e começa a proliferar rapidamente. No Rio Grande do Sul já causa problemas muito sérios."
Para tentar reduzir a população de javalis nesse estado, o Ibama realizou nos últimos dez anos vários estudos e, a partir de agosto passado, autorizou a caça do animal no estado. De acordo com Deberdt, as medidas de combate às espécies invasoras são muito recentes no país. "Ainda estamos implementando algumas técnicas de controle", explica. "Uma vez que o javali entrou, será muito difícil erradicá-lo, mas é possível controlá-lo e diminuir os danos provocados por ele."
Além desses três invasores, há outros que vêm causando prejuízos no país. Deberdt cita como exemplo, entre as espécies vegetais, algumas gramíneas africanas, como a braquiária (Brachiaria decumbens) e o capim-gordura (Melinis minutiflora), que infestam espaços naturais e agrícolas e são muito difíceis de erradicar, e várias espécies do gênero Pinus, que podem se dispersar facilmente em áreas naturais e causam grande impacto quando plantadas em regiões de savana ou de vegetação rasteira.
Entre os animais, o biólogo do Ibama destaca a rã-touro (Rana catesbeiana), a mais utilizada para criação no mundo e que no Brasil já ocorre em áreas naturais, causando sérios impactos ao meio ambiente, uma vez que se alimenta vorazmente de invertebrados e pequenos vertebrados; a lebre européia (Lepus europaeus), responsável por prejuízos à agricultura, que invadiu o país pela fronteira com a Argentina e já é encontrada no sul de Goiás; a tartaruga tigre-d’água (Trachemys elegans), dos Estados Unidos, muito comercializada como animal de estimação e que normalmente é abandonada depois de adulta em cursos de água, onde compete com as espécies nativas, em zoológicos ou em centros de triagem do Ibama, provocando superlotação.
Há ainda o búfalo (Bubalus bubalis), animal doméstico asselvajado que causa grande impacto em unidades de conservação e áreas naturais do Brasil, como a Reserva Biológica do Guaporé, em Rondônia, e a Região dos Lagos no Amapá, e a tilápia (Oreochromis niloticus), espécie muito utilizada em piscicultura, que quando introduzida em um corpo de água compete diretamente com peixes nativos e dificilmente será erradicada. Outros invasores perigosos são os microorganismos que causam a febre aftosa no gado e a cólera nas pessoas, os vírus Ebola e HIV e o Aedes aegypti, mosquito que transmite a dengue, originário do Egito.
Medidas paliativas
Diante desse quadro, o mundo resolveu se mexer e está tomando medidas para, pelo menos, amenizar o problema. No Brasil, o MMA está estudando a criação de uma câmara técnica permanente sobre espécies exóticas invasoras, composta por representantes de diferentes setores da sociedade. O Ibama, por sua vez, instituiu, no início de 2004, um grupo de trabalho para tratar do assunto e propor e promover ações que visem à prevenção, ao monitoramento e ao manejo desses organismos. Dentre as ações concretas do Ibama está o controle do javali e do caramujo gigante africano por meio da caça e da captura e extermínio.
Em nível mundial, há ações da IUCN e do Grupo de Especialistas em Espécies Invasoras (Invasive Species Specialist Group – ISSG). Esse grupo é formado por 146 especialistas de 41 países e fornece informações e métodos de controle e erradicação aos membros da IUCN, ambientalistas e órgãos governamentais. Além da sede em Auckland, na Nova Zelândia, o ISSG tem seções regionais na América do Norte, Europa e Ásia.
Deve ser mencionado ainda o Programa Global de Espécies Invasoras (Global Invasive Species Programme – Gisp), criado em 1997, a partir de uma parceria entre o Comitê Científico para os Problemas do Meio Ambiente (Scientific Committee on Problems of the Environment – Scope), a iucn e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep), cujo objetivo é realizar um levantamento sobre os problemas causados pelas espécies exóticas invasoras e fornecer o suporte necessário à implementação da Convenção sobre Diversidade Biológica.
Muito poderia ser feito pelas pessoas em geral, além das providências tomadas por governos e entidades nacionais e internacionais. Sílvia Ziller diz que a Convenção sobre Diversidade Biológica tem uma série de diretrizes para prevenção, controle e erradicação de espécies exóticas invasoras. Entre elas, esclarecimentos à sociedade, que precisa entender do assunto para saber quais são os possíveis impactos ambientais e econômicos. "É necessário criar campanhas de conscientização pública para que as pessoas não cultivem plantas ornamentais invasoras, que se propagam com muita velocidade, não soltem animais de estimação na natureza – quando não tiverem mais condição de cuidar deles, devem entregá-los a um zoológico, ao Ibama ou a outro órgão que possa recebê-los – e não carreguem sementes, plantas, terra e frutas de um lugar para outro, mesmo dentro do Brasil."
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