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VÍDEOS FEITOS COM SMARTPHONES MUDAM HÁBITOS E AMPLIAM LIMITES DA PRODUÇÃO AUDIOVISUAL

Quando nos anos 1960 o cineasta baiano Glauber Rocha popularizou a máxima “Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, os telefones celulares ainda estavam bem longe de ganhar o mundo. Com a invasão dos smartphones cinco décadas depois, a expressão parece ganhar novo sentido. Tendo apenas o aparelho, é possível não só registrar o cotidiano, mas também experimentar possibilidades da linguagem cinematográfica e compartilhar o resultado instantaneamente.

Além de uma mudança na relação das pessoas com eventos do cotidiano – basta ir a qualquer grande show para observar a quantidade de smartphones apontados para o palco –, essa facilidade representa também uma ampliação das fronteiras da produção audiovisual. “Do ponto de vista criativo, há novas maneiras de filmar”, aponta o professor de Comunicação e Multimeios da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Marcus Bastus, citando como exemplo os trabalhos do artista Lucas Bambozzi. “Ele tem desenvolvido obras de videoarte, videoinstalação e fotografia com imagens panorâmicas dentro de espaços mínimos que só são possíveis de filmar com uma câmera de celular.”

A democratização da produção audiovisual, na opinião do professor, quebra a relação entre produtores e consumidores de imagens. “E aí a gente não está falando necessariamente de um circuito audiovisual ou de artistas, mas da maneira como as câmeras foram ficando mais potentes, os aparelhos mais baratos e as tecnologias mais integradas com plataformas de publicação como YouTube e Vimeo”, explica Marcus. “Isso gerou uma cultura em que as pessoas colecionam imagens e vídeos de uma maneira absolutamente sem precedentes.”

Cineasta e criador do Festival do Minuto (festival que premia vídeos de até 60 segundos de duração), Marcelo Masagão lembra que o acesso a esses dispositivos não garante um olhar de cineasta. “A maioria das pessoas usa esses meios para captar imagens, sem muita preocupação com as possíveis conexões entre as cenas captadas, sejam elas estéticas, conceituais ou dramáticas”, avalia. “Um bom exemplo disso é a proliferação de vídeos de animais fazendo peripécias. Nessas imagens, quem está fazendo coisas curiosas e fantásticas são os animais, e não o ser humano portador do dispositivo eletrônico. Este simplesmente apertou o botão.”

Para Marcelo, a mudança ocorre quando se começa a pensar o filme em sua complexidade: “O grande passo em direção à linguagem se dá quando o captador de imagens pensa no corte, ou seja, na mistura de diferentes unidades de tempo e espaço. Aí ele começa a ter desafios interessantes para o desenvolvimento de sua narrativa. Nesse momento ele deixa de ser um simples captador de imagens e passa a ser um conector”.


MOBILIDADE

É possível detectar algumas características típicas dos vídeos feitos com celular, segundo Marcus. “Há uma mobilidade gigantesca de enquadramento e isso é muito usado por quem faz experiências com celular”, exemplifica. Além disso, o professor lembra que, por ser uma câmera com menos estabilidade, ela tem vocação para o movimento, o que pode gerar certa trepidação. “Algumas pessoas usam isso como um recurso criativo.”

Já a resolução da imagem, muito marcante na época em que surgiram as câmeras de celular, tem sido cada vez menos um problema. “O fato de ser uma câmera leve ainda perdura, mas o tipo de imagem que era associada à filmagem com celular foi desaparecendo, até porque hoje em dia existem câmeras que filmam em high definition”, observa Marcus.
Ao longo dos 24 anos no Festival do Minuto, Marcelo pôde observar que a qualidade dos vídeos muitas vezes se aproxima do nível das câmeras profissionais. “Às vezes se distingue claramente que ele foi captado pelo celular. Em alguns casos só não é necessário tomar remédio contra enjoo porque o vídeo dura apenas um minuto”, brinca. “Mas se o realizador compõe sua narrativa de planos mais calmos ou parados é impossível saber se foi feito com celular ou uma câmera profissional.”


TEORIA e PRÁTICA


CURSO ENSINA TÉCNICAS PARA A PRODUÇÃO DE NANOMETRAGENS, FILMES COM ATÉ 45 SEGUNDOS DE DURAÇÃO

Entre 7 e 30 de julho, o Sesc Pompeia ofereceu o curso Nanometragem, no qual os participantes puderam criar vídeos de até 45 segundos usando os próprios celulares. Nos encontros realizados às terças e quintas, o curso tratou de elementos da linguagem cinematográfica, como roteirização, enquadramento, tipos de planos, montagem e uso de elementos sonoros.
“Partindo do entendimento da linguagem cinematográfica, a ideia foi dar aos participantes ferramentas suficientes para criar vídeos e perceber o uso dessa linguagem audiovisual no dia a dia, seja no cinema, na televisão ou na internet”, explica a orientadora do curso e instrutora de internet do Sesc Pompeia, Erika Kogui. “Com a possibilidade de facilmente publicar um vídeo na web e compartilhá-lo nas redes sociais, esses pequenos curtas têm maior visibilidade e condizem com a dinâmica da visualização da internet, que é tão veloz e até mesmo efêmera”, afirma.