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Tecer para integrar

Entre linhas, agulhas e palavras, é possível compartilhar experiências e estreitar laços

 

Foto: Leila Fugii

 

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No agreste pernambucano, a 79 km de Recife, a cidade de Passira é conhecida como a Terra do Bordado Manual. Lá mora Maria Lúcia Firmino, fundadora da Associação das Mulheres Artesãs de Passira (Amap), que reúne 50 associadas, ou melhor, protagonistas que movimentam a economia local. Sentadas em roda – pela manhã ou à tarde, quando as crianças estão na escola e a comida já está pronta –, elas bordam tecidos e vivências. Em outra região do Brasil, no estado de São Paulo, a mesma troca se dá em oficinas de tricô e de crochê ministradas pela designer gaúcha Cristiane Bertoluci. Experiências que provam que, além de ofício ou lazer, o ato de bordar, tricotar ou tecer de maneira coletiva também é uma ocasião para compartilhar problemas, soluções e até mesmo fazer amizades.

Dona Lúcia, como é conhecida, aprendeu a bordar aos 8 anos de idade e nunca mais parou. Em meio a linhas e agulhas, ela encontrou um meio de sustentar a família e, também, de ajudar outras mulheres da cidade. “Nos juntamos não só para bordar, mas para saber uma da outra. Esse é um momento de descontração, um momento em que a gente troca experiências, dá conselhos e ainda tem novas ideias”, descreve. Atualmente, além da produção de bordados, a associação promove cursos na área rural, a fim de capacitar futuras bordadeiras e bordadeiros.

Como resultado, o empenho das artesãs potencializa-se a partir dessa troca no convívio diário. “Tem umas que chegam dizendo que não conseguem bordar de jeito nenhum e logo descobrimos que elas estão com algum problema. Às vezes é algum problema com filho, marido, ou financeiro, e naquela rodada a gente consegue ajudar com palavras. Isso é muito bom”, constata a bordadeira.

O mesmo aconteceu com a professora aposentada Sônia Regina Avelaneda, que há cinco anos participa das oficinas de tear no Sesc Pompeia. Um espaço e momento em que ela conheceu novos amigos. “Muitas amigas de outrora tomaram rumos diferentes e nos afastamos. Aí, depois dos 60, ao fazer meu primeiro curso de tear, fiz minhas principais amizades atuais. Com elas já fiz muitas viagens”, relata Sônia.



Feita de mãos e palavras

Criar um espaço para aprender e ainda trocar ideias também é o objetivo da artesã e professora de tricô e crochê Cristiane Bertoluci. Durante as oficinas, ela observa que a maioria dos participantes passa por três fases. “Na primeira, eles acham que não vão conseguir dar conta. Depois, ficam introspectivos, praticam o que aprenderam e percebem que é possível tricotar. Por fim, a boca fica livre e começam a conversar. Ou seja, nesse terceiro momento, estão todos tricotando duplamente”, brinca.

Além desse espaço de diálogo, durante a criação, a especialista em tricô pelo ateliê Knit-1 na Inglaterra percebe que as aulas ainda aproximam diferentes gerações. “Teve uma vez em que duas alunas de oito anos e uma senhora de 80 participaram da mesma oficina. No final, as meninas escutavam as histórias que a senhora contava. Depois, a ensinaram como funcionava um iPad”. Outro caso, recorda Cristiane, foi de uma aluna de 13 anos que, quando a artesã percebeu, já estava dando conselhos a uma mulher mais velha cuja filha tinha sua idade. “Essa troca intergeracional é impressionante”, constata.

Por causa desse escambo de conhecimentos, Cristiane acredita que um saber manual também tem o poder de transformar relações, como já havia percebido no começo da carreira como professora, há oito anos. “A gerente de recursos humanos de uma empresa montou um grupo de funcionárias para aprender a tricotar. Só que quando elas precisavam de ajuda, a psicóloga me disse: ‘Deixe que elas conversarão e resolverão juntas os problemas.’ Foi interessante descobrir essas outras facetas do trabalho manual”, arremata.

 


De ponto em ponto


Debates e oficinas ensinam práticas manuais
com agulhas, linhas, tecnologia e troca de experiências

Saber manual disseminado em diferentes culturas e épocas da história da humanidade, o bordado já foi considerado um dote imprescindível às mulheres pela rainha Vitória, no Reino Unido do século 19, ou um suporte para denúncias pelo grupo Arpilleras durante a ditadura militar no Chile. Entre pontos e agulhas, não só o bordado como o tricô, o tear, o crochê e outras técnicas de tecimento e costura permeiam conhecimento e troca de experiências quando praticados de maneira coletiva. Para compreender as diferentes aplicações dessa manualidade, a programação do Sesc São Paulo abarca uma série de ações ao longo do ano. Caso do projeto Entre Fios e Meadas, no Sesc Belenzinho, que abrange cursos, oficinas, vivências e bate-papos para todas as idades. Confira alguns destaques da programação de fevereiro:

 

BELENZINHO

Foto: Divulgação


Bate-Papo com as Bordadeiras de Passira – Associação das Mulheres Artesãs de Passira (Dia 15/2)
Nessa roda de conversa, quatro bordadeiras de Passira (PE), que há muitas gerações praticam o ofício do bordado manual, e que fazem parte da Associação das Mulheres Artesãs de Passira (Amap), contam suas histórias. Repleto de significados e memória, esse fazer e saber manual é fundamental para as mulheres daquela região. Mediadora desta atividade, a pesquisadora e designer Ana Júlia Lemos vai contar como criou com as artesãs, em 2014, o projeto Bordadeiras de Passira. Uma oportunidade para compreender a importância do artesanato como prática coletiva de mulheres.

 

Introdução ao Tear de Pente Liço, com Projeto Tear (Até 23/2)
Nesse curso, os participantes aprenderão os passos iniciais da tecelagem no tear de pente liço, passando por estruturas como o urdume, a trama e o ponto de acabamento peruano. Os pontos apresentados possibilitam a criação de tramas que podem ser utilizadas para a criação de peças diversas. O Projeto Tear faz parte da Rede de Atenção Psicossocial e é voltado à promoção da inclusão social pelo trabalho, cultura e convivência da população em situação de sofrimento psíquico e outras vulnerabilidades socioafetivas.

Foto: Divulgação

 

CENTRO DE PESQUISA E FORMAÇÃO – CPF
Moda e Têxtil Manual, com Cristiane Bertoluci (Dia 18/2)
Na ocasião, a designer e professora de tricô e crochê Cristiane Bertoluci vai falar sobre o objeto de estudo da dissertação em Têxtil e Moda apresentada na Universidade de São Paulo (USP-Leste) em 2018. Uma pesquisa em que destaca de que forma este saber manual atravessou séculos, influenciou sociedades e é aplicado na contemporaneidade.

 

IPIRANGA
Tricô e crochê, com Dulce Plaça (De 6/2 a 10/4)
Ensino de pontos básicos de tricô e crochê, por meio de técnicas e agulhas diferenciadas. Os participantes terão contato com combinações de pontos das duas técnicas, noções de modelagem, truques e facilidades.

Foto: Pixabay

 

 

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