Sesc SP

Matérias da edição

Postado em

Literatura
Contador de histórias

O jornalista Fernando Morais fala de como se tornou escritor profissional, de sua experiência em disputas eleitorais e das histórias de seus livros

Convidado do projeto Terceiras Terças, do Sesc Santos, o escritor Fernando Morais aproveitou para rever antigos amigos - "a cada minuto aparece um novo", celebrou -, mas principalmente proporcionou ao público presente conhecer um pouco da história do jornalismo brasileiro. O mineiro de 57 anos, nascido em Mariana, testemunhou a criação do Jornal da Tarde, junto com Mino Carta, e trabalhou em alguns dos veículos mais importantes da imprensa escrita do País, passando pela Folha de S. Paulo e ocupando o cargo de editor na revista Veja. Além das funções jornalísticas, caiu em tentação - como ele mesmo define - pela política, elegendo-se deputado estadual pelo antigo MDB e pelo PMDB, sendo depois secretário de Educação e de Cultura do Governo do Estado de São Paulo e, mais recentemente, candidato a governador. Mas as letras o atraíram mais que os votos. Hoje, exerce exclusivamente o ofício de escritor, porém sem nunca abandonar o "vício" de repórter. São dele registros definitivos como Chatô, megabiografia de Assis Chateaubriand; A Ilha, uma série de reportagens sobre a Cuba de Fidel; e Olga, sobre mulher do líder comunista Luis Carlos Prestes - entre outros títulos. No encontro do Sesc Santos, Fernando Morais agradeceu ao público por estar lá falando de livros, em vez de se encontrar em casa hipnotizado pela novela das oito. A seguir, os principais trechos:

Jornalismo e política
"Trabalho desde os 13 anos; comecei como office-boy em uma redação de revista em Belo Horizonte, depois consegui virar repórter. Fiquei mais um tempo em BH e, em 1965, a família Mesquita (proprietária do jornal O Estado de S. Paulo) resolveu lançar uma publicação vespertina e lançou o Jornal da Tarde. Convidou o Mino Carta e Murilo Felisberto para montarem o jornal, e foi uma das mais saborosas experiências jornalísticas que já vivi em toda a minha vida; foi o auge do JT. Lá fiquei nove anos, depois deixei o jornal e trabalhei em mais alguns lugares, na Folha de S. Paulo, na Veja, onde fui editor durante alguns anos. Em 1978 me elegi deputado estadual pela primeira vez, pelo MDB, e me reelegi em 1982 pelo PMDB. Fui candidato a constituinte na eleição de 1986 e perdi vergonhosamente, tive uma miséria de votos - felizmente, em boa hora -, fui secretário da Cultura do Estado de 1988 a 1991 e secretário de Educação do Estado de 1991 a 1993, quando me desentendi com o governador, na época Luiz Antônio Fleury, por razões exclusivamente de trabalho, pedi demissão e achei que já estava vacinado contra esse negócio. Mas caí em tentação novamente dois anos depois, ao aceitar um convite do PMDB para ser candidato ao governo de São Paulo. Aceitei de boa fé, mas depois descobri que eu era 'café com leite', como dizem, tratava-se de uma brincadeira. Na hora de fazer o programa de televisão, soube pelo presidente do partido, o candidato a senador na época, Orestes Quércia, que os cinco minutos diários que eu tinha direito por lei iam ser utilizados por ele, que já tinha seu minuto e meio e mais outro minuto e meio de um segundo candidato ao Senado que o partido não lançou. Eu não entendi que conversa era aquela, disse que não topava, que aquilo era uma molecagem, retirei minha candidatura e denunciei o acontecido em carta enviada ao TRE (Tribunal Regional Eleitoral). Mas acho que agora estou finalmente vacinado. Marta Suplicy me chamou para ser secretário de Educação, e eu recusei."

Viver de livros
"Minha vida como autor de livros começou em 1970, quando eu publiquei uma série de reportagens no JT sobre a construção da rodovia Transamazônica. A série ganhara o Prêmio Esso de Jornalismo e o falecido Caio Graco, da Editora Brasiliense, decidiu lançá-la em livro, acabou sendo o meu primeiro - escrito, inclusive, a quatro mãos, junto com outro repórter. Cinco anos depois eu publiquei A Ilha, uma reportagem sobre Cuba, e comecei a perceber que havia uma certa confluência de fatores no Brasil que talvez já permitisse a alguém viver exclusivamente de livros. Era o seguinte: a ditadura estava acabando, portanto, estava surgindo uma geração que não tinha ainda ouvido falar de nada - absolutamente nada, nem futebol, nem música, coisa alguma - e, junto a isso, o nível de leitura no Brasil tinha melhorado razoavelmente. Não era - e está anos luz de ser - ideal, mas já havia um mercado livreiro e eu percebia isso até pela minha própria experiência de ter vendido 400 mil exemplares de A Ilha. Enfim, achei que dava para me dedicar exclusivamente a escrever livros e, de fato, deu. Era o que eu já fazia em jornalismo, só que sem as limitações de espaço físico e de tempo, para pesquisa, investigação, apuração e escrita. O livro permitia que eu usasse a minha experiência de uma maneira muito mais livre. Assim sendo, eu já escrevi Olga pensando em, de fato, escrever um livro. Afinal, A Ilha, na verdade, tinha sido pensado originalmente para ser uma série de reportagens.
Só que naquela época não existia absolutamente nada dos mecanismos de incentivos existentes hoje, como financiamento, bolsa, leis de incentivo cultural e coisas assim. Logo, eu tinha de tirar dinheiro do meu bolso para fazer as viagens, as entrevistas, etc. Enfim, era um investimento que eu estava fazendo. Eu me lembro que aproveitava viagens profissionais que eu fazia. Por exemplo, certa vez eu recebi um convite do governo dos EUA para participar de um seminário em Washington, e aproveitei a passagem e mais as diárias de hotel que ganhei e fiquei todo o tempo disponível enterrado no arquivo nacional trabalhando para o meu projeto de livro."

Trabalhos recentes
"Depois de Olga tem um buraco que corresponde ao período em que fui para a Secretaria de Cultura e depois de Educação. Quando saí do governo, eu já estava com a pesquisa para o Chatô pronta, e o livro pronto para ser escrito. Fiquei um ano trancado dentro do escritório, 365 dias, manhã, tarde e noite, e no final entreguei o tijolo ao editor. Depois de Chatô, fiz o Corações Sujos, uma história extremamente interessante que eu tinha imaginado como uma parte de um livro imenso sobre a história do século 20 no Brasil. Só que me encantei tanto com ela que pensei que seria um desperdício transformá-la apenas num capítulo. Conversei com o editor e descobri que já tinha um livro inteiro pronto. Mais recentemente, meu editor decidiu lançar o Cem Quilos de Ouro, uma coletânea de doze reportagens escritas por mim ao longo dos últimos trinta anos, de 1970 a 2000. E eu decidi, por sugestão do próprio editor, anteceder cada reportagem com um texto contando como ela foi feita, porque foi feita, em que circunstâncias, se foi idéia minha ou do dono do jornal, se eu fiz obrigado, se fiz espontaneamente, as dificuldades que tive, se tive algum tipo de hesitação ética e sobretudo por qual motivo eu a escrevi. É como aquilo que agora as pessoas chamam de making off, a história da história."