Sesc SP

Matérias da edição

Postado em

Terceira idade
Atividades destinadas a grupos de idosos

"A questão da aposentadoria é muito grave porque as sociedades atuais têm atribuído ao trabalho o valor essencial da vida. Isso é tão forte em nossa cultura que na fase adulta a maioria dos indivíduos vive em função de duas grandes dimensões: trabalho e família. O que acontece na época da aposentadoria é que os indivíduos vêem rompido esse seu elo de interesse. Dessa forma, vivem um fenômeno psico, emocional e social de esvaziamento de papéis." As palavras de Marcelo Antonio Salgado, gerente de apoio operacional e estudos da Terceira Idade e coordenador do trabalho com idosos do Sesc de São Paulo, servem de base para explicar por que a questão do tempo livre na aposentadoria torna-se tão penosa para o idoso.

O que acontece é que, durante um longo período da vida, aquela pessoa que está entrando na chamada Terceira Idade conviveu com um tempo que tinha preenchimento objetivo e, de uma hora para outra, o tempo tão escasso passa a ser gigantesco e a pessoa cai na dimensão do ócio e do vazio. Como consequência, desenvolve-se no indivíduo a idéia de que ele não tem mais função, é incompetente, solitário e improdutivo.

O Trabalho Social com Idosos, que o Sesc desenvolve há 33 anos, objetiva destruir essa sentença. A entidade, a partir da programação de uma série de atividades, propõe uma nova visão ao tempo da velhice. Um sentido inédito para a vida com ênfase no convívio social, no desenvolvimento intelectual, no aprendizado cultural e na participação. A redescoberta do prazer de existir.

Um Mundo de Atividades

No Sesc Consolação, os equipamentos da unidade, como salas de aula, teatro, quadras e piscinas são bastante explorados pelo programa da Terceira Idade. As atividades mais procuradas são hidroginástica, natação e yoga, mas o baile e a programação cultural têm boa aceitação. Neste ano, até o mês de abril, a unidade apresentava 800 idosos cadastrados dos quais 90% eram mulheres. Esse dado tem várias explicações. A primeira delas baseia-se no fato de que, em todas as sociedades, a mulher vive de 10 a 15 anos a mais do que o homem. Além dessa constatação, o sexo feminino, por uma questão de educação, apresenta um temperamento mais disponível ao associativismo. Para Marcelo Salgado existe outro aspecto importante a respeito dessa predominância: "O homem que hoje está na Terceira Idade desenvolveu uma expectativa de vida centrada no trabalho e, assim, encontra uma limitação ao ver nesses programas uma fonte de enriquecimento. O que se observa é que os homens que, mesmo constrangidos, aproximam-se desses programas, passado o primeiro impacto aderem integralmente às atividades. A dificuldade é fazer com que eles iniciem o processo de participação."

Fora a programação esportiva, os idosos recebem palestras ministradas por profissionais específicos, participam de cursos e são estimulados a interagir com programas desvinculados da entidade, caso da campanha do Hospital São Paulo, que em abril vacinou pessoas com mais de 60 anos contra gripes e pneumonias, e da Primeira Caminhada do Idoso, que ocorreu no dia 27 de abril, no Parque do Ibirapuera. Essas atividades são comunicadas aos grupos através do mural de informações da Terceira Idade e têm o objetivo de conscientizar o idoso de que ele possui a cidade inteira ao seu dispor. "Nós tentamos mostrar com estas ações que o idoso é um cidadão tanto quanto qualquer outra pessoa e tem o direito de participar. Vemos claramente a importância do processo de sociabilização, da prática de atividades físicas, da ocupação da mente e da possibilidade de ter amigos. É essa a filosofia do trabalho social com os idosos", explica Regina Célia Sodré, psicóloga, animadora cultural e coordenadora da programação da Terceira Idade do Sesc Consolação.

As atividades externas acontecem, geralmente, em dois momentos específicos. Sempre que há alguma mostra interessante em museus e centros culturais são programadas visitas a esses espaços com o intuito de relacioná-las com algum trabalho interno que esteja abordando o tema da exposição ou que venha enfatizar aquele local, caso da visita ao Instituto Moreira Sales, no dia 17 de abril. Um segundo momento, sistematicamente abordado pela unidade, são as caminhadas ao ar livre por parques e áreas verdes da cidade.

Pernas, pra que te quero!

No dia 24 de abril, um grupo de 22 idosas saiu do Sesc Consolação às 9h para realizar uma caminhada no Horto Florestal, zona norte da cidade. O espaço, que durante algum tempo esteve abandonado, foi totalmente reestruturado e apresenta 174 hectares de área verde, dois lagos, grande variedade de plantas da Mata Atlântica e um museu, especializado em madeira. Durante o percurso de 3200 metros a monitora da caminhada, Cláudia Cássia de Campos, orientou o grupo para que mantivesse o mesmo ritmo e informou sobre alguns aspectos importantes do espaço. Terminada a atividade, Cláudia reuniu as idosas em torno de alguns exercícios de alongamento e às 15h foi feita a volta à unidade. A faixa etária das integrantes da caminhada oscilou entre 65 e 70 e a maioria das participantes têm o hábito de realizar atividades físicas. Leonor da Costa de Menezes, uma senhora de 70 anos, frequenta as aulas de ginástica para a Terceira Idade, no Consolação, há seis anos. Sempre que pode, realiza algumas caminhadas, não por áreas verdes, mas pela Rua 25 de Março onde, segundo conta, "pode se exercitar andando, ver o comércio e sentir o burburinho da cidade". Costumava frequentar o Horto com seus familiares, mas com o grupo de amigos que tem na Terceira Idade foi a primeira vez. Para ela, a iniciativa do passeio até o parque foi muito boa. "Tenho problema de ácido úrico e nas articulações. Quando fui à médica ela me disse para colocar as minhas meias Kendall e andar", conta.

Enquanto Leonor caminhava compenetrada e em silêncio, totalmente equipada com calça de moletom, camiseta, tênis e viseira, uma dupla muito animada batia um longo papo, logo atrás dela. Terezinha Magalhães e Regina Pereira, de calça jeans e bolsa a tiracolo, andavam em seu ritmo entre um comentário e uma gargalhada. Terezinha, de 69 anos, foi ao Horto Florestal uma única vez quando tinha 7 anos e no dia da caminhada reclamava por não poder andar no ritmo acelerado que gosta devido a um problema no pé direito. Habitualmente, Terezinha costuma dar cinco voltas caminhando em torno do Clube Paulistano. Da sua casa, na Rua Bela Cintra, até o clube, contando as cinco voltas e o caminho de volta ela gasta aproximadamente uma hora, e, depois de tomar um bom banho, encontra-se disposta para cumprir seus compromissos e frequentar a aula de hidroginástica no Sesc Consolação. Sua companheira de bate-papo, Regina Pereira, é igualmente ou até mais ativa que Terezinha. Com 65 anos, vai buscar os netos no colégio, participa das reuniões de pais, vai ao médico, ao dentista e às aulas de hidroginástica, dificilmente parando em casa. Tudo que faz é a pé ou de ônibus. "Sempre gostei muito de caminhar. Fui criada no interior e o ambiente do Horto é muito familiar para mim. Estou no céu. Hoje, devido à idade e a um problema de artrose no joelho direito, sinto mais dificuldade de andar. Mesmo assim, apesar disso e da diabete, minha endocrinologista me disse que o melhor exercício no meu caso é a caminhada", comenta. E quanto ao bate- papo? "Ah, estava dizendo para a Terezinha que se eu tivesse tempo estaria todos os dias no Sesc, porque a entidade sempre programa coisas pra gente da Terceira Idade. Eu, a Terezinha e uma outra amiga do Consolação formamos um trio inseparável que sempre faz coisas juntas. No último feriado nós fomos acampar."

Como o Sesc Consolação, a unidade do Ipiranga apresenta algumas atividades internas, específicas para os idosos. Desde 95 são oferecidos para a Terceira Idade alguns cursos, dos quais os idosos participavam e vão embora para as suas casas. A partir do ano passado, os responsáveis pela programação iniciaram um trabalho mais efetivo com esses grupos, com aulas abertas, palestras e atividades externas que convidavam o idoso à participação. Os grupos da Terceira Idade se adaptam à rotina da unidade, não havendo, por exemplo, uma caminhada só para os idosos, mas sim uma caminhada da qual o idoso também pode participar, juntamente com outras faixas etárias. Assim, são programadas caminhadas a diversos locais da cidade, como a Serra da Cantareira, o Parque da Aclimação e o Jardim Botânico, caracterizadas como atividades de baixa intensidade, sem contra-indicações. Como as caminhadas, acontecem também passeios de um dia, geralmente para as unidades de Interlagos, Itaquera e do interior do Estado. Para essa atividade, os locais visitados já têm programado um roteiro com jogos, oficinas, baile e shows musicais. Segundo Sílvio Luis França, coordenador da programação esportiva do Sesc Ipiranga, "como nós estamos desenvolvendo um trabalho com a Terceira Idade há pouco tempo. Mesmo assim, já estamos preparando uma série de atividades que serão adaptadas para os idosos, como cursos de bumerangue, arco e flecha e escalada monitorada".

Espaços Culturais da Cidade

Caminhadas e passeios de um dia sempre fizeram parte da programação para a Terceira Idade do Sesc Pinheiros. A novidade para esse grupo aconteceu o ano passado com as visitas monitoradas à Bienal. Uma idéia que surgiu com o objetivo de facilitar e reunir os idosos em torno de uma experiência que muitas vezes não foi consumada por falta de conhecimento ou mesmo pela ausência de um estímulo. "Levamos cerca de cem idosos à Bienal e realizamos palestras e bate-papo, mostrando o que era o evento. Posteriormente, os grupos que já tinham feito a visita contavam suas experiências a outros idosos. O que a gente notou é que eles têm um comportamento interessado em conhecer arte", conta Maria Alice Monteiro, da programação cultural do Sesc Pinheiros. Após essa primeira visita a um momento cultural da cidade, os responsáveis pela programação acharam interessante estender esse tipo de ação promovendo atividades que discutissem sobre história da arte, artistas, obras e iniciaram, neste ano, o projeto Encontro com Arte e Artistas. O programa é dividido em duas partes. A primeira prevê exposições de arte na própria unidade. Essas mostras seriam seguidas de workshops, realizados pelos artistas expositores sobre as técnicas da sua obra. O segundo momento visa visitas a museus, exposições em ambientes culturais, teatros, cinemas. "A idéia da programação não é exatamente ou não apenas o resgate e nem a integração do idoso com a cidade, mas é a volta do idoso à sociedade. Fazer com que ele seja uma figura atuante. Mostrar que arte é feita por homens para ser vista por homens e não essa coisa mistificada", explica Maria Alice.

A atividade que iniciou o Encontro com Arte e Artistas foi a ida ao MAM (Museu de Arte Moderna) no dia 15 de abril. A visita ao museu teve como pano de fundo a mostra do polêmico fotógrafo norte-americano Robert Mapplethorpe, que expôs em São Paulo 209 trabalhos com temas ligados ao erotismo e à sexualidade. O que Mapplethorpe mostra em sua obra dividiu muito a opinião do grupo da Terceira Idade, mas, de certo modo, apontou abertura e amadurecimento quanto ao que é retratado nas fotografias. Regina, que frequenta a aula de ginástica para a Terceira Idade, nunca imaginou que um dia estaria em uma exposição como a de Mapplethorpe. "Eu acho um pouco estranho o que está sendo exposto, mas é a realidade do mundo. Por mais que a gente queira esconder, a gente acaba vendo e tem de ser encarado com naturalidade. Talvez a gente fique chocado, porque somos um pouco antigos, mas é isso que o povo faz." Maria Odete Pereira de Almeida faz uso da sua idade, da vivência e da sua atuação como psicóloga para justificar por que as fotografias não a deixaram tão chocada. "Eu não vejo a exposição pelo lado pornográfico, mas muito mais pela quebra do preconceito do que pela valorização da sexualidade. O preconceito é o grande vilão da história e isso em todos os aspectos da vida. As coisas estão aí e nós temos de mostrá-las. Agora, a questão do homossexualismo choca a maioria das pessoas e para mim, apesar de não ser tão chocante, não é tão tranquila. Não posso ficar indiferente a essa realidade", aponta.

Outras visitas a museus foram realizadas nos dias 2 e 10 de abril, mas desta vez com os grupos do curso de História da Arte e de Desenho e Pintura para a Terceira Idade do Sesc Pompéia. A temática da mostra visitada não abordava apenas temas polêmicos, como a de Mapplethorpe, mas sim a obra do pintor italiano Morandi, da primeira metade do século, que foi exposta no Masp.

Maria de Lourdes frequenta o curso de Desenho e Pintura onde está tendo os primeiros contatos com pintura em tela. Antes de ir à exposição não sabia nada a respeito do pintor italiano e foi informada da visita ao museu no próprio curso. "Achei a exposição muito interessante porque Morandi tem um estilo só de pintura, que é o da natureza morta, como os conjuntos de potes. Fiquei muito empolgada com esse estilo e vou tentar desenvolver coisas do gênero." Já seu amigo Francisco Barbosa, que fez o curso para receber informações e adquirir experiência, achou a obra de Morandi "um tanto simplória". Segundo conta, "não deixei de gostar de tudo, mas só compraria dois quadros da exposição: um que retrata paisagens e outro coisas antigas, porque gosto mesmo é de pintar cascatas, recifes, pedras coloridas. Não gostei dos quadros em que ele retrata casas, sempre com telhado e paredão. Casa tem que ter porta e janela."

As visitas realizadas ao MAM e ao Masp servem para ilustrar por que o programa para a Terceira Idade se efetiva através de nucleações. Com as saídas em conjunto, os idosos se fortalecem e redescobrem a vida e o mundo através da participação. "Através do grupo eles têm a possibilidade de visitar um museu porque estão se encontrando, saindo juntos, conhecendo recursos culturais da comunidade e aprendendo. Assim, eles não se sentem emocionalmente diferenciados dos grupos etários mais jovens, que naturalmente fazem isso. É pela identidade do grupo que se cria o estímulo", aponta Marcelo Salgado.

Os encontros anuais que a entidade promove também são encarados como atividades externas, pois levam os grupos da Terceira Idade a se unirem em um mesmo espaço com o objetivo de integrá-los socialmente e fazer com que troquem experiências. No primeiro semestre acontece o Encontro de Esporte e Cultura, em Bertioga, e, no segundo, o Encontro Estadual de Idosos, que apresenta um caráter social e político e que este ano discutirá a Lei 8842 (Estatuto do Idoso). Entre os dias 6 e 12 de maio foi realizada a confraternização de idosos em Bertioga, com delegações de todas as unidades do Estado, e durante uma semana os grupos puderam participar de oficinas, atividades físicas, culturais e corporais que se desenvolveram em torno da temática Intercâmbio. "Todas as atividades realizadas em Bertioga têm o objetivo da troca de vivências e experiências, favorecendo o congraçamento entre eles", finaliza Marcelo.