Sesc SP

Matérias da edição

Postado em

Quantos eu puder ser

Granato Estúdio no ateliê em meados da década de 1980. Foto: Acervo Loris Machado
Granato Estúdio no ateliê em meados da década de 1980. Foto: Acervo Loris Machado

Ivald Granato era muito organizado na criação e execução de suas obras. Separava as tintas por tons, colecionava miniaturas e reaproveitava o material. Os restos de papel, recortes de revistas e jornais eram armazenados em sacos plásticos e reutilizados em suas colagens. “Trabalhos em técnica mista que adorava fazer”, relembra a filha do artista, a jornalista Alice Granato, responsável pela consultoria, pesquisa e coordenação editorial da exposição My Name Is IVALD GRANATO Eu Sou, em cartaz no Sesc Belenzinho (leia Meio século de inquietação).

Passou a infância entre lápis e pincéis, em Campos dos Goytacazes, no interior do estado do Rio de Janeiro, cidade onde nasceu em 1949. Ao longo do tempo, foi desenvolvendo uma expressão vigorosa na pintura, inicialmente por influência dos pintores cubistas. Esse foi o ponto de partida para os outros capítulos de sua produção, que se estendeu a colagens e performances, utilizando uma variedade de suportes – entre eles, objetos do cotidiano, como tapetes e louças.

Cadernos de artista

Em 1967, ingressou na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, na capital do estado, mas, antes disso, estudou pintura com Robert Newman, em Vitória, no Espírito Santo. Suas experiências o conduziram à realização de projetos de performance e intervenções iniciadas em meados da década de 1960. Segundo Daniel Rangel, curador da exposição do Sesc Belenzinho, essas formas de expressão são centrais em seu processo criativo. O curador também salienta o papel dos personagens criados pelo artista. “A Safada de Copacabana, Césiquer e Ciccillo eram os destaques de suas performances, muitas vezes realizadas para vídeo, as videoperformances”, comenta.

 

Artista sofre, 1978, registro de performance. Acervo Loris Machado

 

Entre as características de Granato apontadas pela crítica especializada destacam-se o vigor na utilização das cores e o conjunto formado pela combinação com seu traço, em composições em que a pintura e o desenho poderiam andar juntos. O confete não era desmedido, tanto que sua técnica o levou a receber, em 1979 e 1982, o prêmio de Melhor Desenhista do Ano pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). A multiplicidade de processos criativos se revelou na inserção em diversos círculos, da vanguarda à pop art. Por isso, é comum relacionar sua obra à psicodelia, ao erotismo, ao abstracionismo, ao figurativo, ao fantástico, ao tropicalismo.

Reconhecido pela versatilidade, espírito livre e irreverência, Granato foi pintor por excelência, tingindo sua prática com tons autobiográficos. “Havia uma ligação muito grande entre a vida e a arte. Era praticamente uma coisa só. Toda sua movimentação e simpatia se refletiam no gesto solto e espontâneo do seu desenho”, afirma o amigo, arquiteto e pintor Claudio Tozzi, em depoimento para a exposição.

Ivald Granato na performance O Assalto, no Espaço Alternativo Galpão, São Paulo, 1979. Acervo Ivald Granato

 

Tão livre

Nos anos 1980, ele passou a morar em São Paulo, onde montou um ateliê em Pinheiros, na esquina das avenidas Henrique Schaumann e Rebouças, movimentado centro cultural. O dinamismo local e sua mente sempre em ebulição fizeram espontar o agitador cultural.

Talento e liberdade criadora não eram apenas traços pessoais, mas se tornaram legado, por meio da experimentação de linguagens e suportes. “Foi um dos primeiros artistas multimídia do país, antes mesmo da existência do termo”, acrescenta Rangel, que cita o potencial de transformação de tudo que passava por suas mãos em arte.

Nos anos 1990, estava instalado com a família em um bairro mais residencial, o Alto de Pinheiros, onde manteve sua rotina de desenho e pintura, agregando personalidades da música e do jornalismo, além dos parceiros. Sua filha, Alice, menciona que até o casamento dos pais, em Campos dos Goytacazes (RJ), foi um ato performático. Imaginem um casamento hippie realizado num coreto de praça com a presença de 10 mil pessoas. Pois é. Foi assim.

 

Cãoman, s.d. Acrílica sobre madeira, 175 x 118 x 60 cm. Acervo Ivald Granato

 

Uma referência

As criações e parcerias pavimentaram seu legado e o diálogo com as gerações futuras. A jornalista Barbara Gancia, por exemplo, o designou como uma figura mais querida do que muitas bandas de rock juntas. Nessas sintonias afinadas da vida, Granato foi homenageado pela icônica The Rolling Stones. Amigo do guitarrista e também pintor, Ronnie Wood, ele teve uma participação especial no documentário The Rolling Stones Olé Olé Olé: A Trip Across Latin America (Paul Dugdale).

O filme é de 2016, mesmo ano da morte de Granato, e foi dedicado à memória do artista. Também fez diversas intervenções na imprensa nacional, entre elas já estampou a capa da Revista E em três edições: em outubro de 1994, julho de 1995 e novembro de 2019

                       

Imagens produzidas exclusivamente para a capa da Revista E, em outubro de 1994 e julho de 1995

 

No ateliê ou em casa, a dedicação à pintura era contínua. As tintas corriam soltas estando só ou acompanhado. Segundo Alice, nada era capaz de turvar sua concentração. “Vejo os dois momentos. Na pintura, mais expansivo e, no desenho, mais reservado”, diz. De fato, o prefixo “multi” cai muito bem: Granato foi multiartista, multimídia, com multiamigos e confortável em suas múltiplas faces, todas dispostas em livre acesso na sua carreira.

 

Granato com Ronnie Wood, guitarrista dos Rolling Stones. Acervo Ivald Granato

 

Explosão criativa

Uma seleção de atuações marcantes do artista

“A performance é diferente de teatro, não tem marcação de palco, não tem interpretação, tem de começar, explodir e acabar, não pode dar continuidade, não pode ser um folhetim, não pode ser uma peça... É uma coisa que vem, tem vida e vai, some no ar. E isso me encantou”, escreveu o artista no livro Ivald Granato - Art Performance (J.J. Carol, 2008). A seguir, uma seleção de performances:

A Safada de Copacabana (1965)

Aconteceu em sua cidade natal, Campos dos Goytacazes (RJ). Aos 15 anos de idade e em trajes femininos, impactou com sua ousadia. Tempos depois, a performance foi refeita nos vídeos Ivald Granato in Performance, dirigidos por Tadeu Jungle e Walter Silveira. Curiosos? Eles podem ser vistos na exposição My Name Is IVALD GRANATO Eu Sou.  

Mitos Vadios (1978)

Uma paródia à Bienal Latino-Americana de Artes, feita na Rua Augusta, em São Paulo, com a participação de Hélio Oiticica, Hector Babenco, entre outros. O objetivo era confluir pintura, música e teatro.

Acervo Ivald Granato

 

Meu Romance com Andy Warhol (1980)

Teve como cenário a Pinacoteca do Estado de São Paulo e no nome faz referência explícita ao artista pop. Nesta criação, Granato estiliza sua praia, abre o guarda-sol e, para todos assistirem, pinta os cabelos no tom amarelo Warhol, com participação do seu filho Diogo Granato.

Acervo Ivald Granato

 

Meio século de inquietação

Exposição com mais de 500 obras de Granato refaz trajetória de ousadia e liberdade

Quantidade e qualidade. É o que se pode esperar da exposição My Name Is IVALD GRANATO Eu Sou. São mais de 500 obras do artista divididas em seis núcleos para revelar nuances do processo criativo, sintonizando sua produção realizada a partir dos anos 1960 com o que está sendo feito hoje nas artes visuais brasileiras. Há uma linha do tempo que parte de 1968. Aborda a “ruptura do suporte e a figuração do corpo humano e encontra o abstracionismo, reunindo obras que integram acervos de instituições, coleções particulares e, em sua maioria, de sua família”, detalha Daniel Rangel, curador da mostra.

O projeto reúne uma seleção de pinturas, objetos, desenhos e cadernos de artista, além de recursos digitais, como a proposta de Tadeu Jungle, que concebeu uma experiência imersiva com obras de Granato, disponibilizando ao público óculos de realidade virtual. A exposição pode ser vista até 26 de janeiro no espaço expositivo e no átrio do Sesc Belenzinho.

Sem título (Monalisa) (série Heads), anos 2000. Reprodução fotográfica (Giclee), 66 x 48 cm. Acervo Ivald Granato

revistae | instagram