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Entrevista com Cristina Amescua Chávez
CPF: Como surge a ideia do Patrimônio Cultural Imaterial no contexto dos países da América Latina?
Cristina: Acho necessário entender que, diferentemente de outras regiões do mundo, a América Latina comporta uma enorme diversidade de enfoques para trabalhar e entender a questão da cultura, dada a enorme diversidade cultural que caracteriza muitos dos nossos países. Essa diversidade cultural acarreta diferenças tanto na maneira de pensar as
culturas como na própria definição de cultura. Aqui vou me referir particularmente ao caso mexicano, que, no meu entender, apesar das muitas diferenças, guarda grandes paralelismos com o caso brasileiro.
No caso do México, por um lado, as culturas indígenas foram muito importantes na definição da ideia de nação, construída durante o início século XX — na verdade, desde o século XIX. Isso fez com que se construíssem instituições para trabalhar a questão cultural, com altos orçamentos, sobretudo naquilo que hoje chamamos Patrimônio Material, para o restauro de centros históricos, sítios arqueológicos, e dar conta da grandeza da herança indígena do México. Cabe destacar que, no nacionalismo mexicano, a ideia era construir uma nação alicerçada nesse passado indígena grandioso, mas capaz de se projetar para o futuro. Em grande medida, isso levou a desconsiderar, em termos reais, os povos indígenas existentes naquele momento. Quer dizer, aqueles povos deviam ser assimilados à ideia do mexicano, e não conservar suas particularidades. Isso teve impactos muito fortes em termos de perda de língua, de muitas tradições, festas, saberes próprios daqueles povos indígenas presentes no México. Mas, por outro lado, a força de instituições como o Instituto Nacional de Antropologia e História ou a própria Secretária de Educação Pública, que buscavam promover e construir essa ideia do nacional, permitiu construir uma tradição antropológica e arqueológica muito forte no México, ao mesmo tempo em que o país aderia à ideia, que também permeava outros lugares da América Latina, de construir a partir de baixo, reconhecendo a importância da diversidade, opondo-se ou resistindo àquela ideia de aculturação. Isso favoreceu o surgimento de todos esses movimentos meio institucionais, meio extrainstitucionais que conseguiram o pleno reconhecimento da riqueza cultural que a diversidade significa. É por isso que a antropologia mexicana em particular, e também a latino-americana — a brasileira também teve um papel fundamental —, se empenharam numa redefinição da palavra, do conceito de cultura para incluir justamente todos os produtos, todos os significados que os grupos humanos constroem coletivamente para explicar o mundo, para estar nele, orientar sua ação etc. — ou seja, a cultura no seu sentido amplo.
Finalmente, essas especificidades culturais são as que constroem o que hoje chamamos Patrimônio Cultural Imaterial, e foi nessa tradição de reivindicação dos povos originários, dos povos indígenas do continente americano, particularmente a partir da década de 1990, que a ideia de Patrimônio Cultural Imaterial começa a se consolidar, nutrindo-se daquelas experiências, daquelas redefinições. No caso mexicano, a partir do momento em que a Direção Geral de Culturas Populares reconhece que essa diversidade é constituída não apenas pelo elemento indígena, essas questões todas alimentam as discussões internacionais sobre Patrimônio Cultural Imaterial, e assim, quando o conceito passa a ser discutido na Unesco, já se incorpora toda essa tradição na qual a América Latina desempenhou um papel fundamental. (...)
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