por Regina Célia Pedroso
A professora de História e pesquisadora da USP Regina Célia Pedroso falou, em encontro com o Conselho Editorial da Revista E, sobre a situação da mulher no sistema penitenciário paulista, dos motivos que levam a mulher a cometer crimes e da perigosa situação a que estão expostos muitos jovens. A seguir, os principais trechos.

Beco sem saída "A criminalidade feminina, assim como a masculina, muda de acordo com o período e com a sociedade; o perfil do criminoso muda. E o da mulher sofreu alterações importantes nos últimos dez anos. A mulher, que antes era presa por infanticídio ou até mesmo por furto ou homicídio, hoje está sendo presa por tráfico de drogas, que é considerado pela mídia um crime masculino. Hoje, nos presídios de São Paulo, 53% das mulheres foram condenadas por tráfico de drogas. É um número muito alto se comparado ao número de homens, que está em torno de 17%. Os pesquisadores se indagam por que o homem, que na realidade está mais envolvido com a criminalidade da droga, não é preso ou condenado, enquanto a mulher tem um número altíssimo dentro do sistema. O que nós podemos fazer é tentar levantar hipóteses para essa questão. Por exemplo: a mulher é, digamos, mais vítima no ato da prisão. Ou seja, quando ela é abordada pela polícia, por ser mais 'desprotegida', inclusive financeiramente, ela não consegue 'comprar' a sua liberdade ou fazer acordos com o policial. Logo, ela é presa e sofre todo o processo, sendo condenada. Além disso, há o fato de que, no ato da prisão, o homem passa a droga para a mulher e acaba fazendo com que ela seja presa em seu lugar. Por essas e por outras razões, esse crime, hoje, está sendo visto como um grande problema ligado à mulher e, por conseqüência, até à formação das famílias em São Paulo. Muitas vezes, essa mulher que é presa acaba deixando os filhos abandonados - e quase todas têm filhos. Muitas crianças acabam indo para a Febem em decorrência disso. Outro ponto é que é a mulher quem sustentava a família. Ela entra na droga inclusive para isso, sendo levada ao crime por um companheiro ou amigo. Ou seja, a mulher não entra por livre e espontânea vontade; o próprio universo da pobreza e das necessidades pessoais acaba conduzindo-a, claro, que com a ajuda de alguém."
Por que o tráfico de drogas? "O tráfico é um crime rápido, o dinheiro vem rápido. A mulher faz um avião (nome que se dá à pessoa que leva a droga de um lugar para outro) e o dinheiro vem fácil, ela ganha semanalmente por esse tipo de trabalho. O tráfico de drogas, hoje, é um crime de ordem social e econômica. Pesquisas realizadas no Rio de Janeiro estimam que cerca de 100 mil pessoas trabalham diretamente no tráfico. Ou seja, é uma empresa, um modelo econômico novo. Não é visto pelos sociólogos como um crime de ordem emocional ou mesmo premeditado. A própria situação econômica do País acaba levando o indivíduo desprovido de qualquer inserção nessa sociedade a ingressar nessa 'empresa'. É muito fácil."
Superexposição ao crime "A justiça proíbe o jovem menor de 16 anos de trabalhar, a não ser que ele seja aprendiz numa empresa reconhecida pelo Ministério do Trabalho. Esse jovem pode ser aprendiz de marceneiro, sapateiro, etc. Mas isso não interessa a eles. Daí ele entra no tráfico, onde a rentabilidade é muito maior do que entregar pizza ou trabalhar numa marcenaria. O agravante está no fato de que, hoje, as pessoas, frente à sociedade de consumo de massa, não estão mais preocupadas com uma formação educacional tradicional - mesmo porque esse tipo de educação não te conduz necessariamente ao sucesso. E isso mudou o perfil da mentalidade em relação ao crime. O sucesso é entendido como materialismo - ter carro, casa, etc. Ora, parece óbvio que o tráfico se torne tão atraente para uma pessoa desprovida de qualquer recurso. Afinal, trata-se de um 'emprego' com rentabilidade alta e de funções muito simples. Além de que essa pessoa provavelmente não tem condições sociais que a levem a cursar uma universidade - nós bem sabemos que apenas 6% da população brasileira consegue chegar aos cursos de formação superior. Dessa forma se desclassifica todo um universo de indivíduos que até tem potencial, mas cuja própria estrutura social, aliada à violência e à agressividade da região onde ele vive, o acaba induzindo. O jovem, inclusive, vê esse caminho até como natural. Isso sem considerar que o crime, de certa forma, torna o indivíduo um herói. É o jovem com sua AR15 defendendo seu posto e o local onde ele vive. O inimigo? A polícia."
Preconceito policial "Não existe perfil de quem é criminoso, existe perfil de quem é preso. Todo mundo pode cometer crimes e infrações, todas as classes sociais, inclusive. O que ocorre é que a legislação vitima as camadas pobres, e os crimes nessas camadas, por excelência, são homicídios, porque se mata mais nas periferias, por desentendimento. Um latrocínio (roubo seguido de morte) na avenida Paulista, tendo como vítima alguém de classe média num carro importado, é, acreditem, raridade. Só que quando ocorre, o fato vira objeto da mídia, que vai explorá-lo de forma demasiada, criando amedrontamento nas camadas médias e altas das grandes cidades. São Paulo é reflexo disso. O que as pessoas não se dão conta é de que homicídios acontecem diariamente em lugares como Jardim Ângela, Cidade Tiradentes e Jardim Peri Peri, para citar alguns poucos exemplos. São nesses locais que ocorrem as chacinas. De 40 pessoas que morrem num final de semana em São Paulo, 39 são da periferia. Quando se divulga que morrem por ano no Brasil 40 mil pessoas (segundo números da ONU, que apontam o Brasil como um país em guerra civil), esse dado choca, é claro, mas se esquece de trabalhar o perfil desses 40 mil mortos: onde eles moravam e quem eram eles. Esse número cria, evidentemente, pânico entre as pessoas. É a cultura do medo. E isso, associado a algo que está muito em voga hoje em dia, que são os programas de televisão que acabam exacerbando ainda mais esse perfil da criminalidade, faz com que o indivíduo tenha cada vez mais medo. Sem contar que o perfil que é passado do criminoso nesses programas é sempre do indivíduo mulato ou negro, muito mal vestido, muito pobre e que geralmente fala tão mal que não consegue sequer se pronunciar. Isso cria também um estereótipo errado de quem é o criminoso, associando sempre o crime à população pobre. É o caso, por exemplo, daquele dentista negro que foi morto pela polícia recentemente em São Paulo. Essa é a visão convencional da polícia: associar o crime a indivíduos negros ou a pessoas de baixa renda."
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