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Com startups e empresas de pequeno porte, Brasil deixa para trás o modelo romântico de uma ideia na cabeça e um computador na mão e busca crescer no mercado de jogos digitais


O enredo parece pouco verossímil, mas é real: o primeiro jogo brasileiro a ganhar uma versão para PS4 e a ser financiado pela Lei Rouanet começou como um trabalho de conclusão de curso. Criado em 2010 por quatro estudantes de uma especialização em Jogos Digitais no Rio Grande do Sul, o game Toren teve uma trajetória que tende a se tornar cada vez mais comum no Brasil. Com empresas pequenas, startups e desenvolvedores independentes, o país busca acertar o passo com um mercado que desponta globalmente – segundo a PricewaterhouseCoopers, o setor deve movimentar mais de 82 bilhões de dólares neste ano.

De acordo com o Mapeamento da Indústria Brasileira e Global de Jogos Digitais, a estimativa é que o mercado brasileiro mova em torno de 3 bilhões de dólares anuais. Em 2013, foram produzidos mais de 1.400 jogos – a maior parte para computadores, celulares e tablets, e desenvolvidos por empresas de pequeno porte. Quase 75% delas faturam até 240 mil reais ao ano e têm em média 8,5 pessoas, entre sócios e colaboradores. Esse perfil das empresas tem como vantagem a maior liberdade de criação, considera o professor do Departamento de Artes Visuais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte Roger Tavares: “Em uma empresa grande, normalmente, não se tem contato com o jogo todo, apenas com partes isoladas dele, e não se criam laços afetivos com o produto”.

Na opinião do Coordenador do Laboratório VisionLab da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Bruno Feijó, pode-se dizer que a indústria brasileira de games vive um bom momento, principalmente pelo aumento das plataformas móveis. “Comparativamente, o mercado de games nacional vive uma situação muito melhor que em 2002, quando o país começou a se organizar mais nessa área, tanto na pesquisa quanto no ensino e na indústria”, analisa. “Apesar disso, a indústria brasileira de desenvolvimento de jogos ainda é incipiente. Há exemplos de sucesso, mas também há muitas dificuldades.”

O vice-coordenador da pesquisa Mapeamento da Indústria Brasileira e Global de Jogos Digitais, Davi Nakano, observa que o Brasil passa por um paradoxo: apesar de ser o quarto maior consumidor de games no mundo, o país ainda é coadjuvante na produção de jogos. Uma das fragilidades, segundo o especialista, que é professor do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, estaria nas etapas após o desenvolvimento, como a distribuição e a promoção. “Além da adaptação às novas formas de monetização, que ainda estão se desenhando e afetam produtores do mundo inteiro, outro ponto é que o número de jogos disponíveis nas web stores é muito grande, e fazer um jogo aparecer está cada vez mais caro”, afirma. “Um terceiro aspecto é que, por uma certa imaturidade, o produtor nacional tem pouca visão de como colocar o produto no mercado. Ele pensa em um jogo interessante, mas não em como isso vai ser monetizado.”

Divulgada pelo Banco Nacional de Desen­vol­vimento Econômico e Social (BNDES) em 2014, a pesquisa sobre a indústria de games brasileira lista sugestões para suprir as lacunas do setor. As ações vão desde a abertura de oportunidades de financiamento para empresas pequenas até maneiras de incentivar a permanência dos profissionais da área no país. Davi explica que os produtores nacionais são tecnicamente competentes, mas há carência de profissionais experientes. “Isso acaba atrasando a produção. Por outro lado, existe hoje um ambiente mais favorável às startups, então incentivá-las é outra ação possível.”

Esse investimento, lembra Bruno Feijó, representaria um retorno não só para o setor. “O desenvolvimento de games é a Fórmula 1 da computação. Você tem diversos desafios e isso impacta outros setores produtivos, porque a tecnologia utilizada é a mesma de outros campos que envolvem simulação e visualização, como TV, cinema digital, energia, petróleo, manufatura, segurança e defesa”, diz. “Por isso, investir ou fortalecer essas startups de games é fortalecer várias áreas em que o Brasil pode ser competitivo internacionalmente.”


Facilitadores
Assim como a proliferação dos smartphones e tablets significou um aumento no consumo, a distribuição digital também passou por mudanças marcantes nas últimas décadas. Sites como o Steam, lançado em 2003, ofereceram novas funcionalidades e serviços complementares para desenvolvedores e usuários. Outra novidade na divulgação dos games é a popularização da figura dos “youtubers”, jogadores que fazem resenhas e tutoriais de jogos em canais do Youtube – no Brasil, canais como o VenonExtreme chegam a ter mais de 3,8 milhões de inscritos.

“Facilitadores como softwares e metodologias, tutoriais, redes sociais e jams [encontros de desenvolvedores para criar jogos] são importantes porque às vezes a pessoa está supermotivada, mas demora para ver resultados e acaba ‘deixando pra lá’”, explica o professor Roger Tavares, que também nota a existência de um novo tipo de motivação. “Hoje o jovem consegue se enxergar trabalhando na indústria de games, algo que era mais do que um sonho na minha época, nos anos 1970. Assim, pode-se enxergar a produção de games como uma profissão, e não apenas como um hobby.”

Roger também considera que o futuro desse mercado pode estar nas startups. “A startup é para as empresas o que o namoro é para o casamento. Se der errado, que se parta logo para outra startup. Se der certo, parte-se para a pequena empresa ou para a incubação ou pré-incubação”, compara. “De todo modo, as pessoas precisam se capacitar. Não se trata do modelo romântico de uma ideia na cabeça e um computador na mão. Vai muito além disso.”


Knights of pen and paper
A Behold Studio nasceu em 2009, no Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Universidade de Brasília. Fora da incubadora, a empresa enfrentou dificuldades e, durante meses, as reuniões da equipe aconteceram em uma livraria de Brasília. Knights of Pen & Paper foi o jogo que mudou o rumo do estúdio. Com 15 nomeações no exterior e sete prêmios nacionais e internacionais, o jogo possui uma estética que lembra a dos jogos Atari, da década de 1980.

Fragmentorum Alba
O jogo nasceu de uma game jam realizada em dezembro de 2012. Depois disso, Tiago Rech, então com 22 anos, e mais três colegas, abriram a Otus Game Studio. Desde então, o estúdio conquistou destaque em eventos, como o primeiro lugar no Desafio Games Sebrae, e foi finalista na Indie Speed Run 2013. Em desenvolvimento para ser lançado para smartphones neste ano, o jogo Fragmentorum Alba é um game investigativo de horror, e foi o primeiro a ser gerado por uma aceleradora de startups digitais no Rio Grande do Sul.

Toren
O que começou como um trabalho de conclusão de curso foi o primeiro jogo a receber financiamento da Lei Rouanet, em 2013, e em breve será a primeira produção brasileira a ganhar versão para a plataforma PS4. No game, do estúdio Swordtale, que possui um enredo que explora a condição humana de luta contra a mortalidade, o jogador controla uma princesa aprisionada toda a vida em um castelo abandonado. O jogo recebeu menção honrosa no Independent Games Festival, importante premiação de jogos independentes.