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Atrás do espelho

Pintor e escultor autodidata, o italiano Michelangelo Pistoletto é um dos principais representantes da arte povera (“arte pobre”, em português) – movimento artístico italiano do final dos anos 1960 que avança pela década de 1970, em que obras feitas a partir de materiais inusitados para a época (areia, feltro, papel) refletiam um mundo em constante mutação. Uma realidade renovava-se a cada passagem do espectador diante da obra. Conceitos que o artista ainda explora em alguns de seus trabalhos mais conhecidos, como em Walking Sculpture – grandes esferas feitas de jornal, movidas pelos espectadores – ou nas famosas “pinturas de espelho”, em que o reflexo do público compõe uma criação que o artista iniciou em 1967. No ano passado, ao completar 85 anos, Pistoletto realizou a primeira mostra individual na América Latina. Em Cada Ponto é o Centro do Universo, Cada Pessoa é o Centro da Sociedade, que esteve em cartaz no Museu de Arte Contemporânea de Santiago (Chile), foram reunidas obras célebres do italiano. Antes de embarcar para essa homenagem, ele fez uma rápida passagem pelo Brasil e concedeu uma entrevista exclusiva à Revista E. Nesta conversa, falou sobre a relação entre responsabilidade e liberdade, sobre o papel da arte de propor a interação das pessoas com o mundo e como seus experimentos fora do ateliê contribuem para provocar um olhar para a dualidade que existe entre um mundo artificial e um mundo natural.

Arte em si

Com o advento da fotografia, no final do século 19, o artista não precisava mais documentar a vida, a imagem do rei, do povo ou as histórias da religião, porque a fotografia tomou o lugar do trabalho da representação feita pelo artista. Eis que, no século 20, desenvolveu-se a autonomia da arte. O realizador perguntou a si mesmo: a arte ainda é necessária? É possível fazer arte sem precisar reproduzir a realidade? Aí o artista criou o cubismo, o surrealismo, o expressionismo, o abstracionismo. Essas são indagações no interior da arte, até chegar ao expressionismo abstrato, que é o símbolo de si próprio, do artista que faz a própria marca.
 

Acredito que quanto maior a liberdade,

maior é a responsabilidade. E quero trabalhar

para unir esses dois conceitos

 

Para experimentar

Uso a definição de arte povera ao dizer que a arte é livre da ideia de inutilidade, das coisas supérfluas que dão vida ao mundo hoje e ao mesmo tempo tiram a vida da essência do ser humano. Não posso afirmar que uma ideia é boa sem a ter experimentado. Tenho uma ideia, experimento e aí digo: “Sim, parece boa!”. Por isso existe todo esse trabalho de sair do ateliê, o trabalho de performance na rua, a necessidade de fazer manifestos sobre as relações criativas entre os artistas. Tudo isso é uma pesquisa experimental.

Sem uma relação verdadeiramente colaborativa, eu não chegaria a dizer que a colaboração é possível. Não é um trabalho de crítica, mas um trabalho de alternativa, uma saída ao sistema existente. Não há nenhuma reação contrária nem manifestação agressiva. Mas a tentativa de encontrar outro espaço, outro tempo e dimensão para a arte. Afinal, interrogar a sociedade é agir sobre ela mesma.

História de vida

Realizei os primeiros Quadros Espelhados entre 1961 e 1962 como resultado de uma pesquisa sobre minha identidade. Ela foi fixada nesses trabalhos e não se encerrou. A minha identidade é minha própria vida; portanto, o espelho me acompanha e se abre sobre minha trajetória. Em cada momento da minha existência brotam imagens que são fixadas no espelho. É uma espécie de história da minha vida.

Liberdade e responsabilidade

Acredito que quanto maior a liberdade, maior é a responsabilidade. E quero trabalhar para unir esses dois conceitos. Não sou apenas responsável pelo trabalho que faço, a responsabilidade é para ser compartilhada. Por isso, tento articular a interação com o mundo onde todos participam da liberdade e da responsabilidade. A autonomia é a liberdade máxima, mas também a máxima responsabilidade.
 

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