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Vamos Acordar Esse Corpinho!!

Uma vez fui passar o Carnaval na praia com um grupo de amigos. Era tudo muito animado, divertido e passávamos os dias entre a praia e o carnaval de rua da vila. Um dos rapazes da turma, andava o tempo inteiro com uma corneta de torcida e cada vez que alguém passava por ele, tocava e falava: "Vamos acordar esse corpinho!". As reações eram as mais variadas. Muita gente ria, respondia, assustava e, em alguns momentos, ele não apanhou por pouco. Essa frase acabou ficando como um código nessa turma e, ainda hoje, quando alguém fica meio desanimado, ela reaparece. Fico pensando como era pertinente ele dizer isso no meio do carnaval, pois trazia à tona o entusiasmo que, aparentemente, estava faltando, o estímulo para a integração na energia coletiva e a atenção para a sensualidade que poderia ser despertada através do dançar.

Não deve ser à toa que tantas pessoas procuram as danceterias, os salões de baile, as festas e forrós. O que tem esses encontros com música, ritmo e movimento para influir tanto no comportamento das pessoas? Muitos brigam para entrar e participar desses rituais e acabam criando ou aprendendo os movimentos mais atualizados.

O dançar pode facilmente transpor o estado da brincadeira para a sedução e voltar para a brincadeira de novo, se for o caso. A vergonha, um sentimento fortemente ligado ao pecado sexual, encontra no ambiente descompromissado das danceterias um terreno fácil para sua dissimulação. O ritmo ajuda a estabelecer uma rede na qual a conversa e as relações acontecem em outro nível. Alguns pulam, outros dançam, outros acham que dançam, fazendo movimentos completamente descoordenados. Não importa muito qual é o ritmo ou o tipo de música. As rodinhas se formam e as conexões se estabelecem. O que conta é o estado de espírito, a intenção e a permissão que esses encontros oferecem: a possibilidade da brincadeira, do "vale tudo", daquele garoto tímido e medroso do escritório virar um supergato das pistas de dança, tendo coragem de abordar alguém e até fazer um monte de palhaçadas. Vale dançar tecno, forró, pagode, house music e até a dança da bundinha. Nesta hora, tudo bem, a rede está formada e quem ficou de fora perdeu.

As rodinhas formadas nas pistas se transformam num território livre, como se todos os que estão ali formassem um único corpo. Aquele grupo sente-se poderoso, pois é único. Sente-se capaz e, esta idéia toma conta e incentiva mais ainda a criação de novos movimentos. Alguns guetos dançantes extrapolam essa sensação e exprimem uma sofisticação agressiva, passando através da dança uma ideologia de confronto.

O senso estético fica modificado. Alguém considerado feio pode se tornar bastante interessante numa pista de dança e o inverso também pode ser desastroso: uma menina linda e maravilhosa, digna das mais incríveis fotografias, pode se sentir tão constrangida com seu próprio corpo que sua dança se torna mecânica ou completamente sem expressão.

O gesto é o comandante da situação. No território das pistas de dança os códigos, circulam por outros hemisférios. Quando alguém se coloca no centro da roda, o foco está voltado para uma atuação que nem sempre traduz as convenções cotidianas, mas sim o prazer de se ser observado e fazer do seu corpo a sua própria linguagem.

E então, vamos acordar esse corpinho!

Cristina Riscali Madi é terapeuta corporal e técnica do Sesc