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A Língua como Fator de Pertencimento

Ilustração: Marcos Garuti
Ilustração: Marcos Garuti

A Língua como Fator de Pertencimento

por Denise Orlandi Collus

“Quando eu cheguei aqui, eu estava
cego, mudo e surdo, uma vez que eu não
compreendia o que eu lia; não conseguia me
comunicar em minha língua e não entendia
o que as pessoas me diziam...”
                                            Thái Quang Nghiã,
        refugiado vietnamita, frequentador do Sesc.


A temática do refúgio em solo brasileiro é praticamente desconhecida do grande público devido ao número ainda modesto de pessoas que buscam o Brasil como país de destino. Número modesto se compararmos à gravíssima e inumana onda de pessoas que buscam refúgio em outras partes do mundo, como no continente europeu. Vivemos em um mundo no qual os números impressionam mais do que a imagem das próprias pessoas. Neste caso, a quantidade de pessoas em deslocamento significa maior ou menor ênfase na abordagem de sofrimento que cada uma delas vive e, neste caso, o desespero inimaginável na tentativa de cruzar uma ou mais fronteiras em busca de uma possível segurança.

O domínio da língua é um dos fatores basilares na integração do refugiado, fator que deve estar presente na acolhida e proteção deste indivíduo quando passa pelas fronteiras nacionais. Sua facilidade em comunicar-se com os cidadãos brasileiros o levará a uma melhor participação na vida social e cultural em seu novo habitat. Mas o principal desses fatores é a decisão dele(a) em permanecer no país. Quanto maior for sua inserção e autonomia, mais facilmente ele(a) compreenderá que a nova cultura não é um sistema fechado, que funciona como algo vivo, dinâmico e em constante mutação.

A atividade pioneira do Sesc em relação ao convênio com a Caritas e o ACNUR foi a criação do curso de Português para Refugiados, em 1996, no Sesc Carmo. Atualmente, é desenvolvido também nas unidades Bom Retiro, Belenzinho, Consolação e Pompeia. Cada inscrito recebe uma apostila contendo material elaborado especificamente para atender às necessidades rápidas e básicas de comunicação na sua nova realidade, tendo as unidades como espaço privilegiado para complementar o aprendizado.

O aprimoramento deste conteúdo é constante e dinâmico, pela diversidade de origens, variedade de indagações e necessidades que os alunos trazem aos encontros. Tornou-se um hábito chamar o espaço da sala de aula de “Território Neutro”, um convite ao convívio solidário entre as pessoas que se encontram diariamente durante os dois meses de duração do curso. As histórias pessoais dos participantes enriquecem e contribuem para uma experiência pouco comum, vivenciada pelo grupo, pelos docentes e pelos técnicos que acompanham os trabalhos.

Roupas exóticas, largos sorrisos, posturas e variedade de sotaques são marcantes; o novo marca as descobertas que todos têm pela frente, inclusive, aqueles de mesma nacionalidade. Códigos indecifráveis passam a ser percebidos e são objeto de curiosidade entre todos os frequentadores das unidades, em uma interação que no dia a dia vai sendo assimilada como natural. Rompendo o silêncio das línguas, exóticas ao primeiro contato, convivendo com a diversidade e aprendendo com as diferenças, tanto o refugiado como os frequentadores se percebem como parte de uma inexorável realidade.

A sociedade tem se sensibilizado em relação à questão humanitária presente nesse atendimento, que passou a envolver outras instituições e a ampliação de ações oferecidas pelo Sesc. O frágil momento em que os refugiados se encontram nesse acolhimento inicial precisa ser sustentado por uma sociedade solidária e envolvida com o tema, para colaborar na recuperação da autonomia e poder de escolha do sujeito em situação de refúgio.
 

Denise Orlandi Collus, mestra em Gerontologia Social, é assistente técnica da Gerência de Estudos e Programas Sociais.