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Que saúde é essa?
Quando ingressei no Sesc, no final dos anos 1990, com poucos anos de formação em Odontologia, a curiosidade em entender a relação das ações desenvolvidas pela instituição com a saúde me motivou a continuar estudando e, ao longo do tempo, encontrar possíveis respostas para esse questionamento. Em diferentes momentos, eu me fazia as perguntas: “Por que um centro de lazer e cultura disponibiliza na sua estrutura uma clínica odontológica, além de oferecer em sua programação ações para a promoção da saúde e o bem-estar? De que forma as políticas institucionais do Sesc constroem essa relação entre saúde e cultura?”
Neste percurso, alguns sentidos foram sendo construídos e a percepção da importância das ações culturais para a promoção da saúde foi se tornando cada vez mais evidente. A partir destas inquietações, fui me deslocando, me guiando por um caminho baseado em um conceito ampliado de saúde, que ultrapassa aquele pautado na ausência de doença que por sua vez é baseado no modelo biomédico e curativista.
Nas práticas vividas no Sesc e em minha formação, cada vez mais, fui valorizando os determinantes socioculturais, as relações humanas e os modos de vida como processos constitutivos da saúde, com a lógica de um processo em construção, de produção permanente. Procurei colocar em prática ou estimular a realização de atividades que inspirassem as pessoas a produzir saúde como um processo vivo, indissociável das nossas relações e das nossas ações no mundo.
Há dois anos recebi o desafio de realizar uma pesquisa que estudasse o significado do trabalho da instituição na saúde. Partindo da hipótese de que a produção cultural vem participando das múltiplas estratégias de produção de saúde, de que Saúde e Cultura são bens materiais e imateriais, que só existem quando são compartilhados e se produzem a partir dos encontros com outros corpos – como já nos ensinava Spinoza - seguimos neste caminho para tentar entender a abrangência do trabalho realizado pelo Sesc.
Com o surgimento da pandemia, a proposta de estudo passou por adaptações temáticas e metodológicas para que pudéssemos responder aos desafios desse complexo cenário sócio sanitário e ao novo contexto de trabalho que vivenciamos. Como consequência, incorporamos a cultura digital ao centro das nossas preocupações sobre produção de saúde e as ferramentas virtuais passaram a ser nossos principais dispositivos para a produção de dados.
E assim, consolidou-se a pesquisa A reinvenção da vida e da saúde em tempos de pandemia – o lugar da cultura, construída em parceria com o Departamento de Medicina Preventiva da USP e com muitos parceiros e parceiras do próprio Sesc São Paulo, além de artistas colaboradores.
Hoje, percebo o quanto a própria experiência de construir e assimilar este conceito ampliado de saúde fortaleceu minha posição e meu desejo de afirmar que cultura não é somente um valor importante para a saúde, mas uma substância que compõe todo o processo de sua produção cotidiana, mesmo em um momento em que estejamos privados das possibilidades plenas de convivência, mediada pelas trocas de saberes e práticas.
Enfim, esperamos demonstrar que as experiências e práticas culturais e conviviais, tão caras para o Sesc e para a produção do bem-estar de todos nós, são uma oportunidade de acesso à diversidade de ações/experiências de lazer, esporte e cultura. E são igualmente o acesso a espaços de produção de saúde ou a experiências que produzem modos de viver comprometidos com a ampliação da saúde individual e coletiva de todos nós.
Essa saúde que estamos tratando aqui não pode ser única, estática e absoluta. Ela é diversa, plural e dinâmica.