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Videogame na terceira idade
Presentes no dia a dia de muitas crianças e adolescentes, os videogames têm sido utilizados também como forma de promover a saúde na terceira idade. Quais os benefícios dos jogos para o condicionamento físico, o equilíbrio, a coordenação motora, as funções cognitivas e cardiovasculares? Analisam o assunto o diretor do Instituto de Geriatria e Gerontologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), Newton Luiz Terra, e os sócios da Game e Arte, Jaderson Souza e Tainá Felix. Veja aqui o conteúdo assinado pelos profissionais, atualizado.
A tecnologia como forma de promover a saúde
por Newton Luiz Terra
Por seus mistérios, o cérebro é considerado a última fronteira do conhecimento sobre o corpo humano. Relativamente pequeno, pesa entre 1 e 1,5 kg e é um órgão extremamente complexo. Contém 100 bilhões de neurônios, cada um ligado a milhares de outros. Esse enorme número de interconexões, chamadas de sinapses, permite o intenso fluxo de comunicações que, em última análise, nos torna humanos. Os sinais mais evidentes do processo de envelhecimento do cérebro são a redução da velocidade de absorver novos conhecimentos, da velocidade dos reflexos e da coordenação motora.
Durante anos, os médicos acreditavam que isso se devia à perda de neurônios. Pesquisas recentes apontam em outra direção: a queda do número de sinapses. Por sorte, ao identificarem o problema, os cientistas também apontaram a solução. Em qualquer idade, a criação de novas sinapses é uma decorrência do esforço que se exige dos neurônios. Trata-se de um processo similar ao do fortalecimento dos músculos em resposta à intensificação de atividades físicas. Assim, a leitura com reflexão, o aprendizado de uma nova língua, o convívio social, a informática, a realização de exercícios físicos, a realização de palavras-cruzadas, jogos de memória e mais modernamente os jogos de videogame induzem a novas conexões entre os neurônios.
Sabe-se que hoje é possível expandir capacidades mentais com a ajuda de jogos para o cérebro. Para milhares de pessoas que estão envelhecendo, a perda de memória é uma perspectiva assustadora. Muito se pergunta aos geriatras como retardar o processo de perda de memória e até mesmo o que fazer para evitar a demência, especialmente se houver história familiar da doença. Além do aumento do número de sinapses, os jogos de videogame funcionam como instrumentos de modulação cognitiva, por meio de alterações bioquímicas e na estrutura do cérebro. Entre as áreas estimuladas pelos jogos está a temporal, ligada à memória e à aprendizagem. Recuperam a memória e facilitam o registro de novas informações com melhor desempenho. Além disso, os jogos aumentam o fluxo sanguíneo dos lobos frontal e pré-frontal ligados à tomada de decisões, ao controle motor e à atenção.
As pessoas, à medida que envelhecem, passam por uma diminuição da função executiva no cérebro, necessária para memória, atenção, percepção e resolução de problemas. A prática de atividades que estimulam o cérebro é fundamental para que ele siga em pleno funcionamento. Muitos idosos estão motivados pelos jogos de videogame devido ao aspecto social da experiência, pois saem da posição de espectadores de programas televisivos para a interatividade e pelo desafio de suas capacidades específicas.
As tecnologias são apontadas como uma nova forma de promover as ações de saúde, já que a capacidade funcional e o bem-estar são fundamentais quando se pensa em envelhecimento com qualidade de vida. Os videogames podem ser considerados benéficos para esta geração tanto na prevenção como no tratamento de algumas enfermidades. Entre os videogames existentes no mercado, os mais utilizados pelos estudos para avaliar benefícios aos idosos são aqueles com potencial de estimulação cognitiva, envolvendo aspectos como memória, atenção e tomada de decisão.
Sem contar a melhora cognitiva, há outros benefícios já comprovados com os jogos de videogame. O videogame interativo disponibiliza à pessoa idosa a oportunidade de melhora do condicionamento físico, da força, do equilíbrio e desenvolve também o lado social e cultural. Assim, permite que o idoso possa exercitar-se através dos movimentos típicos de cada esporte simulado nos jogos dos videogames.
A realidade virtual utiliza-se de canais multissensoriais e possibilita ao usuário a navegação e a interação em um ambiente sintético tridimensional gerado pelo computador. Quando se joga videogame, é necessária a realização do movimento, que terá que ser contínuo e de forma repetitiva para que o objetivo do jogo seja alcançado. Como forma de tratamento, é exigido do paciente o envolvimento de uma forma lúdica no exercício, da melhor maneira possível, tendo a possibilidade de avançar e ganhar o jogo. Esses movimentos repetidos estimulam os sinais químicos para que voltem a ser levados de forma correta ao sistema nervoso, transmitindo novamente informações neurais benéficas ao tratamento.
Estudos com treinamento de idosos com videogame concluíram que o jogo ajudou a melhorar a capacidade cognitiva, em funções como concentração, agilidade com mudança de tarefas mentais e velocidade em que uma nova informação é processada. Os resultados comprovam que, quanto maior o período de treino, melhor será o desempenho da atividade cognitiva. Além disso, seis meses após os idosos pararem de jogar, foram testadas a atenção e a memória de curto prazo, e o resultado foi que essas habilidades foram mantidas, segundo Adam Gazzaley, da Universidade da Califórnia.
Contudo, existe a necessidade de um estudo mais amplo, com mais voluntários envolvidos, para avaliar se as melhorias cognitivas promovidas pelos games têm efeito de longa duração. Outros efeitos positivos são: a elevação da autoestima, o reconhecimento social, a tomada de decisões, o estabelecimento de estratégias de solução de problemas, isso tudo em função da inclusão que o jogo de videogame pode proporcionar ao indivíduo idoso.
Para os idosos saudáveis, o uso dos jogos propicia excelentes resultados no controle da marcha (velocidades e habilidades para andar) e é potencialmente benéfico para prevenir os dois grandes problemas de saúde pública dessa população: o declínio cognitivo e os problemas de equilíbrio, que aumentam a frequência de quedas. As sequelas das quedas, por sinal, estão diretamente relacionadas à morbidade nessa faixa etária. Lamoth C.J. demonstrou melhora no equilíbrio em idosos que praticavam exercícios em jogos de videogames ativos; além disso, os idosos se sentiram mais motivados à prática de exercícios por acharem os jogos desafiadores e divertidos.
Os jogos de videogame também estão sendo usados em tratamentos de pacientes com AVE (Acidente Vascular Encefálico) e Parkinson, tendo alcançado excelentes resultados na reabilitação desses pacientes, que, mesmo com habilidades prejudicadas pela doença, tiveram seu desempenho e suas demandas cognitivas e motoras melhoradas por meio do treino e com o auxílio da realidade virtual.
São vários os jogos de videogame utilizados pelos idosos, mas os que comprovaram os benefícios comentados são: Genius, Pong, memória, moeda, Nintendo Wii, Brain Age, Mindfit e Brain Fitness Program. Ainda que mais estudos a longo prazo sejam necessários para comprovar os mais variados benefícios para a saúde dos idosos, parece não haver dúvidas de que esses jogos, quando incorporados no dia a dia dos indivíduos, podem ser extremamente úteis na busca de um envelhecimento bem-sucedido, com autonomia e mais independência.
“As tecnologias são apontadas como uma nova forma de promover as ações de saúde. Os videogames podem ser considerados benéficos para a terceira idade tanto na prevenção como no tratamento de algumas enfermidades”
Newton Luiz Terra é médico geriatra e diretor do Instituto de Geriatria e Gerontologia
da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS)
(Ilustração: Marcos Garuti)
Os games como linguagem
por Jaderson Souza e Tainá Felix
É fato que os jogos digitais, mais comumente chamados de videogames, estão presentes no dia-a-dia de muitas crianças, jovens e adolescentes. Menos evidente e emoldurando nossas ações do cotidiano, temos o próprio conceito de jogo. Eu jogo, tu jogas, ele joga. Sim! Conforme colocado por Johan Huizinga, filósofo mais recorrente nas pesquisas acerca da compreensão do conceito de jogo, ainda em 1938, “é no jogo e pelo jogo que a civilização surge e se desenvolve”.
Nos últimos cinco anos, temos nos dedicado à realização de atividades que favorecem a construção de conhecimento a partir de nosso objeto de pesquisa, os jogos digitais. Em tempos em que discutimos a qualidade da educação em nosso país, é interessante incentivarmos nossas crianças a construir saberes a partir de uma linguagem que compreendem tão naturalmente quanto o ar que respiramos. Assim, atividades mediadas por professores e que trabalham diversas questões - como o trabalho em equipe, exercícios físicos e até a prevenção ao alcoolismo -, são criadas e apresentadas aos nativos digitais (PRENSKY, 2007), pessoas que já nasceram com o advento de tecnologias como a internet, celulares, tablets e videogames.
Até então, tudo funciona muito bem na lógica aristotélica. Mas e se invertêssemos os papéis e pensássemos na relação entre jogos digitais e a terceira idade? E se os imigrantes digitais (PRENSKY, 2007), pessoas nascidas antes dos adventos tecnológicos citados, pudessem compreendê-los e utilizá-los em seu dia-a-dia? Haveria interesse? Ao contrário do que poderíamos imaginar, tais respostas mostraram-se surpreendentes - e muito além de simplificarmos os games em meras ferramentas.
Apresentamos nosso ponto de vista e considerações a partir de duas atividades desenvolvidas por nós e incluídas atualmente em nosso cardápio de atividades.
“Chá com Games: Games para a terceira idade” trouxe uma proposta de integração da terceira idade com o mundo dos jogos digitais. A partir da dualidade vivência - reflexão, tivemos durante dois meses de atividades sessões que misturavam a vivência com videogames e boas conversas - regadas a chá - acerca do conceito de jogo e suas aplicações no dia-a-dia.
Realizado junto a unidade do Sesc Ipiranga, o curso contou com grande empenho das participantes, que permitiram-se dar tempo aos novos experimentos e fizeram parte de um incrível espaço de troca de experiências e conhecimentos.
Curiosamente, o corum foi 100% formado por mulheres. Trazendo consigo toda sua bagagem de vida, elas se surpreenderam com o conteúdo do curso que, além da vivência, trazia o conceito de jogo absolutamente ligado à própria vida. “Eu nunca pensei que iria aprender sobre isso um dia!”, disse uma das participantes. Assuntos como a atenção, memória, resolução de problemas e a relação da terceira idade com os jogos foram abordados a cada semana, incentivando as próprias participantes a trazer informações e materiais para o encontro, como revistas e jornais, por exemplo.
Após alguns encontros, muitas participantes relataram que haviam perdido o medo de brincar com seus netos “naquelas máquinas estranhas”, e que agora passariam a se aventurar com eles. Outras ainda revelaram que ao jogar se esqueciam de tudo e o mundo parecia-lhes mais leve: “isso aqui é pra ficar muitas horas, até queimar o feijão!”. Ainda, todas concordaram que os games poderiam deixa-las mais concentradas e atentas, caso fossem praticados frequentemente.
Realizada junto ao Sesc Santana, a intervenção "Exergames para a Terceira Idade” foi conduzida ao contexto específico do treinamento corporal, buscando pensar e exercitar o corpo em sua completude de ações e pensamentos. Realizada junta ao espaço da academia, a proposta buscou apresentar uma experiência diferente e inovadora ao treino semanal dos participantes, enfatizando o teor intergeracional da programação da unidade.
Com os chamados Exergames, games controlados com movimentos corporais e que privilegiam a prática de exercícios físicos, foram apresentadas pontualmente questões como o equilíbrio, coordenação motora, ação e reação e treinamento cardiovascular. Além de demonstrar a possibilidade da prática de exercícios de maneira lúdica, tivemos a preocupação em apontar o relacionamento dos videogames com tais aspectos relacionados à saúde e bem estar.
Novamente, o público predominante - praticamente 100% -, fora composto por mulheres. “Vamos fazer exercícios com a televisão? Como assim?” Algumas indagaram. Rapidamente, o estranhamento tomou ares de curiosidade e sede por novos conhecimentos: “Como funcionam estes sensores? Posso ter um desses na minha casa?"
Nesta ocasião, pudemos observar algumas semelhanças e diferenças relevantes quando nos referimos ao treinamento sistemático feito geralmente nas academias e o treino livre que propusemos ao público da terceira idade. Por estarem acostumados com o sequenciamento de exercícios dentro do ambiente da academia - importante processo advindo das metodologias de treinos do corpo - algumas sentiram dificuldade na compreensão do espaço proposto por nós como livre. A partir deste estranhamento, dosar o nível de liberdade e sistematização tornou-se fator importante para a compreensão de que seria possível exercitar-se a partir de novas tecnologias como os games e especialmente contando com a mediação de profissionais especializados.
Vivências como estas nos mostram o quanto o campo dos jogos digitais é imenso e pode apresentar cultura e novos saberes àqueles que permitem-se "pelos jogos serem jogados" (Petry, A., 2010). Por um lado, estudos da área de cognição mostram que os jogos digitais podem ser grandes aliados da terceira idade, apresentando exercícios para a memória, lógica e reflexos. Apoiados na teoria da plasticidade cerebral (Wikipedia, 2011) e em estudos que apresentam resultados quantitativos, concordamos que os games podem mobilizar diversas faculdades mentais e treiná-las.
Com a geração de games de movimento, também pode-se treinar o corpo, como o equilíbrio, coordenação motora, reflexos ou até mesmo funções cardiovasculares. Muitos são os exemplos espalhados pelo mundo desta pioneira prática. Nos EUA, já existem torneios de boliche digital em casas de repouso de vários estados do país. Os benefícios físicos no treinamento com os games de movimento são visíveis se praticados diariamente e com a presença de profissionais capacitados.
A integração geracional também é algo previsto e notável. Tomando os games como linguagem, a terceira idade pode se aproximar mais dos nativos digitais - seus netos e (possivelmente) filhos -, criando-se uma relação oportuna à construção de saberes por ambas as partes através da educação informal.
A relação entre games e a terceira idade nos traz algo além do treinamento cognitivo e motor que, ainda que funcionais e divertidos, podem facilmente cair na tentação de torná-los meras ferramentas. Tomados como arte, temos uma relação de tenra liberdade, de conhecimento sendo construído de maneira surpreendente, algo parecido com o que as crianças sentem quando se deparam com algo inédito. Um suspiro de coragem, e algo novo é experimentado. Uma nova reflexão sobre o que realmente é o jogo, e uma experiência de sua adolescência agora parece fazer todo sentido. Na vivência com games, conhecimentos podem ser construídos, tais como ocorrem em um objeto de arte: fugindo das mãos de seus próprios criadores (STEIN, 2011) . Ao embarcar no universo dos jogos digitais, a terceira idade traz consigo um universo de vasto repertório, reavivando memórias e ressignificando o jogo da vida que jogamos e que, ao mesmo tempo, somos jogados.
“A integração geracional também é algo previsto e notável. Tomando os games como linguagem, a terceira idade pode se aproximar mais dos nativos digitais - seus netos e (possivelmente) filhos -, criando-se uma relação oportuna à construção de saberes por ambas as partes.”
Jaderson Souza é Mestre em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (com apoio de bolsa CAPES)
e especialista em Produção e Programação de games pelo SENAC-SP.
Tainá Felix é formada em Comunicação das Artes do Corpo pela PUC-SP.
Referências
HUIZINGA, JOHAN. Homo Ludens: O Jogo como Elemento da Cultura. Ed. Perspectiva, 2008.
PETRY, ARLETE DOS SANTOS. O Jogo como Condição de Autoria e da Produção de Conhecimento: Análise e Produção em Linguagem Hipermídia. Tese de Doutorado realizada pela PUC-SP, 2010.
PRENSKY, MARC. Digital Game Based Learning. Ed. Paragon House, 2007.
SANTAELLA, LUCIA. O Que é Semiótica. Ed. Brasiliense, 2003.
SOUZA, JADERSON. Paradigm Shift: Uma Aventura em Busca do Jogo. Dissertação de Mestrado realizada pela PUC-SP, 2011.
STEIN, ERNILDO. Pensar e Errar – Um Ajuste com Heidegger. Ed. Unijuí, 2011.