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Poemas de Luiz Galvão
Princípio
Partindo do princípio
que paredes têm ouvidos
a praça tem orelhão
e tem até olho da rua.
Mudo fala com as mãos
e com a mão o cego lê
Ah! Como é rica
a sabedoria popular!
Não dá pra ficar de fora
e como boto fé no meu taco
também vou dar meu pitaco...
e já sei como fazer:
Vou botar meu olho para ouvir
e meu ouvido pra ver...
Eu estou ando é a mil
E minha cabeça já foi feita
Antes mesmo do Brasil
Antes de mídia e mercado
quando a poesia em Pessoa
lá de Lisboa
deu ao mundo seu recado
e me disse numa boa:
“...Tudo que escrevo não!
Com a imaginação
eu simplesmente sinto.
Tudo que digo ou faço
o que me falha ou finda
é como um terraço
sobre outra coisa ainda.”
QUERO-QUERO
Eu Quero-Quero
mas você jururu
e eu Juriti
volte Asa Branca
sou seu Bem-te-vi
A felicidade é que o vento leva
mas o tempo guarda
eu às vezes rio
outras pranto
mas sempre acalanto.
Usted a endurecerse
“Jo pero si
perder la ternura.”
Eu sei o que quero
não posso esquecer
na barriga de Mi Madre
esperei nove meses
pra nascer
e por isso espero
lo tempo que fore
para que Usted amore
acorde o quanto antes
e atravesse mares dantes
saia do esconde-esconde
que não tem por onde
encontrar alguém
mais seu do que eu.
Flores e paisagens
As flores cada vez mais lindas
as paisagens findas
e as matas não mais virgens.
O céu e o mar azuis
mas o homem não se dá conta
que há rio assoreado
extinção de ave
bola na trave
gol contra e manto escuro
com a maioria do lado de lá
ou em cima do muro.
O galo canta
o macaco assobia
o sino toca ao meio-dia
tudo dez
nada fora
do limite dos decibéis.
Não posso dizer o mesmo das bombas
mas Picasso desenhou a paz com pombas
E minha sombra anda comigo
e não me vê
enquanto eu a quilômetros
fecho os olhos e vejo você
De tanto ser
réu, advogado e juiz
eu descobri
que ser inteligente
é ser feliz.
Às vezes abro a boca
e quem fala são os cotovelos
chispa daqui castração
está na área o coração.
FUTE-FORRÓ
O forró entra em campo
é nenhuma, é barbada
é ao gosto do freguês
tem gude preso
e tem goleada.
Chova ou faça sol
é forró e futebol
como ladeira e escada
rola a bola no gramado
e forro na arquibancada.
O fole não é mole
bate uma bola redonda
leva galera ao delírio
na Cidade Maravilhosa,
em Sampa e lá nos Pampas
faça calor, faça frio
a rede balança aqui
no Maracá, Beira-Rio
balança no Morumbi
e o forró dá olé
com pedalada Robinho
elástico Romário
e paradinha Pelé
PARA UMA ROSA
Rosa ao luar
e o luar rosa
Rosa a sorrir
eu a sonhar
Rosa em seu canto
toda encantos me encantou
e ainda hoje
Rosa em sol, em dó, em fá e lá, em ré e mi
encanta em flor.
Viver quer no fundo ou no raso
não deixa de ser uma flor no vaso
com um dia rosa e outro encarnado.
Rosa em cansanção é faca, não é garfo
não é prato, nem é pires
é só verso e não é prosa
Quero ver-te Rosa
nas sete cores do arco-íris
sem deixar de ser
íris do ser e íris do olho.
Ires Rosa suave pluma
azul-claro ou verde espuma.
SOU VERDE DA SILVA
Sou eco da selva
da fauna e da Silva
Sou eco da água
do leite e da nata
do sereno e da serenata
dores e flores
sem cerimônia pousam em mim
por ser assim: quadro e jardim.
Com o nascer do sol
estou no ar
e do balançar da rede
sou o nheco-nheco-nheco-nheco
na esperança nossa e na do dito popular.
Enquanto aqui no peito
o coração bate, bate, bate, bate
e no relógio da parede
tic-tac-tac-tac
eu comunico na rede.
ELA TEM IT
Ela não é da passarela
mas tem it, tem it
e lembra de leve
a número um
Gisele Bündchen
Não tem nada de Amélia
mas também não faz a linha
rebelde avoadinha.
Não sobe ao palco
nem é do ramo
mas se fico gamo.
Só não entendo
ela tão transparente
e com tramas enigmáticas
Qual o encanto da dama?
Será que é por ser meiga?
Ou é por ser boa de cama?
Não tem nada de Amélia
mas também não faz a linha
rebelde avoadinha.
Nem tudo é flor
é comédia ou drama
ou é lima ou fama.
Só não entendo
ela com tantos dotes
e ter dores reumáticas.
Qual o segredo da dama?
Será que é só o frio?
Ou é por ser fraca em matemática?
CAFÉ COM PÃO BOLACHA NÃO
Na ópera
afete a voz
desça às vezes
e suba até o limite imposto
pelo ouvido aos decibéis.
No quadro
não faça nada semelhante
acompanhe o silêncio dos pincéis.
Vá a 40 por hora
pra ver da autojanela
a paisagem singela
e ao vivo romance
de árvores e pássaros
lagos e cisnes.
E ultraleve e firme
chegue na estação
Café com pão/ Bolacha não/ Café com pão/ Bolacha não
Café com pão/ Bolacha não/ Café com pão/ Bolacha não...
E além da vista
perceba minúcias e nuances
da mão e coração do pintor
por céu e terra alado.
E as figuras se alojam e brilham
no silêncio do quadro.
Mas se for pintar
o quadro requer
nada semelhante.
E se o quadro é dez
você seja mil
e acompanhe
o silêncio dos pincéis.
Se for a 40 por hora
verá da autojanela
a paisagem singela
entre a Disney
e o romance
de árvores e pássaros
lagos e cisnes.
E ultraleve e firme
chegue na estação
Café com pão/ Bolacha não/ Café com pão/ Bolacha não
Café com pão/ Bolacha não/ Café com pão/ Bolacha não...
E além da vista perceba minúcias e nuances
da mão e coração do pintor
por céu e terra alado.
E as figuras se alojam e brilham
no silêncio do quadro.
QUEM SABE DO SAPATO É A MEIA
Quer correr
Se inscreva na São Silvestre!
Os homens já não se entendem
aqui num palmo de chão
que dirá em todo globo terrestre
Quer correr se inscreva na São Silvestre
Tá dito na internet
que os americanos vão lançar
um baita de um avião.
O bicho vem mais veloz
que a velocidade da luz.
Pra notícia de jornal
eu não digo sim nem não.
Mas é preciso fazer jus
e bem mais que oração
pra sorte chegar na mão.
Quer correr
Se inscreva na São Silvestre!
Os homens já não se entendem
aqui num palmo de chão
que dirá em todo globo terrestre
Quer correr se inscreva na São Silvestre.
Desde que o mundo é mundo
que a pressa tá de um lado
e do outro a perfeição.
Mas chegue atrasado não
que um minuto depois
o sol já tá em outra
e já é outro momento.
Só não vale fechar a cara
nem no meio da estrada
empacar que nem jumento.
Quer correr
Se inscreva na São Silvestre!
Que os homens já não se entendem
aqui num palmo de chão
que dirá em todo globo terrestre
Quer correr se inscreva na São Silvestre.
Ouça a vida que é sábia
e também diz
que chegar um minuto antes
não faz ninguém mais feliz.
Nem a abelha sabe em quantos dias faz o mel
nem a aranha em quantos tece a teia
quem mais sabe do sapato é a meia
pra Deus que não tem pressa
um dia não é mais que um grão de areia.
Aqui não é lugar
pra esperto nem otário
pois quem entra no hipódromo
seja jóquei ou cavalo
é pra ganhar e perder páreo.
Quando o dia clarear
antes de tomar café
se prepare pra enfrentar
o adversário que você não quer.
Se chegar beijar a lona
levante e leve fé
O QUE MAIS QUERO
Quero nos muros pichado:
“Vou amar pra ser amado.”
E nos banheiros públicos escrito:
“O silêncio fala mais alto que o grito.
Quero ver de novo o trem chegando
e alguém esperando alguém na estação.
Quero chuva e quero sol
meu ouvido pede música
e meus olhos futebol.
Quero mais que sua mão
quero vê-la agasalhada
dentro do meu coração.
E por último quero, amor:
Na menina dos teus olhos revelado
o quanto sou por ti amado.
JUNTANDO OS PANOS
Se você cuida do amor
a alma cresce
mas se você pensa demais
a paz esquece
o pensamento pede mais
uma atitude de viver
e ser capaz.
Se o caminho for difícil
siga o vento
E siga sempre o que diz o sentimento
o mundo não quer esperar
o sonho não pode acabar
escolha o rumo pra seguir
e se encontrar.
Você vai bem na teoria
eu quero a prática
mas se não for ao vamos ver
só faz voar
após o encanto vem a dor
e com a dor o conhecer
e pelo mistério dois é um
ou três ou mais.
se de meu lado rola ronco
isso é o mínimo
Sejam os olhos nada mais que o coração
e regue o amor ao sol nascer
se porventura um erro pinte
e ao invés de contar vinte
o ctrl e z.
O sertanejo tá certo
De gostar de forró
É igual guri bom de bola
Da sua camisa
Pinga chuva e suor
E daí vem o forrobodó
Eta! Eta! Eta! Eta!
Sábio sabe a receita
Sem faltar uma letra
E alguém vai ter que dizer
Se quem escreve
sou eu ou a caneta
Eta gente de raça
Que não inventa desculpa
A força vem na labuta
Cuscuz, farinha e rapadura
O forte vejo
Trabalha e vadeia
E deixa os pingos da chuva
Cair sobre si
Portanto bote fé
O lavrador além de amor
Tem sangue na veia
Trabalha a verdura
Com sua dor
E nos serve com amor
Os pingos da chuva
Molham e alegram
Solo e árvores
E ainda de brinde
A luz do luar
A nos clarear
O Brasil é um vale de lágrimas
Oh misericordiosa
Rogai por nós
Povo clama
Porque vós
Indesejáveis mãos
Espalhando lama
Aterrando irmãos
Num vale-tudo por metais
Maculando límpidas fontes
Nossa gerais
Minas preciosas
Mas eu cá do meu canto
Peço pelo vale franciscano
Por quem vale ainda sonhar
Jequitinhonha
Capão
Itajaí
Jacuí
Cai
Mucuri
Águas doce do sertão
Sustento da nação
Onde regando
Temos frutas e flores em botão
Esturricado chão
Humanos
Nós humanos
Nos adaptamos a tudo
Do áspero ao veludo
Como uma dor que nunca passa
Nos acostumamos
Por alguma razão
Conviver com ela
Como um projétil
Alojado no coração
Pobres de espírito
Quer saber se tem amigo?
Fique pobre ou doente
Carente, besta ou demente
Cada um com seu umbigo
Se transforma num vespeiro
Correndo com seu dinheiro
Mão, conforto amizade
Querendo desfrutar das belezas
Fingindo ter felicidade
E constato
Que esses mal-ajambrados
São pobres coitados
Tadinhos
São os mais necessitados
Perdidos na própria dúbia natureza
Do nada absoluto
Nunca sentem-se abençoados
E desconfiados seguem
Possuindo só riquezas
Que no último ato
Nem direito de carregar têm
Amém, Amém.
Luiz Galvão é compositor e poeta, fez parte do grupo Novos Baianos, no qual compôs, em parceria com Moraes Moreira, canções como Acabou Chorare e Preta Pretinha; autor do livro Novos Baianos: A História do Grupo Que Mudou a MPB (2014, Lazuli).