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Uma chance ao Tietê

O esforço para ressuscitar o pobre rio que atravessa a capital paulista

JULIANA BORGES


Serviços de dragagem / Foto: Juliana Borges

A cada segundo, o rio Tietê e seus afluentes recebem, só na região metropolitana de São Paulo, cerca de 35 mil litros de esgoto, de acordo com a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). Em 24 horas, a quantidade lançada chega ao impressionante total de 3 bilhões de litros. Isso sem contar os dejetos que são lançados ao rio antes de ele chegar à capital e o lixo diretamente atirado em suas águas, como pneus, móveis, etc.

Há quase 60 anos, o Tietê é um rio "morto" na região metropolitana de São Paulo. Biologicamente falando, isso significa que ele não apresenta suficiente oxigênio diluído para garantir a existência de um ecossistema. Porém, a definição biológica, por mais objetiva e esclarecedora que seja, não é a única interpretação para esse termo. Sob o ponto de vista urbano e social, o adjetivo ganha contornos um pouco mais complexos.

Símbolo de glória na época das bandeiras, quando ainda levava o nome indígena "Anhembi" e seus mil quilômetros de extensão serviam de guia aos primeiros exploradores do interior do estado, e de progresso no início do século 20, o Tietê é hoje motivo de vergonha para os paulistanos. Como seu leito é usado para receber praticamente todo o esgoto produzido pelos municípios da Grande São Paulo, o principal rio do estado é lembrado apenas pela sua feiúra, mau cheiro, enchentes e pelas doenças que transmite. Por isso, os paulistanos preferiram virar as costas para aquele que, durante séculos, foi motivo de orgulho para a cidade. E que, hoje, não passa de um incômodo problema.

"É uma pena que foi preciso aparecer um jacaré para o paulistano ver que existia um rio atravessando sua cidade", reflete Mário Mantovani, diretor de Relações Institucionais da Fundação SOS Mata Atlântica, referindo-se ao réptil encontrado nas margens do poluído Tietê em 1990, e ironicamente apelidado de "Teimoso". Na época, o acontecimento surpreendeu tanto os moradores da cidade, que, por conta dele, uma grande campanha de mobilização pública em prol da despoluição do rio foi criada em São Paulo. Encabeçada pela própria SOS Mata Atlântica, pela rádio Eldorado e pelo "Jornal da Tarde", gerou um abaixo-assinado com 1,2 milhão de assinaturas, enviado ao governo do estado, e que exigia providências urgentes. Dois anos depois, nascia o Projeto Tietê, uma das maiores obras de saneamento da América Latina, com a missão de tentar reverter os danos que séculos de descaso e irresponsabilidade causaram ao velho Anhembi.

Vários alertas

Já nos idos de 1792, um relatório anônimo denunciava os primeiros sinais de degradação dos recursos hídricos de São Paulo, resultado da exploração do ouro e do ferro. Segundo o texto, o rio Juqueri, no encontro com o Tietê, estava poluído, "parece que vomitando sangue, tingindo o Tietê muitas léguas com barro das lavras de Santa Fé e minas do Jaraguá". Só que, naquela época, em vez dos 18 milhões de pessoas que hoje vivem na região metropolitana, a cidade não passava de uma pequena província, e contava com "dez carpinteiros, 21 alfaiates, 16 sapateiros, quatro ferreiros, quatro ourives e quatro pedreiros", segundo levantamento feito pelo historiador Humberto Mello Nóbrega, publicado em seu livro História do Rio Tietê.

Algumas décadas depois, em 1820, o relato de dois irmãos, José Bonifácio e Martim Francisco Ribeiro de Andrada, confirmava que a situação não havia melhorado: "A primeira coisa que atraiu nossa atenção foi o miserável estado em que se acham os rios Tamanduateí e Tietê, sangrados em toda parte por sarjetas que formam lagos que inundam esta bela planície".

Assim como esses, outros documentos denunciaram a precariedade dos rios paulistanos. Entretanto, até 1930, a poluição ainda não havia comprometido totalmente o Tietê. Suas margens eram um lugar aprazível, que convidava ao lazer e às atividades esportivas. Apenas na década seguinte, devido ao intenso processo de industrialização, as condições sanitárias começaram a se agravar. Nos anos 1940, a água do rio, quando utilizada na irrigação de hortaliças, "queimava" as plantas. Em 1944, o ilustre esportista João Havelange, atleta da Associação Desportiva Floresta (Clube Esperia), em uma das disputas da tradicional Travessia de São Paulo a Nado, caiu doente, contaminado com febre tifóide, um sinal claro de que a saúde do Tietê não ia muito bem.

A partir de então, o processo de degradação se acentuou e, em 1950, o moribundo Tietê foi, enfim, declarado morto. E assim ele permaneceu por mais de 40 anos, sem que nada fosse feito para tentar reanimá-lo. Um dossiê produzido anualmente pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) informa que a situação da bacia do alto Tietê - que inclui o trecho do rio compreendido desde a sua nascente, em Salesópolis, até a cidade de Pirapora do Bom Jesus, bem como seus afluentes - é extremamente grave. O relatório "Qualidade das Águas Interiores do Estado de São Paulo" afirma que, com exceção dos reservatórios de Juqueri, na serra da Cantareira, e Tanque Grande, em Guarulhos, "os demais rios desta bacia encontram-se totalmente comprometidos pelo grande aporte de esgotos domésticos e efluentes industriais, acarretando contaminação química, microbiológica e ausência total de oxigênio dissolvido".

Há 102 anos, o engenheiro Joaquim José de Freitas, ao relatar a situação do Tietê ao secretário-geral da prefeitura, já alertava os governantes para a importância de "tratar quimicamente os despejos, antes de lançá-los ao rio, na Ponte Pequena, na barra do Tamanduateí e no Bom Retiro". Porém, nada foi feito. Depois dele, outros especialistas também chamaram a atenção para as péssimas condições da água. "Mas, infelizmente, todas as soluções que surgiram foram ficando no papel. São Paulo sempre foi movida pelo progresso a qualquer custo. Jogar lixo no rio sempre foi a solução mais barata", lamenta Aristides Almeida Rocha, professor titular da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro Do Lendário Anhembi ao Poluído Tietê.

Em 1926, o engenheiro sanitarista Saturnino de Brito, atendendo a um pedido do prefeito da época, Firmiano Pinto, criou o projeto intitulado Melhoramentos do Rio Tietê. Ele previa a redução da sua extensão de 46 para 26 quilômetros no trecho Guarulhos-Osasco, para aumentar e tornar constante a vazão da água. Também ressaltava a importância de reservar o rio para manancial de abastecimento da população e sugeria a construção de comportas para regularização do fluxo, de dois lagos com 1 milhão de metros quadrados de área junto à Ponte Grande e o represamento dos rios Biritiba, Jundiaí e Taiaçupeba, na altura de Mogi das Cruzes. O projeto era tão avançado que muitas das suas idéias acabaram sendo executadas nas décadas seguintes. Porém, na época em que foram propostas, nenhuma saiu do papel.

Histórico do descaso

O principal entrave ao projeto de Saturnino de Brito levava o nome de uma empresa canadense. "A Light é uma das grandes culpadas pela situação calamitosa em que o Tietê se encontra hoje", afirma Almeida Rocha. Segundo o professor, quando ela recebeu, em 1899, uma pioneira concessão para explorar os serviços de transportes urbanos na capital paulista, também precisou criar fontes de geração de energia para colocar os bondes em funcionamento. Por isso, solicitou ao governo uma autorização para represar o rio Guarapiranga. Em 1908, seu pedido foi atendido. "Outras concessões foram permitindo à empresa canadense deter o monopólio para gerar e distribuir energia elétrica em São Paulo, São Bernardo do Campo, Santo Amaro (então uma subprefeitura), Guarulhos, Parnaíba, Sorocaba, São Roque, Una (Ibiúna) e Jundiaí", informa o professor Almeida Rocha em seu livro.

Para manter seu lucrativo monopólio, a Light fazia de tudo para barrar qualquer outra atividade nas águas da região metropolitana que não fosse a geração de energia. Foi por isso que, mesmo tendo se comprometido a estabelecer uma hidrovia para escoamento de mercadorias e produtos através dos rios Tietê, Pinheiros e Grande, o que possibilitaria o acesso fluvial até o alto da serra do Mar, a Light não executou a obra. Foi também por esse motivo que a empresa moveu uma intensa campanha alertando a sociedade para o perigo do uso do Tietê para consumo humano. A propaganda surtiu efeito: a população leiga foi mobilizada e bairros inteiros protestaram contra essa possibilidade. Só que a Light não divulgava o fato de que, naquela época, as técnicas de tratamento já existiam, e diversos especialistas, como o próprio Saturnino de Brito e Teodoro Sampaio, eram contra a idéia da campanha movida pela empresa. "O rio estaria, assim, irremediavelmente condenado a servir à geração de energia e a ser transformado em veículo transportador dos esgotos domésticos e resíduos das indústrias", aponta o professor Almeida Rocha em sua obra.

O quadro de hoje

Os anos da perversa atuação da Light e de políticas públicas que sempre atenderam aos interesses do capital privado geraram resultados tão danosos que, hoje, 40% do volume total do rio é formado por esgoto. Porém, a situação já foi pior. Desde que as obras de despoluição do rio efetivamente começaram, em 1995, o Tietê e seus afluentes deixaram de receber cerca de 800 milhões de litros de esgoto por dia, o serviço de coleta na região metropolitana aumentou de 70% para 80% e o tratamento, de 24% para 62%. "São ações de grande importância, mas de pequeno impacto para uma cidade de 10 milhões de pessoas", reflete Luís Eduardo Bevilacqua, gerente da Divisão de Qualidade de Águas da Cetesb.

Essas pequenas melhorias, que ainda não são perceptíveis ao cidadão, foram alcançadas à custa de trabalho duro e muito capital investido. Em nove anos, o rio já consumiu mais de R$ 3,1 bilhões em recursos públicos e privados, divididos entre o Projeto Tietê, da Sabesp, e o Programa de Combate a Enchentes, da Secretaria de Energia, Recursos Hídricos e Saneamento do governo do estado. Enquanto o primeiro visa criar um sistema de coleta e tratamento de esgoto na região metropolitana de São Paulo, o segundo tem como atividade principal o rebaixamento da calha e a impermeabilização das margens, para aumentar a vazão do rio.

"Essa última iniciativa não teve nenhuma participação da sociedade civil. Além disso, ela não deveria estar desvinculada do projeto de despoluição. Isso confunde a população", critica Mantovani. Porém, o diretor da SOS Mata Atlântica se diz otimista quanto aos resultados do programa da Sabesp. "O Projeto Tietê está tendo continuidade. A primeira fase consumiu R$ 1,1 bilhão, e o dinheiro foi muito bem gasto." O jornalista Henrique Nicolini, autor do livro Tietê - O Rio do Esporte, partilha da opinião de Mantovani. "Esta é a primeira vez que um programa de despoluição do rio está sendo feito com seriedade. Ao longo dos anos, muitos outros já foram criados, mas nunca houve vontade política para levá-los adiante", afirma.

Investimentos

O Projeto Tietê foi dividido pela Sabesp em etapas. A primeira fase, que começou em 1995 e se estendeu até 1998, contou com recursos da própria Sabesp (R$ 550 milhões), do Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID (R$ 450 milhões) e da Caixa Econômica Federal (R$ 100 milhões). Nesse período, foram construídas três estações de tratamento de esgotos (ETEs) - São Miguel, Parque Novo Mundo e ABC -, que, juntas, têm capacidade para tratar 7 mil litros de esgoto por segundo, e a ETE Barueri teve sua capacidade ampliada de 7 mil para 9 mil litros por segundo. Além disso, a Sabesp também fechou o cerco às indústrias que jogavam poluentes nos rios.

Durante uma visita dos técnicos do BID ao Brasil, em 1999, o Projeto Tietê ganhou o título de programa de saneamento mais bem gerenciado do mundo. O êxito da primeira fase credenciou o governo do estado a negociar um novo financiamento com o banco, que liberou mais R$ 600 milhões (US$ 200 milhões). Com outros R$ 600 milhões em recursos investidos pela Sabesp, em parceria com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a segunda etapa do programa começou em maio de 2002 e deve estar concluída no final de 2005.

"Agora que as ETEs já têm capacidade para tratar um grande volume de esgoto, estamos dando prioridade à construção de tubulações que liguem as casas às estações de tratamento", explica Marcelo Rampone, coordenador do Projeto Tietê, da Sabesp. No total, serão feitas 290 mil ligações domiciliares e construídos sob a terra 1,4 mil quilômetros de redes coletoras. Depois de concluídas essas obras, a Sabesp estima que outros 300 milhões de litros de esgoto deixarão de ser despejados nos rios todos os dias. O índice de coleta de esgoto passará de 80% para 84%, e o de tratamento, de 62% para 70%.

Embora não façam parte do projeto de despoluição e visem conter as enchentes na cidade, as obras de aprofundamento da calha do Tietê também estão trazendo benefícios ao velho Anhembi. Até o final de 2005, serão retirados 6 milhões de metros cúbicos de sedimentos e cerca de 110 mil pneus do fundo do rio.

O trabalho, que começou em 1998 e conta com recursos do Japan Bank International Cooperation (JBIC), deve estar pronto no final de 2005. A partir de então, todo o trecho de 41 quilômetros compreendido entre a barragem da Penha, na zona leste da capital, e a Edgard de Sousa, em Santana de Parnaíba, terá sua calha ampliada para uma profundidade mínima de 2,5 metros. Atualmente, cerca de 80% da obra está concluída. Já as margens estão recebendo uma cobertura de concreto, para evitar o assoreamento. "Ou seja, o Tietê apresenta hoje condições de navegabilidade em praticamente toda a região metropolitana de São Paulo", diz Rui Cláudio Carvalho, do Departamento de Águas e Energia Elétrica, que faz parte da Secretaria de Energia, Recursos Hídricos e Saneamento do governo do estado.

Os paulistanos já estão usufruindo os benefícios da obra: há mais de dois anos não há enchentes no rio. Já os resultados obtidos pela Sabesp só são percebidos em cidades banhadas pelo Tietê depois de São Paulo. "A extensão em que o rio se encontra morto já sofreu uma redução de 80 quilômetros, e cidades como Porto Feliz, Itu e Salto estão vendo os peixes voltarem às águas", afirma Rampone. Entretanto, segundo o relatório da Cetesb, a mudança ainda não pode ser estatisticamente comprovada. "Na visão da Cetesb, essa melhora ainda não fica evidente", contesta Bevilacqua.

Na opinião do coordenador do Projeto Tietê, o maior desafio agora é diminuir o despejo dos dejetos que vêm das casas. "Com a poluição industrial controlada, o esgoto doméstico é o grande vilão da história, pois sua contaminação é muito dispersa", explica ele. "Se conseguirmos controlá-la, a vida vai voltar ao Tietê."

Projeto de longo prazo

Por mais que seja majoritária, a poluição orgânica dos esgotos não é a única presente no Tietê. Cargas difusas, carregadas pelas águas das chuvas, metais pesados e inseticidas também contaminam a água. "O combate a esses poluentes é um trabalho secundário mas importante", alerta o professor Almeida Rocha.

De acordo com o engenheiro Bevilacqua, a principal preocupação da Cetesb hoje é um componente mineral presente em 85% das amostras coletadas: o fósforo. Encontrado nos dejetos humanos (urina e fezes) e também nos detergentes em pó, ele acelera um processo biológico conhecido como eutroficação. O aumento do material orgânico lançado nas águas oferece condições para que as cianobactérias (algas azuis) se reproduzam de maneira exagerada. "Isso, além de diminuir a taxa de oxigênio dissolvido, faz com que um reservatório tenha sua vida útil encurtada", alerta o gerente da Divisão de Qualidade de Águas da Cetesb. Segundo ele, a presença de fósforo tem um outro agravante: o tratamento desse componente é caro e precisa ser feito separadamente.

A Cetesb destaca ainda outros três tipos de poluentes presentes em quantidades significativas no Tietê: os metais pesados (chumbo, cobre, zinco, etc.), lançados na água pelas indústrias, o DDT (tipo de inseticida que hoje tem sua utilização proibida) e os PCBs (substâncias cujo uso também não é mais permitido, mas que estão presentes em transformadores e capacitores fabricados antes da legislação que os baniu, em 1981).

A análise dos sedimentos da bacia do Alto Tietê também aponta contaminação. Uma das substâncias tóxicas presentes é o chumbo tetraetila, utilizado na composição da gasolina na década de 80, e até hoje encontrado no leito do Tietê e de seus afluentes. De acordo com a Cetesb, os dois locais que enfrentam a situação mais crítica são os reservatórios de Pirapora e Rasgão, que recebem toda a carga poluidora da região metropolitana. "Nos outros pontos, a contaminação dos sedimentos merece atenção e precisa ser monitorada, mas não chega a ser alarmante", garante Bevilacqua.

A despoluição do Tietê é um projeto de longo prazo e, para que seus objetivos sejam alcançados, é necessário o empenho de sucessivas gestões de governo e uma cobrança constante da sociedade. "Também é preciso fazer um amplo trabalho de conscientização da população", salienta Mário Mantovani. Para os especialistas, é difícil estimar quando o rio poderá abrigar novamente vida aquática. Marcelo Rampone acredita que ele terá condições para a prática de atividades náuticas e esportivas daqui a dez anos.

"Já posso vislumbrar os barcos de passeio carregados de famílias navegando pelo Tietê", anima-se Marco Antônio Castello Branco, secretário de Turismo do estado, que, recentemente, convidou um grupo de jornalistas para um passeio de barco pelo rio dentro da capital paulista. "Quero mostrar à sociedade que ele pode ser explorado economicamente", diz. Mas, para o diretor da Fundação SOS Mata Atlântica, o Tietê não irá se recuperar: "Nunca mais o teremos para nadar. A despoluição trará apenas mudanças para a qualidade de vida da população, como a diminuição de doenças. Mas o rio sempre estará em uma situação ruim", diz Mantovani.

Por mais que as perspectivas sobre o futuro do mais importante rio de São Paulo sejam divergentes, uma coisa é certa: ele nunca voltará a ser como antes. Seus meandros, que foram decepados pelas infindáveis obras de retificação do leito, não voltarão a existir. Suas margens, que estão recebendo cobertura de concreto, não irão mais abrigar a flora dos tempos das bandeiras. "Agora, precisamos entender o rio dentro do contexto urbano de São Paulo, para, aí, sim, pensar em melhorias", defende o professor Almeida Rocha.

Para o jornalista Nicolini, que por muitos anos cobriu regatas e provas de natação no Tietê para o jornal "Gazeta Esportiva", presenciar a degradação do Tietê foi um processo lento e dolorido, semelhante a envelhecer. "Cada dia eu via que ele morria um pouco. Mas o grande impacto ocorreu quando a ‘Gazeta’ suspendeu a travessia de São Paulo a nado, em 1944." No auge dos seus 78 anos, ele reflete: "A história não volta, fica apenas na memória das pessoas que, como eu, já nadaram no Tietê. Mas, mesmo hoje, retificado, cortando uma cidade como São Paulo, ele pode voltar a ter vida e beleza. E espero viver para ver". 


O exemplo do Tâmisa

O Tâmisa, na Inglaterra, hoje um dos cartões-postais de Londres, é a grande prova de que um rio poluído pode voltar a ter vida, mesmo atravessando uma metrópole. Suas águas, que no século 19 exalavam um cheiro tão insuportável que algumas sessões do Parlamento tiveram de ser suspensas, hoje são cenário de pescarias, passeios de barco, prática de esportes e de turismo.

A poluição do Tâmisa vem de longa data. Em 1610, a água deixou de ser potável e, no final do século 19, ele foi declarado morto. Para tentar reverter a situação, o governo construiu em Londres, no início do século 20, um sistema de captação de esgotos e, com isso, o rio se recuperou por alguns anos. No entanto, como os dejetos não eram tratados, mas apenas coletados e lançados mais adiante no próprio curso, o Tâmisa não resistiu por muito tempo e, em 1950, foi novamente declarado morto.

Dessa vez, os ingleses investiram em uma solução definitiva, que custou US$ 20 bilhões, aplicados ao longo de 20 anos. Ainda na década de 1950, foram construídas as primeiras estações de tratamento. O governo também promoveu uma ampla campanha de conscientização da população, para ensinar aos cidadãos que o rio não era lugar de jogar lixo ou esgoto. Na década de 1970, os peixes voltaram a viver no Tâmisa. Hoje, suas águas abrigam 121 espécies diferentes.

O rio atualmente é gerenciado pela Thames21, uma organização composta, entre outros, pela Agência do Meio Ambiente do governo, pela Autoridade do Porto de Londres e por representantes da sociedade civil. A entidade zela pela qualidade da água, aplica o dinheiro arrecadado com impostos em projetos sociais e educacionais ligados ao rio e realiza uma limpeza anual do fundo. Mesmo com tanto cuidado, todos os anos ainda são retiradas do leito do Tâmisa cerca de mil toneladas de lixo.

 

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