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Amor à cidade

por Benedito Lima de Toledo

A Casa da Bóia
"O principal problema que eu vejo em relação à cidade é que as pessoas não sabem usá-la. Às vezes, nós levamos os alunos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP para um passeio no centro e eles ficam perplexos com a beleza de alguns prédios, que eles não conheciam. Como, por exemplo, o da Rádio Record, na rua Direita, esquina com a rua Quintino Bocaiúva. Da mesma forma, vemos alguns bancos que conservam a estrutura original do edifício e descaracterizam sua fachada para fazer um curtain wall de alumínio. Recurso que sequer os supermercados fazem mais. É a chamada modernização deteriorante. Há um trecho próximo do Pátio do Colégio que, se for fotografado e não houver nenhum carro parado nas proximidades, irá parecer uma volta no tempo.
Contudo, vale dizer que não são somente os edifícios monumentais que merecem consideração. A Casa da Bóia, por exemplo, poucos conhecem. Mas seus proprietários são muito gentis, contam toda a história do lugar e criaram, até, um pequeno museu muito curioso no andar de cima. Foram descobertas pinturas parietais, enfim, uma coisa no centro da cidade à nossa disposição. E se olharmos a rua Santa Ifigênia, tanto quanto a Florêncio de Abreu, veremos casas interessantíssimas. Só que elas estão recobertas por aquela publicidade de mau gosto."

Sem M em Paris
"Alguém já viu o M do McDonald's em Paris? Não. Pois lá há sim McDonald's, porém eles têm de se conformar com as regras da cidade. Há um M pequeno na entrada. Ou seja, nós somos muito permissivos. Todo esse espaço público nos acaba sendo sonegado. Praticamente não enxergamos essa arquitetura. A cidade de São Paulo não se oferece imediatamente. Ela não é uma cidade fácil. Mas tem de ser descodificada (eu não digo decodificada porque não me submeto à linguagem dos computadores). Nós temos de atingir os pontos de interesse."

Eu não sou passadista
"Há pessoas que ao ouvir falar de história da arquitetura já começa com a famosa expressão 'bons tempos aqueles...'. E os espectadores têm de estar dispostas a ouvir meia hora de 'bons tempos'. Sempre falo que bons tempos são esses nossos, os únicos que nós temos. O passado passou e o futuro a Deus pertence. Ou seja, nós temos de fazer a cada dia um esforço para a melhoria da nossa qualidade de vida, que é, ao mesmo tempo, melhoria para a nossa população. "

Obras de arte
"Nós temos dois viadutos em pleno Vale do Anhangabaú, o Santa Efigênia e o Viaduto do Chá, que são de muito boa qualidade em termos de projeto. Só que, por outro lado, a maioria dos projetos públicos da cidade é entregue às empreiteiras. E o que querem as empreiteiras? Faturamento. Quando você vai à Europa, observa construções belíssimas que parecem obras de arte, como os franceses tratam e sempre trataram suas pontes. Cada uma é mais bonita que a outra. E nós devíamos exigir do poder público que as obras públicas tivessem a qualidade que já tiveram em outros tempos."

Cidade para viver
"Como nós não temos transporte público de qualidade, o transporte individual começa determinar a ocupação dos espaços. Assim como foi um erro clamoroso o que fizeram na Praça Roosevelt. Este local nunca foi praça, era um descampado asfaltado. E quando pensaram em fazer alguma coisa para o público, fizeram um supermercado e um estacionamento. E dizem que os moradores acham bom a facilidade para comprar. Mas a sociedade de consumo não é o maior valor da cidade. O que nós queremos é que seja permitido às pessoas o desenvolvimento de suas faculdades. Locais onde os aposentados possam jogar dama, os namorados possam namorar e as mães possam passear com as crianças. Enfim, locais para a vida. E nós acabamos nos encolhendo, e a vida atualmente em São Paulo está se recolhendo para os shopping centers, locais onde se vê sujeitos com três metros de altura, com intercomunicadores e olhando feio para todo mundo, mas só assim as pessoas se sentem seguras."

La piazza
"Nós temos que reconquistar a ágora (praça das antigas cidades gregas, na qual se fazia o mercado e onde se reuniam, muitas vezes, as assembléias do povo) que aprendemos na escola de arquitetura. Ágora, a piazza (praça em italiano), o local de convívio, onde se pode encontrar pessoas e ver o que a cidade tem de bom."

Cidade de barro
"Quando começaram a demolir as igrejas de São Paulo, a Cúria recolheu todas as obras que pudessem ser consideradas obras de arte. E constituíu o Museu da Cúria, depois transformado no Museu de Arte Sacra. O Museu está instalado num prédio que, hoje, é o último na cidade de São Paulo feito inteiramente em taipa de pilão e que sobreviveu miraculosamente. Isso numa cidade que foi inteiramente feita em taipa de pilão."