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Um papo sobre educação não formal

Margareth Park e Renata Fernandes, organizadoras do livro sobre o Curumim<br>Foto: Adauto Perin
Margareth Park e Renata Fernandes, organizadoras do livro sobre o Curumim
Foto: Adauto Perin

Química, matemática, inglês, português, biologia. Todas essas palavras juntas fazem parte do cotidiano de um estudante. Mas isso, somente isso, define educação? Muitas instituições têm utilizado a educação não formal como possibilidade de complementar a formação de jovens e crianças.

Para debater sobre isso, a EOnline entrevistou Renata Fernandes e Margareth Park, organizadoras do livro “Programa Curumim: memórias, cotidiano e representações” lançado pelas Edições Sesc.  Renata é doutora em pedagogia com mais de 30 anos de experiência em educação. Margareth é doutora em educação e ex-diretora geral da rede municipal de ensino em Campinas.

EONLINE - O que é a educação não formal?

Renata Fernandes  - A educação não formal se refere a um campo educacional que tem autonomia e independência em relação ao campo formal. É uma educação que acontece em instituições ou fora delas, por meio de movimentos sociais, mobilizações e manifestações, associações, entidades, nos espaços da cidade, em interface com outras áreas do conhecimento, com intencionalidade e sistematização. Portanto, a educação não formal envolve processos formativos para além dos escolares, ainda que alguns lugares copiem o modelo escolar para suas ações.

Margareth Park - Compartilho a mesma concepção.

EONLINE – Quais as semelhanças e diferenças entre educação não formal e formal?

Renata Fernandes - A educação formal é responsável por promover o ensino dos conteúdos elencados como imprescindíveis para a formação desejada dos sujeitos, a instituição responsável por fazer isso é a escola. Logo, ela tem um currículo definido de antemão, tempos e espaços regulados e determinados, certificação e alto grau de reconhecimento.Entretanto, ela visa à formação prospectiva, com uso especialmente para o futuro. Já a educação não formal promove educação e formação de modos abertos e flexíveis, sem um currículo específico, com muitos projetos de formação de sujeitos envolvidos, sem contar com um órgão público que o normatize. Ela é voltada para as necessidades urgentes e atuais dos sujeitos e dos grupos humanos, portanto, o presente. Conciliar essas diferentes formações é de extrema importância. Ambas possuem experiências que se complementam, pois são promovidas por diferentes coletivos, instituições ou grupos, com seus recursos, suas capacidades e limites.

Margareth Park - Ambas podem promover a educação integral e integrada necessária aos indivíduos. O ideal seria que a educação não precisasse de adjetivos compartimentalizadores. Ela pode ocorrer em vários espaços de formas diferenciadas, sem competições.

EONLINE - Como a educação não formal pode auxiliar a educação de crianças e jovens?

Renata Fernandes - Ela auxilia partindo de problemáticas atuais e tentando encaminhar soluções para demandas não atendidas. Não é função da educação não formal fazer o “papel” da escola. Se a educação não formal absorve para si a tarefa de fazer o que é da educação formal estamos colaborando para o fim do ensino público e da obrigação do Estado de patrocinar uma educação escolar de qualidade para todos. A educação não formal auxilia quando oferece oportunidades para outras experimentações, vivências e exercícios de construção de saberes.

Margareth Park - O ethos da educação não formal pode propiciar um fazer educativo bastante prazeroso. O fato dos focos de trabalho partirem dos grupos é um belo exemplo, pois normalmente nos mobilizamos diante do que temos maior interesse.

EONLINE - Atualmente temos a disposição muitas informações, conhecimento e comunicação através da Internet. Como a educação não formal  auxilia na contextualização dessa realidade? 

Margareth Park - Um artigo publicado em 2015 que está embasado no último PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) da OECD (Organization for Economic Cooperation and Development) comprova que a intensidade do ensino digital não determina necessariamente melhores resultados no aprendizado. Diante disso, precisamos pontuar algumas considerações:

- A alfabetização digital é imprescindível, porém a salvação de nenhuma proposta educativa encontra-se aqui.

- O excesso de informações pode ser extremamente prejudicial sem mecanismos seletivos.

- A velocidade das mudanças implica em defasagem temporal, motivacional, gerando um descompasso que corroí interações educativas. Quando o equipamento chega, já está obsoleto.

Precisamos de investimento sério para programas educativos, sejam eles escolares ou não! As mudanças implicam em custos e nosso país tem, via de regra, oferecido propostas empobrecidas para as populações que estão em risco social. Oferecendo equipamentos e educadores competentes, o fazer não formal, calcado nos interesses do grupo e na liberdade se encarregará de produzir sentido e criticidade no uso dessas ferramentas que estão mudando a face do nosso cotidiano.

EONLINE - Por que devemos investir na educação não formal?

Renata Fernandes - Para oferecer uma gama ampliada de possibilidades de educação e de percursos formativos mais ricos e variados do que os restritos a escola, para que os sujeitos e os grupos possam ter outros lugares, espaços e tempos para a construção de suas trajetórias de conhecimento, com ou sem a tutela de outros e de instituições.

Margareth Park - Porque devemos educar em espaços diferenciados, pois uma educação verdadeira se dá nas mais variadas formas. A Educação deve ocorrer em todos os espaços da cidade, só assim seremos cidadãos que conseguem se apropriar de bens culturais existentes.

EONLINE - Vocês participaram do livro “Programa Curumim – Memórias, Cotidiano e Representações”. O que você pode falar a respeito desse projeto do Sesc SP em educação não formal?

Renata Fernandes - Esse programa é um belo e valioso exemplo de educação não formal com crianças. Um projeto de qualidade, com investimento de recursos humanos e financeiros, com estrutura teórica e metodológica que sustentam as ações educativas e respeitam as características da criança.

Margareth Park - Registrar um programa com a duração de décadas implica em um enorme um desafio. Primeiro, ter que assumir que produzimos uma versão e que muitas outras poderão surgir! Para muitas vozes contempladas outras tantas deixaram de ser, pelos mais variados motivos, tais como tempo,  amostragem e etc.

Entrevistamos gestores, educadores, coordenadores, crianças, famílias, intelectuais que se debruçam sobre conceitos vivenciados no programa na tentativa de compor um retrato amplo e significativo. Porém, de longe, a maior emoção foi ouvir e ver as produções dos curumins.

Como escritora e organizadora de inúmeras obras considero que foi uma das mais difíceis tarefas a "feitura" desse livro! Pensava sempre, enquanto trabalhava que criança é coisa muito séria e queria que elas se reconhecessem nesse livro. Além disso, que os adultos que passaram pelo programa pudessem se emocionar com as lembranças, que os educadores sentissem como são valorizados por suas ações, que as famílias se sentissem partícipes do Programa, que os gestores enxergassem a dimensão do que idealizaram. E ainda teria que ser um belo livro, pois a sacralidade desse objeto ainda é verdade indiscutível!

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Gostou de saber sobre educação não formal? Sabia que o Curumim é gratuito e está com as inscrições abertas? Para inscrever seu filho(a) procure a unidade de sua preferência aqui.