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Artigos exclusivos debatem a importância das megaexposições


"É claro que se for preciso optar entre esta exposição de Michelangelo como está e nada, só se pode ser a favor, mas isso é uma chantagem."
Luiz Paulo Baravelli

A pipoca é grande contribuição americana para a culinária mundial. A partir de muito pouco, com grande barulho, eles nos ensinam a fazer um balde de nada, de valor nutritivo quase nulo e muito colesterol. Mas esse artigo é a respeito das megaexposições de arte, que estão ficando habituais entre nós. Que tipo de utilidade teriam?

Imagine a seguinte cena: como nas últimas duas semanas, com seu cavalete e seu chapéu, no mesmo lugar, um artista tentando pintar pela enésima vez a luz e o reflexo que a água tem ali. Até que depois de muitas tentativas, consegue algo bom e fica, de mãos na cintura, olhando, satisfeito. O que ele consideraria o público ideal? Alguém que tivesse acompanhado de longe e em silêncio o processo inteiro durante todos esses dias e agora, vendo o resultado, chegue ao lado dele, sorria e diga: "Que bom, parece que agora foi." E vá buscar meia garrafa de vinho e dois copos. Esse é todo público que um artista quer.

O problema realmente começou com os americanos. Quando se lia uma revista de arte americana em, digamos, 1965, uma exposição era chamada de "exhibition". Lentamente o nome foi mudando e hoje é normal a revista ser chamado de "show". E o conceito de exposição de arte foi mudando de acordo. Mais ou menos até na mesma época, uma exposição como a Bienal era uma coletânea de desenhos, pinturas e esculturas que os artistas tinham feito em seus ateliês nos últimos dois anos. A noção de "show" era a de um espetáculo frouxo, monótono, simplesmente umas paredes brancas com fileiras de quadros. Com seu talento para entreter as massas, os americanos começaram a incrementar a coisa. Primeiro inventaram temas, como um motivo para que todos os trabalhos funcionassem em conjunto, mesmo que tivessem sido feitos separadamente e por artistas que às vezes nem se conheciam. E, depois, iluminação especial, paredes coloridas, espaços calculados para causar impacto. E um catálogo lustroso, cheio de fotos e palavras difíceis. Em seguida publicidade maciça.

Quando um artista pinta um quadro, esse é um investimento pequeno o suficiente para que ele seja o próprio financiador. Depois de reunir um número razoável de quadros, trata com uma galeria para fazer uma exposição. As pessoas vão lá e vêem. Mas parece que isso não basta. Se a mostra vira um espetáculo grande, onde a montagem e o "show" são o mais importante, aparecem curadores, cenógrafos, iluminadores, arquitetos, montadores, a despesa cresce, é preciso mais dinheiro e vem a figura do patrocinador, que vai financiar a produção em troca de publicidade. E aí surgem os artistas gráficos, publicitários marqueteiros, divulgadores e intermediários de todo o tipo. Uma exposição grande gasta hoje vários milhões de dólares para sair do chão, mesmo que o assunto (como no caso do Michelangelo) sejam vinte folhas pequenas de papel. Imaginar que alguém que venha da Itália possa passar na Casa Buonarotti, pôr os 20 desenhos em uma pasta de mão, trazer no avião e, chegando aqui, colocá-los nos painéis que o museu já tem (custo: zero) é impensável. Como toda essa gente que faz exposição vai ganhar a vida? É impensável, é antiamericano, como ir escutar a Madonna cantar no barzinho da esquina, sem microfone, com um banquinho e um violão.

É claro que se for preciso optar entre esta exposição do Michelangelo como está e nada, só se pode ser a favor, mas isso é uma espécie de chantagem. Na falta de tomar com calma o bom vinho, sentado à sombra, na tarde de Giverny, comemos pipoca em pé, na fila, vítimas de publicitários e curadores ávidos. Melhor que nada.

Luiz Paulo Baravelli é artista plástico


"Ao montar uma exposição de Rodin ou Monet, oferece-se à população de São Paulo a possibilidade de uma aproximação com o que de melhor existe em termos de arte no mundo."
Marcos Mendonça

Rodin, Monet, Maillol, Camille Claudel. Megaexposições que receberam e continuam a receber milhares de visitantes, num movimento nunca antes visto em nosso Estado, em nosso País. Mais de 150 mil pessoas, na Pinacoteca do Estado, viram Rodin. A mostra de Monet foi vista, entre São Paulo e Rio de Janeiro, por mais de 500 mil pessoas, e o novo Pavilhão das Artes no Parque do Ibirapuera recebe diariamente centenas de visitantes que se deslumbram com as esculturas de Camille Claudel.

Esses números por si só já mostram os caminhos que essas exposições abriram para paulistas e paulistanos, mas tornam-se ainda mais importantes quando se verifica o imenso contingente de estudantes de primeiro e segundo graus de escolas de todo o Estado que visitam essas mostras, acompanhados por monitores especializados.

A mostra Michelangelo, atualmente no Masp, espera 40 mil jovens alunos. A exposição de Rodin, na Pinacoteca do Estado, em dois meses levou mais de 85 mil estudantes àquele museu; a mostra de Maillol, mais de 25 mil alunos. Outros 15 mil estudantes foram ver as obras de Niki Saint Phale.

Mas, apesar do inédito afluxo público e do sucesso das exposições, por vezes surgem questionamentos quanto à validade da vinda de exposições internacionais e quais os resultados ou benefícios culturais de montagens desse porte.

É importante lembrar, especialmente para os críticos que falam apenas em "projetos para mídia", a importância de se chamar a atenção da sociedade, de despertar seu interesse para as oportunidades da fruição do bem cultural. Melhor ainda quando esse bem possui a qualidade de um Monet, de uma Camille Claudel.pEstamos com isso estendendo o conhecimento à comunidade, sensibilizando a nossa população para a percepção de algo que antes parecia inatingível e abrindo a segmentos cada vez maiores os benefícios culturais.

Evidente que essas práticas se embasam num trabalho de fôlego no que se refere à formação cultural, presente em propostas como as oficinas culturais que recebem centenas de pessoas em seus workshops, especialmente quando versam sobre as obras expostas nas mostras da Pinacoteca ou sobre a última Bienal Internacional, como aconteceu no ano passado. Isso sem falar dos passeios culturais que - num trabalho em parceria com o Sesc e a Secretaria de Estado da Cultura - já trouxeram, em menos de um mês, mais de 2.500 pessoas entre idosos e estudantes do interior para conhecer o acervo de nossos museus.

Ao abrir mostras internacionais de alta qualidade ao público de nosso Estado, nada mais estamos fazendo que lhe oferecer o direito de usufruir de bens culturais de qualidade, criando condições e locais para que o exercício desse direito à cultura se realize. Prova disso está no Pavilhão de Artes Manoel da Nóbrega, antiga sede da Prefeitura de São Paulo, transformada pelo governo do Estado em um dos mais espetaculares espaços culturais de nosso Estado.

Ao montar uma exposição de Rodin, de Maillol ou de Monet, oferece-se à população de São Paulo a possibilidade de uma aproximação com o que de melhor existe em termos de arte no mundo, para que possa conhecer, refletir e usufruir desses bens culturais, garantindo-lhe o acesso à magia, ao encantamento que só a cultura propicia.

É consenso que o nível cultural é um dos fatores determinantes do potencial das nações e, num mundo globalizado, as atividades culturais assumem papel fundamental na capacitação dos povos. Na verdade, a disseminação de informações e a quebra de fronteiras tornam cada vez mais importante que as populações passem a conviver com novas realidades, que as ações não levem em conta apenas os limites do território nacional.

Estamos falando em difundir cultura numa das mais importantes cidades do mundo e por isso mesmo temos obrigação de oferecer à nossa população o que de melhor existe em termos de arte.

Marcos Mendonça é secretário de Estado da Cultura


"Esses eventos forneceram um background para o público brasileiro que hoje julga com severidade momentos que preenchem favoravelmente todas as expectativas."
Nelson Aguillar

Sem exposições de grandes mestres e sem obras de alta qualidade, não há condições de se formar um público exigente. Essa função no Brasil coube inicialmente aos museus fundados no final dos anos 40 e, sobretudo, ao Museu de Arte de São Paulo, dirigido pelo prof. Pietro Maria Bardi, respaldado pelo proprietário dos Diários Associados, o jornalista Assis Chateaubriand. Esse papel seria desempenhado também por Ciccillo Matarazzo, já nos anos 50, que soube convencer os poderes públicos acerca da oportunidade da realização das bienais, sob a orientação de grandes críticos como Sérgio Milliet, Lourival Gomes Machado, Mário Pedrosa, entre outros.

Nas décadas de 60 e 80, escassearam-se as grandes mostras para retornarem em peso nos anos 90 com a 22ª e 23ª bienais de São Paulo e com as exibições de Rodin e Maillol, além da produção do Brasil dos Viajantes. Esses eventos forneceram um background para o público brasileiro que hoje julga com severidade momentos que não preenchem favoravelmente todas as expectativas. Saímos da época em que o crítico de arte poderia lançar um anátema sobre um acontecimento cultural de grandes proporções sem sinalizar seu bloqueio diante da formação de um novo público. Pede-se atualmente investimentos em eventos que reúnam um corpus de obras-primas e um grupo de conhecimentos capazes de refletir adequadamente sobre a qualidade das obras apresentadas.

Quando o artista suíço Paul Klee afirma que a arte não reproduz o visível, mas torna visível, quer dizer que todo o projeto social, político, econômico, científico, cultural adquire consistência pela manifestação da obra de arte. A arte não opera com determinações intencionais, lança uma franja de possibilidades que permite a livre escolha. Essa liberdade estética está na origem da cidadania, pois atinge o homem em sua capacidade relacional e dialógica. A vinda de uma exposição reitera a chegada de uma estação com cores, aromas, paladares, tatos, sons, atmosfera e significações. Cada um de nós beneficia-se de uma reavaliação no que somos pelo poder de espacialização que detém a obra de um grande artista. Cada sala da última Bienal respirava diferente. De maneira ativa, nas gravuras de Goya, aliciando os espectadores, conclamando militância, espalhando inconformismo. Repetia-se o milagre de Turner dentro da mais estrita contemporaneidade no ambiente desvendado por Cy Twombly, apto a apreender as mudanças climáticas, deixar o vento em movimento dentro do suporte aparentemente estático da tela. Em Picasso, ocorreu uma exposição monográfica elaborada para que o público pudesse acompanhar o mestre desde a juventude até a idade provecta a partir de telas do Museu Nacional de Arte Moderna do Centro Pompidou e de coleções particulares que nunca tinham sido contempladas por muitos como as duas tauromaquias. Munch, pioneiro do expressionismo, através de 39 telas entre as quais O Grito, desenvolveu sua arte de ambientes densos, essenciais para compreender a própria pintura brasileira em Goeldi ou Segal. Klee esteve presente desde os primórdios passando pela Bauhaus e atingindo a fase trágica e distante da maturidade. Acompanhei o compositor Pierre Boulez, autor de um estudo sobre o artista, que me confessou estar fascinado por não conhecer dois dos trabalhos exibidos. Isso para citar apenas alguns exemplos que poderiam se prolongar com Andy Warhol, Anish Kapoor, Arnulf Rainer, Gego, Jean-Michel Basquiat, Louise Bougeois, Mestre Didi, Pedro Figari, Qui Shi-Hua, Rubem Valentim, Tomie Ohtake e Winfredo Lam.

A experiência desenvolvida pela equipe de arte-educação com escolares e grupos autônomos enriqueceu os dois pólos da comunicação, emissor e receptor, num grau onde a natureza das questões evidenciava franca interação. As empresas envolvidas tiveram suas marcas prestigiadas. Desde que se apresente ao público exposições exigentes, desenhadas especialmente para a instituição que as está acolhendo, não se deve falar em resíduo cultural, mas em experiência existencial que vinca decisivamente a sensibilidade do visitante.

Nelson Aguillar é professor de História da Arte na Unicamp, curador geral da Bienal Brasil Século XX e da 22ª e 23ª Bienais Internacionais de São Paulo e da Exposição do V Centenário do Descobrimento do Brasil


"As grandes mostras ganham mais relevância ao colocar um maior número de espectadores em contato com os grandes acervos dos museus brasileiros, como o das coleções francesa e italiana do Masp."
Celso Fioravante

Mais de 400 mil pessoas visitaram a mostra do pintor impressionista Monet no Masp. Número semelhante passou pelos três andares do Pavilhão da Bienal na última edição do evento, no ano passado. De uma hora para outra, parece que as artes plásticas viraram paixão nacional, fenômeno de massa, atraindo a atenção do público e da mídia. Já nem causa mais estranhamento o fato de milhares de pessoas saírem de casa para ver arte, reproduzindo assim um fenômeno que até há pouco era circunscrito ao cotidiano europeu e americano.

Hoje, às vésperas do século 21, poucas barreiras ainda sobrevivem à globalização das informações. Mesmo quem não pode ir até Nova York, Londres ou Paris, tem a possibilidade de embarcar na Internet e visitar os acervos dos principais museus do mundo.

Mas embora ainda falte muito para o Brasil entrar no circuito internacional de artes plásticas, os primeiros passos já foram dados. A iniciativa privada deixou de ver as artes plásticas como uma manifestação cultural elitista (e passa a investir em eventos da área). Os grandes museus saíram da cômoda situação de guardadores de obras de arte e estabeleceram diálogos com outras entidades, na tentativa de viabilizar eventos. O público espectador percebeu os esforços e tem prestigiado os eventos. Mas se o espectador pode ir a museus como o Metropolitan, a Tate Gallery e o Louvre em poucos segundos, ainda falta muito tempo para o acervo desses museus chegarem ao Brasil. A mostra impressionista Monet (1840-1926), por exemplo, contava com apenas 23 telas do pintor francês, 21 delas realizadas no período em que viveu em Giverny (de 1883 a 1926) e provenientes do Museu Mormottan-Monet, em Paris, que não emprestou as obras mais significativas do artista. Mesmo assim, com pouco, conseguiu lotar os corredores do Museu Nacional de Belas Artes, no Rio, e no Masp, em São Paulo.

A mostra do artista renascentista Michelangelo (1475-1564), atualmente em cartaz no Masp, passa pelo mesmo problema. São apenas 19 desenhos e uma carta, sendo que alguns deles são menores que uma folha de bloco de anotações. A própria diretoria da Casa Buonarotti, Pina Ragionieri, que esteve no Brasil, deixou subentendido que os melhores desenhos continuavam bem-guardados em Florença, na Itália.

Nos dois casos, as mostras se tornaram "grandes" graças às exposições paralelas que foram organizadas para complementá-las. Com Monet vieram caricaturas, objetos e fotografias. Com Michelangelo, obras de seguidores e objetos de família.

Tudo começou há cerca de dois anos, em 1995, quando cerca de 150 mil pessoas visitaram a mostra do escultor francês Auguste Rodin (1840-1917) na Pinacoteca do Estado. Até então, ver uma fila na frente do prédio neoclássico de tijolos aparentes concebido pelo arquiteto Ramos de Azevedo era uma coisa inimaginável. "A exposição de Rodin serviu como exemplo de que existe um público ávido por esse tipo de experiência. Ela significou o começo de um novo tempo para a museologia brasileira", diz Emanuel Araújo, diretor da Pinacoteca, que já exibiu no ano passado as esculturas de Aristide Maillol (1861-1944) e, atualmente, organiza uma bela mostra da escultora francesa Camille Claudel (1864-1943). No ano que vem, em março, a Pinacoteca inaugura a mostra Emile-Antoine Boudelle (1861-1929) e encerra o ciclo de escultores franceses que influenciaram a escultura brasileira. Emanuel Araújo acredita que os museus brasileiros devam repensar suas atividades para receber esse público. "Museu não é depósito. Ele tem que desenvolver iniciativas para valorizar o conceito de cidadania", completou.

Os mais ranhetas podem até reclamar e dizer que o Brasil permanece periférico em relação às verdadeiras grandes mostras, como a de Cézanne, que reuniu mais de 300 obras do pintor e que viajou nos últimos anos pelos EUA e Europa. Isso porém não significa que as iniciativas sejam inválidas. As mostras internacionais valem sim, e muito, principalmente pela cobertura da mídia que recebem e pelo novo público consumidor da arte que vai se formando.

As grandes mostras ganham relevância ao colocar mais espectadores em contato com os grandes acervos dos museus brasileiros, como é o caso das coleções francesa e italiana do Masp e da coleção de arte brasileira da Pinacoteca.

Celso Fioravante é jornalista


"O Brasil é um país jovem e com o fenômeno da era do computador, ele pulou etapas culturais e está no mesmo nível dos países do primeiro mundo."
José Roberto Aguilar

A Bienal de São Paulo, a partir de suas salas especiais, descobriu um filão diferente no cenário nacional: multidões. Este fenômeno já tinha ocorrido coma a exposição de Rodin na Pinacoteca. A conhecida síndrome do Rei Tut, o jovem faraó. Eu fiquei horas para ver sua exposição em Londres de 1972. Mas também dormi uma noite nas ruas de Camdem Town para comprar ingresso para os Rolling Stones em 1970. Aí é compreensível. O Mick Jagger estava vivinho, mas o adolescente Tut tinha bem uns 3.000 anos. Ficou comprovado que charme é atemporal. As fofocas das bimbadas do Rodin com a Camille Claudel tiveram mais repercussão, durante sua exposição, do que as dos astros de televisão na revista Contigo.

O Brasil é um país jovem e com o fenômeno da era do computador, ele pulou etapas culturais e está no mesmo nível dos países do Primeiro Mundo. Qualquer exposição de sucesso em Nova York terá a mesma repercussão aqui. O artigo cultural se transformou numa merchandising de consumo. E, para melhor vendê-la, por que não os profissionais da área, os publicitários? A publicidade se tornou um parceiro no jogo das artes. Quais são os outros?

O tripé do sucesso está baseado: no presidente e sua capacidade de gerar fundos, no curador e na publicidade.

Quando um dos fatores acima mencionados sobrepuja o outro, a exposição desanda. Quando a publicidade é maior que a curadoria, vende-se gato por lebre. Quando o presidente é maior do que o curador, está criada a fogueira das vaidades em que o churrasco é a arte. Quando o curador é maior que os outros fatores, vê-se uma exposição de autoria onde o curador utiliza os artistas para ilustrar suas teorias. Quando falta publicidade, excelentes exposições só serão vi-sitadas por minorias antenadas. Alguns erros básicos são criados nesses enganos, como desfigurar a fachada de um museu para favorecer a publicidade do mesmo.

O sucesso de público, mesmo com a competência de curadoria e da publicidade, pode ser uma faca de dois gumes. Para se ter a compreensão do público e o respectivo sucesso da exposição é necessária uma linha de didática muito grande. Para uma exposição histórica é justo, mas exposições de arte contemporânea podem levar a uma rigidez e distanciamento do público com obras e artistas. O aspecto interatividade é esquecido. Na física quântica o expectador e o fenômeno interagem. Não existe mais o espectador absoluto. Montar exposições para espectador absoluto é uma chatice só. A sedução e o envolvimento da obra de arte com o expectador é o grande desafio.

Apesar de tudo, arrisca-se e ousa-se. Nunca vi São Paulo num período de arte rico e generoso como agora.

José Roberto Aguilar é diretor da Casa das Rosas


"Eventos culturais dependem, cada vez mais, para chegarem a existir, de uma boa divulgação pelos meios de comunicação, que acabam, assim, por serem decisivos na criação desses acontecimentos."
Elisa Maria Americano Saintive

É uma verdade por todos conhecida a influência exercida pela mídia em geral. E a mídia cultural, é evidente, também está incluída neste círculo de poder. Eventos culturais dependem, cada vez mais para chegarem a existir, de uma boa divulgação pelos meios de comunicação, que acabam, assim, por serem decisivos na criação desses acontecimentos. Eles criam, portanto, realidades. E nós podemos ver, ouvir, sentir essas realidades, no caso, artísticas ou culturais. Mas podemos levantar algumas considerações sobre o papel da mídia em determinadas circunstâncias. Tomemos, por exemplo, o que aconteceu em nossa cidade com a apresentação do Corpo de Baile do Ballet do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Vieram muitos e bons bailarinos. Francisco Timbó e Paulo Rodrigues integravam o elenco, além do prestigiado diretor artístico da companhia, Jean Yves Lormeau. Entre eles, estava a estrela Ana Botafogo, bem mais conhecida que os outros. A imprensa apoderou-se desse fato e colocou-a nas manchetes, tentando até entrevistá-la (e ela, apenas). Mas a diretora administrativa do teatro saiu em defesa dos outros integrantes do Corpo de Baile e de seu diretor artístico. Ana Botafogo era importante para o grupo, mas os outros também eram. Não havia propriamente um destaque óbvio entre eles. Seria, portanto, injustiça teimarem neste destaque individual...

Houve o espetáculo. E as manchetes salientavam: Ana Botafogo dança no palco do Sesc.

Quem foi ao teatro, evidentemente, viu muitos dançarinos dançarem. E ouviram a música. Perceberam, é lógico, que Ana Botafogo participou apenas de uma das partes do valoroso programa (e eram quatro!) que, sob o título de Coreógrafos Brasileiros, apresentava os trabalhos de Déborah Colker, Lia Rodrigues, Regina Miranda e George Balanchine. Viram os dançarinos e ouviram as músicas, logo fenômenos físicos que caracterizam a realidade; era a representação integral do fato. E aqueles que não foram? Leram no jornal aquela manchete e do mesmo modo que leram a pouco que Bill Clinton chegara ao Brasil - e era verdade - acreditaram que realmente Ana Botafogo teria sido a estrela principal e eminente do espetáculo. E um leitor mais imaginativo poderia inclusive "ver mentalmente" esse espetáculo protagonizado pela dançarina. Mas não seria isso que estamos chamando de realidade virtual? Não são as miragens visões virtuais?

A mídia cultural provoca, afinal, virtualidades culturais? E ainda uma comparação: o Ballet do Teatro Municipal do Rio de Janeiro mereceu um espaço de meia página no jornal, no dia que antecedia sua apresentação, enquanto a VI Bienal Nacional de Santos, evento culturalmente importante, só conseguiu um quarto de página (no mesmo dia e no mesmo jornal) no dia de sua inauguração.

Talvez seja a ocasião da mídia cultural criar realidades virtuais sobre a Bienal, para que, posteriormente, as representações desencadeadas pelos artigos "realizem" as virtualidades de nossa Bienal.

Elisa Maria Americano Saintive, licenciada em Educação Artística e gerente-adjunto do Sesc Santos