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O ACESSO A NOVOS SABERES PODE ABRIR CAMINHO PARA UMA MUDANÇA DE VIDA, ALÉM DE AMPLIAR O CÍRCULO SOCIAL E AUXILIAR NA GERAÇÃO DE RENDA 

 

A capacidade de produzir, criar ou inventar coisas sintetiza-se na palavra criatividade. Característica inerente ao ser humano, sua prática é essencial para a saúde mental e o bem-estar. Afinal, aprender a fazer algo novo estimula conexões cerebrais e, de quebra, ainda ajuda a estreitar relações sociais. Pode, até mesmo, tornar-se uma fonte alternativa de renda. Nas últimas décadas, atividades como costura, marcenaria, tecelagem, gravura, entre outras, arrebataram inúmeros aprendizes. E a internet amplificou esse cenário de “faça você mesmo” por meio de cursos, vídeos tutoriais e outras ferramentas digitais. Na pandemia, ainda que a capacidade criativa e produtiva esteja impactada pela restrição social, ela transborda em importância.

Tamanha relevância se deve, segundo a professora titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) Clotilde Perez, a condições peculiares. “Nesse momento, há fatores atuando que vão de nostalgia da materialidade (distanciados que estamos pela intangibilidade e imaterialidade da tecnologia digital), passando pelas pressões econômicas (falta de dinheiro para comprar algo pronto, por exemplo), distanciamento social (impedimentos de circulação e confinamento nos lares), até psíquicas”, observa.

Nesse cenário, ela complementa, “fomos obrigados a implementar mudanças drásticas em um curtíssimo espaço de tempo, o que nos levou a exercitar a nossa capacidade adaptativa, que é fundamental em tempos de mudanças rápidas, profundas e transversais, como são hoje”. A partir dessas alterações no cotidiano, além do trabalho, da escola e do lazer passarem por um processo de reorganização e adaptação, também coube alternativas ao exercício criativo. “Ou nos voltávamos para as potencialidades existentes dentro de casa (articulando com as informações e as referências da rede) ou criávamos por meio dos recursos tecnológicos, como acontece com os novos creators das redes sociais (YouTube, Instagram e TikTok)”, exemplifica.

 

Foto: Pixabay

 

Trama positiva

Professora de tecelagem, Tiyoko Tomikawa ministra aulas de tear desde 1986 em espaços como o Sesc Pompeia e acredita que aprender um saber manual pode gerar inúmeros benefícios. “Nesse tempo, formei muita gente. Alguns trabalham na área, outros usam o tear como terapia e tem aqueles que aprendem a técnica para ensinar outras pessoas. Tenho uma aluna, por exemplo, que se baseia no que eu faço nas aulas, adapta e ensina pessoas em situação de rua”, conta.

Aprendiz da tecelã, o artista docente Alexandre Heberte Mendes de Souza reforça esse impacto que a tecelagem manual teve e tem no seu dia a dia. De aluno, em 2010, a professor, desde 2016, tendo coordenado oficinas no Sesc Pompeia, Alexandre Heberte acredita que a prática provocou importantes câmbios na atenção e no foco tanto na vida profissional quanto fora dela. “A tecelagem manual me curou de um fundo do poço, resgatou minha autoestima, me deu um ofício, me fez mergulhar no artesanal, me ampliou fronteiras e me fez atravessar para a categoria artística. As tramas me fizeram voltar a estudar e fazer licenciatura em artes”, afirma.

Tendo em vista este e outros resultados positivos ao longo de mais de três décadas dedicadas ao ensino de tecelagem, a professora Tiyoko Tomikawa conta que precisou se reinventar na pandemia para manter o interesse e interação dos alunos. Promoveu encontros por videoconferência e ainda criou grupos no WhatsApp para acompanhar e estimular os aprendizes. “Tenho dado orientações técnicas  pessoais dentro do grupo para que todos possam aproveitar. Já estão produzindo tapetes, toalhas americanas, tecidos para almofadas,  cachecóis e tapeçarias”, conta. Para isso, também foi necessário pensar em suportes de tear alternativos (aprenda a fazer um suporte de tear com papelão*) e não deixar que a ausência das aulas presenciais desmotivasse as turmas.

“Eu tenho acompanhado todos os grupos e sempre dou tarefas. A última foi que produzissem peças para que a gente possa, passada a pandemia, procurar um espaço para expô-las e vendê-las. Isso tem surtido um efeito bacana porque estão tecendo de olho no futuro. Estou sempre perguntando o que estão criando e peço que compartilhem. Cada vez que faço um produto, também fotografo e coloco no grupo para incentivá-los”, acrescenta Tiyoko Tomikawa.

Para a professora, é importante dar esse “empurrãozinho”, uma vez que há relatos de alunos e alunas insatisfeitos e tristes por não poderem se locomover ou por não encontrarem outras pessoas. “Nesse caso, sempre recomendo que diversifiquem seus afazeres. Quando a vida cai na rotina, ela fica mesmo sem graça. Tem pessoas no grupo que ainda fazem patchwork, bordado. Enfim, uma diversidade de atividades têxteis. Eu mesma estou plantando tomate e abóbora em vasos, porque não tenho muito espaço onde moro. E já colhi maxixe”, celebra.

 

Manta no tear na casa da professora de tecelagem Tiyoko Tomikawa, que acredita em diversos benefícios promovidos pelo exercício da criatividade | Foto: Tiyoko Tomikawa

 

Criar e se recriar

Outras questões que acompanham o universo Do It Yourself (DIY, ou Faça Você Mesmo), principalmente no atual cenário, é a possibilidade de fazer por si e não comprar o produto feito por outros. Soma-se ainda a possibilidade de fazer da atividade uma fonte complementar da renda familiar, economizando até mesmo na matéria-prima ao fazer uso de itens em desuso na própria casa, e que podem ser ressignificados.

“Em tempos de dificuldades financeiras reais, diminuição da renda, restrições de consumo, entre outras consequências, a produção individual, cotidiana, artesanal ressurge com mais intensidade. Os sentidos do fazer com menos e mais barato, reaproveitar, reciclar, ressignificar também estão neste contexto”, ressalta a professora da USP Clotilde Perez. “Há ainda outro fator que é uma consciência, ainda diminuta, ambiental, que nos leva a um maior respeito aos recursos e até mesmo à redução no consumo, favorecendo o DIY, com os recursos disponíveis, às vezes reaproveitando-os.”

 

  

 De aprendiz a profissional, Aline Cristina Matos descobriu em cursos de   marcenaria no Sesc São Paulo um   novo ofício: na imagem, ela lixa um banco de eucalipto | Foto: Patrick Toosey

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Para a marceneira Aline Cristina Matos, entre maquinários e blocos de madeira veio a decisão de mudar de carreira após dez anos dedicados ao mercado de Tecnologia da Informação (TI). Com a chegada do primogênito e o fim da licença-maternidade, encontrou em atividades manuais e criativas outro ofício. Foi em setembro de 2016, após se inscrever numa oficina de marcenaria no Sesc Osasco. O interesse a fez buscar mais cursos e a aceitar o convite para ser assistente do professor Henrique Reis, da oficina Serena, com quem teve aulas no Sesc Osasco. Além de ser assistente na escola Ateliê de Madeira, em São Paulo, lá também poderia se aperfeiçoar.

“Assim iniciei essa jornada. Aprendi a manusear todo o maquinário, tanto elétrico quanto manual, e comecei aos poucos a adquirir minhas próprias ferramentas e a produzir minhas próprias peças. Nossa sociedade (com o marceneiro Henrique Reis) se consolidou e, além de projetos, representava a Serena em feiras de artesanato. E o melhor de tudo, meu pequeno me acompanhava em cada etapa dessa jornada”, recorda.

Desde então, Aline vem realizando diversos projetos, inclusive nas unidades do Sesc 24 de Maio, Pompeia, Florêncio de Abreu e Osasco, para o qual criou com outros sócios diversos mobiliários. Em 2018, ela ainda ficou em primeiro lugar no concurso cultural Mães Empreendedoras e um ano depois, com mais um rebento, ampliou o escopo do seu trabalho.

“Ano passado foi desafiador com os dois pequenos em casa e toda a reclusão devido a pandemia. Ainda assim consegui manter uma renda vendendo brinquedos educativos, desenvolvendo projetos para casas e dando curso particular individual. Também realizo oficinas em que as crianças aprendem a criar seu próprio brinquedo”, detalha. Além disso, Aline ensina adultos a desenhar e executar projetos de marcenaria. “Minha intenção é oferecer um caminho, assim como me foi oferecido”, arremata.

 

Tear alternativo

É HORA DE EXPERIMENTAR A ARTE DA TECELAGEM. SEGUINDO ESTE PASSO A PASSO IDEALIZADO POR MARCELA PUPATTO, EDUCADORA DO ESPAÇO DE TECNOLOGIAS E ARTES DO SESC, VOCÊ PRODUZ O SEU PRÓPRIO TEAR E FAZ ENFEITES PERSONALIZADOS

Você vai precisar de:

• Papelão: um retângulo de cerca de 11 x 20 cm e um pedaço menor (uns 3 x 12 cm) para a navete (agulha). As medidas são apenas sugestões

• Lápis (ou caneta)

• Régua

• Tesoura

• Fita adesiva

• Linhas ou lãs diversas

• Garfo ou pente de cabelo de plástico

• Gravetos (ou palito de churrasco)

 

1 Nas pontas menores do papelão grande, faça marquinhas de 1 em 1 cm e corte fendas com 1 cm de profundidade.

2 Usando fita adesiva, prenda a ponta da linha no verso do tear e passe-a para a frente através do primeiro corte.

3 Puxe o fio até a primeira fenda do lado oposto e volte pela seguinte. Ao completar a urdidura, fixe a linha no avesso.

4 Recorte o papelão pequeno na forma de um H para fazer a navete e use-a para enrolar o fio que vai tecer a trama.

5 Antes de começar a tecer as camadas, prenda o fio da trama no verso do tear utilizando fita adesiva.

6 Com a régua, erga fios alternados. Passe a navete pelo vão até sair do outro lado. Inverta a posição dos fios e passe a navete de volta. Repita.

7 Use o garfo para aproximar cada nova camada feita. Para trocar de cor, corte a linha e emende outra, dando um nó.

8 Interrompa a trama a uns 4 cm do fim do tear. Corte um fio por vez e os amarre aos pares, formando a franja.

9 Solte a trama do papelão e passe um graveto pelas argolas que restaram no topo, escondendo a ponta do fio inicial.

 

 

Inspiração ao alcance

ALMANAQUE E ATIVIDADES ONLINE LEVAM O FESTA! – FESTIVAL DE APRENDER PARA DENTRO DE CASA

Proporcionar ao público oportunidades de experimentar técnicas artísticas e conhecimentos diversos por meio da aproximação de artistas e artesãos num clima de celebração. Essa é a proposta do FestA! – Festival de Aprender, realizado anualmente pelo Sesc São Paulo desde 2017. Com os encontros presenciais suspensos desde o ano passado, foi desenvolvida outra forma de chegar às pessoas nesse momento: criar um almanaque e pensar num festival totalmente online. 

E, neste mês – de 19 a 28 de março –, o FestA! vai levar mais de 150 atividades gratuitas, voltadas às artes visuais e tecnologias, para dentro de casa. O Almanaque FestA!, feito especialmente para esta edição do festival, é uma mistura de livro, manual, guia e caderno de jogos. Uma publicação voltada para a criação de diferentes universos artísticos para todos os públicos, em qualquer lugar. Para isso, arte-educadores da equipe do Sesc São Paulo e outros profissionais e artistas convidados colaboram  nas sete seções do almanaque: Impressão, Matriz & Cópia; Trama; Traço; Pigmento; Forma & Volume; Imagem, Tempo & Movimento; Remix. Cada uma reúne histórias, curiosidades, jogos e outras experiências.

A versão impressa do Almanaque FestA! será distribuída gratuitamente para trabalhadores do comércio, serviços e turismo, o público prioritário do Sesc, por meio de um programa de relacionamento com empresas de todo o estado de São Paulo. Serão mais de 70 mil trabalhadores de baixa renda que irão receber o almanaque e poderão usufruir com sua família desse material, composto de inúmeras ilustrações, jogos, brincadeiras, instruções e artigos. A publicação também estará disponível para download e consulta online na plataforma Sesc Digital. “Desde sua primeira edição, em 2017, o FestA! procurou celebrar o fazer artístico por meio do encontro entre públicos, artistas e educadores, nas diversas unidades da rede. Os desafios impostos pela pandemia de Covid-19 nos levaram a buscar novas estratégias para seguir jogando luz sobre o programa de cursos e oficinas do Sesc. A publicação e distribuição do Almanaque FestA!, bem como a programação do festival – desta vez no ambiente digital –, nos permitem dar continuidade, nesse momento, ao estímulo à experimentação de técnicas artísticas, às trocas de saberes e à descoberta do potencial criador de cada indivíduo”, destaca Juliana Braga de Mattos, gerente de Artes Visuais e Tecnologia do Sesc São Paulo.

Confira alguns destaques da programação e acesse: www.sescsp.org.br/festa

 

LIVE

HQ Ao Vivo com Silva João, ilustrador e quadrinista

Em uma mistura de performance com oficina, o quadrinista Silva João discute  alguns elementos da arte de contar histórias (mais especificamente nas narrativas visuais). O artista ainda vai criar, do início ao fim da live, uma história em quadrinhos a partir das interações com o público. (Dias 27 e 28/3, sábado e domingo, das 19h às 21h, Transmissão pelo canal do YouTube do Sesc Bauru)

 

Foto: Silva João

 

CURSO

O Remix do Passado com Bianca Turner, artista multimídia

Neste curso online ministrado pela artista multimídia Bianca Turner, o foco dos encontros, promovidos pelo Sesc Pq. Dom Pedro II, é adentrar processos artísticos nos quais objetos antigos, fotografias e documentos históricos são reinterpretados. Fachadas de prédios antigos, por meio de projeções mapeadas, são revisitadas, assim como espaços urbanos, por intermédio da arte, são reocupados. (De 24 a 26/3, quarta a sexta, das 19h às 22h. Inscrições a partir do dia 17/3, às 14h. Informações: sescsp.org.br/inscricoes)

 

BATE-PAPO

Sair a Terreiro: Artes e Tecnologias em Confluência com Emicida, Maria da Guia Marinho, Tatiana Cardoso, Xadalu e mediação de Priscila Oliveira

Espaços externos aos lares, os terreiros são lugares híbridos: roupas no varal, brinquedos no chão, local de festividades, cultivo de plantas, animais, conversas, manifestações de fé, criações artísticas, invenções, ensaios de música. Qual é o lugar da arte nesse terreiro de simbologias e manifestações culturais? Esta e outras questões entram na roda desse bate-papo ao vivo, com a presença do rapper e escritor Emicida, entre outros convidados. (Dia 19/3, sexta, horário a confirmar. Transmissão pelos canais do YouTube do Sesc São Paulo e do Sesc Registro)

 

 

 

1, 2, 3 e já!

SOBRE ARREGAÇAR AS MANGAS, ESTUDAR ALGO E SE REINVENTAR

As  oficinas e os Espaços de Tecnologias e Artes (ETAs) buscam regularmente ampliar os conceitos de “tecnologia” e de “arte” em centenas de programações mensais. Com a pandemia, as atividades presenciais foram suspensas, mas  as ações no ambiente digital permitiram a continuidade das trocas com o público.

Ao longo das últimas décadas, milhares de pessoas e grupos participaram de uma diversidade de cursos no Sesc – a exemplo da marceneira Aline Cristina Matos e do artista Alexandre Heberte – com o objetivo de criar algo novo e, por que não, de se reinventar. Desse enredo também faz parte a designer Daniella Yumi Masumoto Silva Andrade. “Já aprendi a fazer bolsa de couro, já fiz curso de colagem, e meu marido já fez cursos de CNC (máquina fresadora),  de corte a laser e impressão 3D. Então, é uma infinidade de possibilidades de aprendizado”, conta. Até que em 2019,  a designer fez parte da turma do curso Morar.Doc – Criação Coletiva de Documentário, no Sesc Ipiranga, ministrado  pelos diretores Chico Santos e Rafael Mellin, do Coletivo Bodoque de Cinema.

 

Ainda em produção, o documentário Queria Voar do Coletiva Três Marias contará a história de uma das pioneiras do paraquedismo no Brasil, Izabel de Paula e Silva (à esquerda): na imagem, a protagonista ao lado da sobrinha neta Beatris Guarita Dotta

 

“Por mais de três meses, a gente aprendeu o processo de criação e desenvolvimento de um documentário do zero. Era uma turma grande, mas todo mundo teve oportunidade de manusear os equipamentos, decupar áudio, entre outras ações. No decorrer dos meses (duas aulas por semana) criamos um vínculo muito bacana”, recorda Daniella. Tanto que, no término do curso, ela e outras duas colegas – Wanessa Lemos e Rafaela Rosa – montaram o Coletiva Três Marias (assim mesmo, tudo no feminino e no plural).

No início da pandemia, o trio de amigas inscreveu um projeto de documentário no programa VAI – Valorização de Iniciativas Culturais, da prefeitura de São Paulo, que em agosto foi contemplado. Com o título Queria Voar, elas vão contar a história de Izabel de Paula e Silva, uma das pioneiras do paraquedismo feminino no Brasil, que, em setembro de 2020, celebrou 100 anos. “A gente está muito feliz de poder dar continuidade a esse aprendizado e à amizade que nasceu num curso no ETA”, comemora Daniella.

 

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