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No Compasso do Tempo
Um Lugar para Fazer Contatos foi a tradução dada a Kontakthof, espetáculo criado há mais de 40 anos pela coreógrafa e bailarina alemã Pina Bausch (1940-2009) e reencenado por bailarinos acima dos 65 anos em 2000. Precursora da dança-teatro, Bausch buscou idosos inexperientes para revelarem emoções em gestos que partiriam de outro tempo do corpo. Na época, Jo Anne Endicott, bailarina da companhia de Pina, assumiu os ensaios e relatou ao jornal inglês The Guardian: “Eles todos tinham algum tipo de brilho em seus olhos. Eles viram isso como a chance de uma nova experiência de vida fabulosa, uma nova aventura”. Este é apenas um de tantos exemplos no cenário da dança mundial que demonstram: um corpo nunca estará velho para dançar.
Sob esse prisma, a bailarina e coreógrafa paulista Denise Namura, da companhia francesa À Fleur de Peau, observa um novo pensamento sobre o idoso na dança. “Consideramos muitas vezes que, quando bem orientados, estes corpos mais ‘velhos’ se tornam também mais maduros e incrivelmente bonitos”, diz. Tanto que, nos últimos 30 anos, o trabalho desse grupo, composto ainda pelo bailarino e coreógrafo alemão Michael Bugdahn, derruba estereótipos de idade.
Aliás, a Cia. À Fleur de Peau apresentará o espetáculo Un Ange Passe-Passe ou Entre Les Lignes Il y A un Monde (Passou um Anjo ou Nas Entrelinhas Tem um Mundo) dia 11 de outubro, no Sesc Sorocaba, pela Mostra Sentidos: A Longevidade na Arte (leia boxe Múltiplos Caminhos). “Nós mesmos estamos na faixa dos 60 anos e ainda dançamos várias peças do repertório da companhia. Dançando as obras, por vezes, com algumas adaptações, mas a essência do trabalho e dos corpos é sempre a mesma e é isso que conta. É precisamente isso que queremos tirar desses idosos com quem trabalhamos”, ressalta Denise.
Aliada da saúde
Além de expressão artística, a dança é uma aliada da saúde e do bem-estar na velhice. No programa USP Aberta à Terceira Idade, duas oficinas, em especial, mostram esse impacto sobre a vida de praticantes acima de 65 anos. Na dança sênior, realizam-se, individualmente, movimentos ritmados por músicas folclóricas, enquanto na dança de salão diferentes estilos são ensinados em duplas. A fim de compreender os efeitos dessas práticas, o curso de gerontologia da Universidade de São Paulo (USP) realizou uma pesquisa com esses dois grupos.
Como resultado, foram apontados vários benefícios. “Primeiro, a melhora da saúde, porque antes eles [mulheres e homens idosos] só se preocupavam com doenças. O aumento da autoestima também se evidenciou, uma vez que passaram a se sentir mais valorizados e ativos”, relata a professora Rosa Yuka Sato Chubaci, do curso de gerontologia da USP.
O equilíbrio físico – bastante afetado na velhice e, por isso, causa de muitas quedas – também foi outro ganho constatado. “Trabalhamos na dança a questão do movimento, da lateralidade, e a pessoa precisa se equilibrar. Isso a gente vai trabalhando aos pouquinhos e, no final, observa o quanto eles ficam mais estáveis em relação ao andar, aos passos. Alguns relatam que mal conseguiam caminhar ao vir para as oficinas. Hoje, vêm sem tanta dificuldade”, acrescenta Rosa Yuka. A memória também é tão estimulada quanto o corpo, já que os participantes precisam memorizar coreografias e melodias. “À medida que dançam, nota-se um favorecimento do bem-estar físico, emocional e psicológico”, completa.
Por todas essas razões, o avançar dos anos não impede alguém de dançar. O corpo apenas comunicará outra mensagem em um novo compasso de tempo. Ou, como diz a bailarina Denise Namura: “O artista é uma eterna criança se pensarmos que para uma criança tudo é possível”. Seu parceiro, Michael Bugdahn, complementa: “O imaginário está totalmente aberto e em pleno movimento, sua curiosidade e a vontade de descobrir e interpretar as realidades são sem limites”.
Múltiplos caminhos
ESPETÁCULOS DE DANÇA E TEATRO CELEBRAM A LONGEVCIDADE NA ARTE
Estabelecido como o Dia Internacional das Pessoas Idosas pela Organização das Nações Unidas (ONU), 1º de outubro levanta em todo o mundo reflexões sobre envelhecer com qualidade de vida. Afinal, a previsão é de que em 2050 a população global seja composta de mais de 2 bilhões de idosos, o que representará 20% do total de habitantes, segundo a ONU. Nesse cenário, como a arte pode ser uma ferramenta para a longevidade?
Pioneiro no Trabalho Social com Idosos, o Sesc São Paulo realiza a Mostra Sentidos: A Longevidade na Arte, a fim de promover novos pensamentos e ações acerca do processo de envelhecimento, partindo da sensibilidade fomentada por diversas expressões artísticas. Para isso, durante o mês de outubro, unidades da capital, do litoral e do interior de São Paulo realizarão ações nas linguagens do teatro e da dança para um olhar mais profundo sobre a temática do envelhecimento.
“Nesta terceira edição, a Mostra Sentidos, voltada para todas as faixas etárias, tem por objetivo evidenciar o lugar de fala da longevidade nas artes cênicas, destacando a multiplicidade dos corpos idosos e das identidades das velhices nos palcos, nas dramaturgias e nas sensibilidades dos espetáculos”, explica Gabriel Alarcon Madureira, assistente técnico da Gerência de Estudos e Programas Sociais do Sesc São Paulo.
Confira alguns destaques da programação:
Foto: Dikanga Calunga.
CPF
Bate-papo com a criadora e pesquisadora em dança Vera Sala e Kanzelumuka (foto), bailarina (criadora-intérprete), pesquisadora e professora de dança. A conversa aborda a presença do corpo idoso na dança, seja no processo de pesquisa e inspiração para jovens artistas, seja na vivência prática do corpo idoso que dança. (Dia 3/10)
Foto: João Caldas Filho.
SANTOS
A comédia escrita pelo premiado dramaturgo argentino Carlos Gorostiza traz os atores veteranos Antonio Petrin e Roberto Arduin. A dupla interpreta velhos amigos inseparáveis e ex-jogadores de futebol que, ao relembrar o passado e discutir questões do presente e futuro, surpreendem-se por um convite inesperado que poderá transformar suas vidas. Acompanhando um dia no cotidiano dos septuagenários, o espetáculo aborda questões como o envelhecimento, a solidão, o medo da morte e a perda da independência. (Dia 4/10)
Foto: Silvia Machado.
SOROCABA
Un Ange Passe-passe ou Entre Les Lignes Il y A Un Monde
(Passou Um Anjo ou Nas Entrelinhas Tem Um Mundo)
O espetáculo, que já rodou o mundo e comemora os 30 anos da companhia francesa À Fleur de Peau, é uma ode ao silêncio, apresentada pela brasileira Denise Namura e o alemão Michael Bugdahn. A dupla radicada em Paris, além da interpretação, assina a concepção, coreografia e cenografia, com gestos precisos e sutis que unem humor e emoção. (Dia 11/10)
Suellen Leal.
BOM RETIRO
No dialeto tradicional japonês uchinaguchi, falado em Okinawa, oba nu mun significa coisas da avó. O espetáculo de dança contemporânea evidencia as relações sentimentais e as diferenças culturais entre uma avó e sua neta, a bailarina Lúcia Kakazo (foto) – que também assina a direção. A performance, que mistura dança com música folclórica japonesa e ocidental, parte dos objetos e relatos das memórias da avó de Lúcia, nascida e criada em um Japão pós-guerra. (Dia 5/10)