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Tamanho não é documento

Nem sempre quantidade é sinônimo de qualidade.

Eventos destinados a um público pequeno apresentam um conceito próprio e têm sucesso garantido

Em 1985, o Rio de Janeiro se transformou na menina dos olhos para os fãs brasileiros de rock. No verão daquele ano, o público tupiniquim conheceria de fato um megashow. Mega, aliás, em todos os sentidos: milhares de espectadores, grandes astros, tietes se espremendo no maior estádio do mundo, o Maracanã. Na década de 80, o Rock’n Rio deu o primeiro passo para alçar a platéia brasileira, definitivamente, ao patamar de megaplatéia para os megaeventos de astros da estirpe de Madonna, Michael Jackson, Rolling Stones e, no ano passado, o tão esperado grupo irlandês U2.

Sob holofotes e efeitos especiais todos eles pularam, dançaram e cantaram num espetáculo no qual, sem desmerecer o talento de nenhum deles, não se sabia se os astros eram os músicos ou o raio laser. Falsamente, temos a impressão que estádio abarrotado é sinal de que o evento deu certo. Às vezes, sim; às vezes, não.

O conceito de sucesso é, portanto, relativo. Nem sempre o "mega" é sinônimo de um bom programa. Para alguns artistas, o sucesso está nas pequenas platéias e na intimidade que os pequenos lugares oferecem aos espectadores. Timidamente, eventos que comportam não mais do que trezentas pessoas foram conquistando lugar na agenda cultural da cidade atraindo aqueles que preferem o conforto e a visibilidade de um bom lugar aos incidentes que acarretam grandes apresentações. Outra característica dos pequenos eventos fica por conta do conteúdo das programações que, geralmente, não encontram vez no circuito comercial. Shows de música instrumental, leituras dramáticas, saraus, concertos eruditos e perfomances que atraem o olhar curioso de transeuntes têm vida pulsante alimentada por um público fiel que prefere o evento de pequeno porte.

É certo que durante muito tempo a noção de pequenas platéias esteve relacionada a programas restritos ou até mesmo elitistas. Entretanto, iniciativas como as do Sesc vêm difundindo esse modelo de apresentação entre os mais diversos tipos de públicos. Não é preciso ser nenhum intelectual de plantão para freqüentar um sarau no Sesc Pinheiros, ouvir uma boa música instrumental no final de uma tarde de segunda-feira na sede da entidade, em plena avenida Paulista, ou almoçar calmamente no centro, no Sesc Carmo, ao som de diversos estilos musicais.

 

Pequenos exemplos

Recentemente no Mundão, evento que marcou o pré-lançamento da unidade do Sesc no bairro de Santo Amaro, as pequenas platéias foram a bola da vez. Apesar dos 65 mil espectadores que prestigiaram as 1.500 atividades nos dez dias de programação intensa do Mundão, as apresentações nos pequenos espaços da unidade contribuíram muito para o êxito do grande evento. "Para que fosse possível realizar toda a programação, várias atividades aconteciam simultaneamente. Essa foi a maneira que encontramos de levar ao público o maior número possível de atrações. Em todos os espaços da unidade, sempre havia alguma coisa acontecendo. Por exemplo, na lanchonete aconteciam pequenos shows para o público que estava ali no momento", explica Felipe Mancebo, da Gerência de Ação Cultural do Sesc (GEAC). Além dos pequenos shows no restaurante, o grupo de teatro Parlapatões, Patifes e Paspalhões se apresentou em diminutos palcos, e a atriz Rosi Campos divertiu o pequeno público que entrava em um ônibus parado no meio da unidade. Tudo isso acontecia enquanto um bailarino, em outro canto do Mundão, fazia uma performance exclusiva para cada música escolhida por uma pessoa numa jukebox, num exemplo cabal de que pequeno público não significa platéia ruim.

Longe de Santo Amaro, do outro lado da cidade, um pequeno grupo de pessoas também fez do Sesc Pinheiros um agradável ponto de encontro nas noites de terça-feira. Batizado de TerSarau, o evento reunia numa sala da unidade artistas de todos os tipos que apresentavam sua obra para a modesta platéia. Com o intuito de aproximar artista e público, a equipe da unidade criou esse evento: "O pequeno é lindo porque permite atender necessidades crescentes de aproximação das pessoas, rompendo barreiras emocionais, principalmente quando aproxima artistas e público em torno de temas como romantismo e espiritualidade", comenta Anna Ignez Xavier Vianna, coordenadora cultural do Sesc Pinheiros.

O TerSarau foi inaugurado no dia 1o de setembro de 1998 com a presença de dois ilustres mineiros: o escritor Mário Prata e o músico Toninho Horta. A princípio, o escritor tinha dúvidas quanto ao êxito de um sarau contemporâneo. No entanto, dias após sua apresentação, observou: "Levei ao evento o primeiro capítulo de meu novo romance. Não dispunha do menor indicativo do que poderia acontecer. Subitamente, descobri o encanto e a utilidade do sarau. De frente para o público, sem nenhuma separação física, tive de lhe revelar o esboço do romance, minha vida, minha atividade de escritor, cronista, teatrólogo e jornalista. Aprendi que o sarau é um negócio sério, especializado principalmente em revelações espirituais e românticas. Nunca estive tão próximo dos espectadores".

Depois da dupla mineira, diversos nomes passaram pela pequena sala da unidade Pinheiros a contar suas histórias e apresentar sua arte. Entre músicos, atores e poetas estiveram por lá Rosi Campos, Vânia Bastos, Walderez de Barros e Antônio Petrin. O TerSarau prosseguiu até novembro, completando três meses de sucesso no contato entre público e artista.

No centro da cidade, mais precisamente no Sesc Carmo, é possível almoçar ao som do samba paulista de Adoniran Barbosa ou escutando a Valsa da Saudade, de Franz Schubert. Durante dois dias da semana, a unidade oferece aos frequentadores de seu restaurante bons shows de música instrumental com grupos de no máximo três integrantes, que tem o piano como base. Um simples almoço no meio da semana pode tornar-se um bom programa cultural.

Para contemplar o maior leque possível de dileções, a programação prima pela diversidade de gêneros musicais, apresentando a cada mês o repertório de um compositor diferente. Este ano, por exemplo, os almoços prometem ser animados ao som dos grandes compositores do século que termina com a programação Saudades do Século XX. Em janeiro, a primeira saudade do ano será destinada ao repertório de Pixinguinha. Nos outros meses, Carlos Gardel, Tom Jobim, Cartola, Billie Holiday, Chico Buarque e Beatles, que, entre outros grandes nomes, passarão pelo restaurante da unidade.

Além dos almoços do Sesc Carmo, a boa música instrumental também pode ser apreciada na avenida Paulista. Todos os finais de tarde de segunda-feira, amantes do choro, do jazz, do blues e dos mais diversos arranjos musicais têm programa garantido no pequeno auditório do Sesc Paulista. Ali, os mais tarimbados instrumentistas promovem agradáveis concertos musicais. "O Sesc Instrumental Paulista tornou-se uma vitrine da música instrumental na cidade nesses nove anos de existência. Recebemos tantos projetos para concertos que não conseguimos dar conta de tudo", explica Marta Raquel Colabone, em meio a equipes de televisão que correm atrás do trombonista Raul de Souza, grande atração da noite de 11 de janeiro. "Quando começamos com o Instrumental, havia muito poucos ou quase nenhum programa cultural nas noites de segunda-feira. Hoje, já há programas na cidade para esse dia da semana, mas conquistamos um público fiel que está sempre presente nas apresentações", diz a coordenadora.

 

História no palco

No Sesc Vila Mariana, a música também teve seu "pequeno grande" público. De agosto a dezembro do ano passado, o projeto Concertos Históricos resgatou a história da música erudita ocidental através de concertos que foram estruturados em oito períodos históricos estilísticos, desde o movimento musical gregoriano até a produção contemporânea.

Por meio de concertos semanais, a história dos vários estilos foi apresentada para uma platéia formada por 150 pessoas. Por vozes como dos sopranos Rosana Lamosa e Elayne Caser, a platéia foi conduzida por uma rica viagem histórico-musical.

Os projetos Coreto e o Painel de Arranjos Vocais também oferecem boa música em espaços pequenos, ambos no Sesc Consolação. Em outubro passado, o hall de convivência da unidade recobrou o clima dos coretos das pequenas cidades do interior e transformou-se em ponto de encontro dos apreciadores da música instrumental. Era só chegar e desfrutar da música agradável num ambiente nostálgico. Com o mesmo intuito de apresentar boa música, o Painel de Arranjos Vocais tem, a partir de fevereiro, uma intensa programação de shows com alguns dos mais significativos e atuantes grupos vocais da atualidade, como os conjuntos Boca Livre e Catavento.

Além de primar por bons projetos musicais para o pequeno público, o Sesc Consolação também oferece bons programas em outras áreas artísticas. Para os amantes da literatura, o projeto Canteiro de Obras - Leitura de Textos contou com artistas de diferentes formações que apresentaram variados textos literários. O projeto foi inaugurado por Tom Zé, que narrou o texto Clientes Demais, do americano Rex Stout. Antes de cada leitura, todos recebiam um folheto com informações sobre os autores, sinopse e análise crítica da obra. Mais que apenas um bom programa, o Canteiro de Obras era uma aula de literatura.

 

Ao ar livre

No Sesc Pompéia, há pequenos eventos que são realizados em grandes espaços. Explica-se: o projeto Palco Aberto, que traz performances corporais nas tardes de fins de semana, tem como principal característica apresentar trabalhos que se adaptem em espaços alternativos e que não dependem de grande infra-estrutura para serem realizados. Intervenções performáticas são exibidas no espaço de circulação da unidade. Desde sua criação, em 1997, o projeto se dedicou à dança e, principalmente, à dança-teatro, com apresentações das mais diversas tendências: dança de salão, dança folclórica, tango, dança do ventre, espetáculos circenses, sapateado e dança flamenca. Grupos como Acrobático Fratelli e a Companhia de Arte Flamenca já passaram pelo espaço da unidade. A programação da unidade oferece também encontros literários e recitais de poesia em que autores e artistas lêem e contam histórias ao público.

Deu para notar nesta matéria que bons programas pipocam por todas as regiões da cidade e seduzem público de todos os tipos, sem a necessidade de apertos ou filas. No fim das contas, só fica em casa esperando a Madona quem quer.