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Alimentação Sustentável

 


Correntes críticas à forma de alimentação industrial que concebe a comida como mercadoria propõem uma nova concepção para o sistema agroalimentar mundial. Ele seria baseado na produção de alimentos seguros para a saúde humana, com respeito ao meio ambiente, garantindo a segurança do trabalhador e possibilitando o crescimento da economia. O engenheiro florestal e professor na área de Agroecologia e Sistemas Agroflorestais do programa de pós-graduação em Agroecologia e Desenvolvimento Rural da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) Fernando Silveira Franco e o consultor em Desenvolvimento Sustentável Antonio Lombardi analisam o assunto.




DO MATO AO PRATO
por Fernando Silveira Franco



Para pensar e falar sobre alimentação sustentável, precisamos ter uma imagem dessa combinação de palavras tão abrangentes,
importantes e ao mesmo tempo complexas, principalmente quando colocadas juntas. O termo sustentável indica uma
qualidade de algo, que implica a capacidade de ser sustentado por uma série de fatores que se relacionam em uma teia de interações causais, recíprocas e complexas.


Inicialmente essa palavra foi relacionada ao termo desenvolvimento, que por si só também é muito abrangente, mas sempre
relacionando às questões ambientais, principalmente a partir da Rio 92, a Conferência Mundial de Meio Ambiente, em que a
sociedade como um todo começa a ver a necessidade de repensar padrões de desenvolvimento que tivemos até então e como
isso tem afetado o ambiente e a qualidade de vida de todos no presente, e olhar para o futuro que deixaremos. Considerando
assim que essa qualidade de ser sustentável deve abranger além da questão econômica, aspectos ambientais, sociais, culturais,
espirituais, de forma equilibrada.


A tarefa de dar a nossa alimentação a qualidade de ser sustentável implica olhar para uma teia produtiva, partindo das mãos do
agricultor que semeia até as mãos que levam a comida às bocas da totalidade de seres humanos do planeta. Isso seria mais fácil se olhássemos a agricultura como arte de colher o sol, como dizem os chineses. Porém, o sistema agroalimentar mundial tem passado por um processo que se distancia cada vez mais dessa visão cultural, poética, estética e ética, caindo em questões muito complexas e contraditórias, que envolvem toda a vida do planeta, desde o ecossistema e a biodiversidade até as pessoas, que, segundo dados da FAO [Food and Agriculture Organization é uma agência norte-americana que lidera esforços internacionais para combater a fome] somam 842 milhões no mundo que não têm acesso à mínima quantidade de alimentos para uma dieta saudável e outros tantos milhões que têm acesso aos alimentos, porém de baixa qualidade nutricional e contaminados com agrotóxicos.


A produção, o processamento e a distribuição dos alimentos são feitos pelo ambiente, pessoas, instituições, organizações e agricultura – e esta, em última instância, acaba por afetar em seu processo produtivo todos os aspectos do sistema alimentar, pois utiliza no mundo 37% dos empregos, 34% da terra disponível, 70% da água e é responsável por 30% da emissão de gases de efeito estufa.


A partir dos anos de 1970, a produção mundial de alimentos aumentou de maneira exponencial, com o argumento de acompanhar as projeções de crescimento populacional e suprir possíveis defasagens do setor energético, processo chamado de Revolução
Verde. Isso resultou em aumento do rendimento da produção agrícola, fazendo com que os preços dos alimentos, como commodities e também para abastecimento interno, caíssem ano a ano. Porém, depois, na década de 2000, sucessivos acontecimentos, como a crise do setor petroleiro, o aumento da demanda mundial por alimentos e também eventos meteorológicos extremos, fizeram com que os preços dos alimentos como exportação aumentassem, gerando crise nos países importadores e consequentemente nos países mais pobres, onde a produção de agroalimentos é insuficiente, contribuindo dessa maneira para o aumento da fome no mundo.


Além disso, grande parte da produção de alimentos tem sido desperdiçada, devido aos precários sistemas de transporte, armazenagem e distribuição, pelo fato de o alimento ser produzido longe dos consumidores. Já tem sido provado que a quantidade de alimentos produzida seria suficiente para alimentar a população mundial, porém a distribuição é desigual, trata-se muito mais de uma questão política e ética do que técnica. Falar, então, em alimentação sustentável significa gerar alimentos seguros para a saúde humana, com respeito ao meio ambiente, garantindo a segurança do trabalhador e possibilitando o crescimento da economia. Isso nos remete à ideia de soberania alimentar, que não é possível sem a preservação das diversidades existentes nos ecossistemas, na natureza, na cultura e na sociedade.


Ainda que seja possível alimentar toda a humanidade com os alimentos obtidos na agricultura praticada atualmente em larga escala, com ela será sempre impossível eliminar a dependência dos agricultores aos pacotes tecnológicos procedentes dos países centrais e das grandes corporações multinacionais. Também não se pode falar em soberania alimentar com a predominância de uma dieta baseada em poucas espécies vegetais e com uma base genética que se estreita a cada dia, desprezando nossa rica diversidade biológica e social. A homogeneização cultural é tão grave quanto a homogeneização genética, e ambas contribuem para uma sociedade cada vez mais insustentável. Uma das políticas de inclusão social deveria ser de fato promoção da agricultura familiar, sendo um fator essencial para qualquer política de erradicação da pobreza e segurança alimentar, porque, entre outras razões, sua produção abastece o mercado interno de alimentos e de matérias-primas.


Assim, contribui para a alimentação da população brasileira por meio da produção de 87% da mandioca, 70% do feijão, 58% do leite e 46% do milho, entre outros, segundo dados do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística]. Além disso, contribui de forma significativa para as cadeias agroexportadoras, como a de suínos, com 59%; a de aves, com 50%; a de café, com 38%; e da complexa soja, com 16%, entre outros. É importante entender que a busca por soluções para a sustentabilidade do sistema agroalimentar, por meio da agricultura familiar, deve começar no âmbito das comunidades e propriedades rurais, valorizando, ao mesmo tempo, a experiência dos produtores e os avanços científicos.


Essa é a visão que agroecologia enquanto abordagem de mudança de paradigma de desenvolvimento rural traz como contribuição, onde a pesquisa e desenvolvimento atuam em estreita colaboração com produtores, com objetivos coletivos de melhorias técnicas, econômicas e sociais dos sistemas de produção. É necessário também um grande protagonismo social, caracterizado pela autodeterminação das pessoas, com direito a uma vida digna e ao exercício da cidadania. Na agricultura, isto significa domínio sobre os processos tecnológicos e independência na organização da atividade, inclusive no autoabastecimento. No consumo, significa acesso a alimentos de qualidade e a saúde, informações claras, por exemplo, a rotulagem de produtos contendo transgênicos entre outras coisas.


A agroecologia preconiza a organização de mercados justos e solidários, de circuitos curtos de comercialização, onde a ética e a solidariedade sejam norteadoras na relação entre produtores e consumidores de alimentos, não mais de simples mercadorias, como as que encontramos no sistema atual. Nem a diversidade biológica e sociocultural, nem o protagonismo social serão alcançados se não dispusermos de ciência e de tecnologia capazes de atender a essas crescentes demandas sociais. Para isso, é necessário repensar o papel do Estado e das políticas públicas. Como dizia Boaventura de Sousa Santos [sociólogo português]:
necessitamos de uma ciência prudente e um sentido comum esclarecido, dando lugar a outra forma de conhecimento e a uma nova configuração para o saber, que sendo prático não deixa de ser esclarecido e que sendo sábio não deixa de ser democraticamente distribuído. Logo, quando se fala de agricultura e alimentação sustentável, se remete a estilos de agricultura de base ecológica que atendam a requisitos de solidariedade entre as gerações atuais e destas para com as futuras gerações, o que alguns autores chamam de uma “ética da solidariedade”.



“A agroecologia preconiza a organização de mercados justos e solidários, de circuitos curtos de comercialização, onde a ética e a solidariedade sejam norteadoras na relação entre produtores e consumidores de alimentos, não mais de simples mercadorias, como as que encontramos no sistema atual”


Fernando Silveira Franco é engenheiro florestal, professor na área de Agroecologia e Sistemas Agroflorestais do programa de pós-graduação em Agroecologia e Desenvolvimento Rural da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) e Coordenador do Núcleo de Agroecologia Apetê-Caapuã da UFSCAR, campus Sorocaba

 


COMER BEM, VIVER BEM
por Antonio Lombardi



Obrigado por ler este artigo! Isso já demonstra que você é uma pessoa interessada em ter uma vida boa. Mas… o que é mesmo ter uma vida boa? Se você pensa que ter uma vida boa é ganhar muito dinheiro e uma bela casa na praia, errou. Viver bem é outra coisa. Viver bem é viver com qualidade e não importa em que lugar do mundo você mora ou no que trabalha. Para viver bem não precisa ganhar uma fortuna, basta ser inteligente. E isso eu sei que você é!


Viver bem é viver com qualidade e daqui pra frente você nunca mais vai dizer por aí que busca qualidade de vida. O que você deseja é uma vida com qualidade. E você pode ter uma vida com muita qualidade sem muito esforço. Vamos do começo: o que é preciso para viver com qualidade? Saúde! Claro. De que adianta ter um belo salário, uma casa linda, uma família equilibrada se você não tem saúde para desfrutar de nada disso? Agora você vai querer saber como ter uma boa saúde… Comendo bem! E comer bem não é, de jeito nenhum, comer muito. Comer bem é comer coisas boas.


Agora você deve estar pensando que vou começar a falar que toda a comida industrializada é ruim (e é mesmo) e que tudo o que é produzido em grande quantidade não funciona etc. e tal. Não, não vou. Afinal de contas você é inteligente e já sabe disso. O que vou dizer é que para ter uma alimentação saudável você não precisa nem gastar muito, nem depender de grandes redes de supermercados, nem de grandes empresas. Tem uma coisa simples que nós esquecemos faz tempo: produzir nossa própria comida. Não estou querendo que você volte para as cavernas, nada disso.


Eu nasci numa fazenda, e a primeira vez em que entrei num supermercado para comprar leite, manteiga, queijo, ovos, frango, carne de porco, verduras e frutas eu tinha 15 anos. Foi horrível. As coisas não tinham e não têm gosto. Por que eu levei um susto? Porque todas essas coisas minha família produzia em casa. E você também pode fazer uma pequena horta em seu quintal ou pelo menos plantar uma laranjeira. Não precisa usar nem um grama de adubo; com o tempo a terra vai se nutrindo e produzindo cada vez melhor.


Mas, se você é preguiçoso, não tem problema. Basta você começar a preferir os alimentos produzidos localmente, perto de você. Duvido que na sua cidade não tenha nem uma pessoa vendendo frutas, verduras ou ovos que ele mesmo produz. Até em São Paulo, que é uma cidade bem complicada, a gente consegue comprar verdura orgânica entregue em casa duas vezes por semana. Sabia dessa? Pois é, tem. E quando a gente prefere as coisas que são produzidas na cidade da  gente começamos uma relação diferente com o lugar onde a gente vive e com as pessoas. Parece distante, mas sempre que a gente inicia um movimento desses contribui de um jeito muito bacana para a sustentabilidade local.


Preferir produtos locais, respeitando a época de produção e as estações do ano, garante mais do que apenas boa saúde e uma vida boa. Garante que outras famílias vão poder sobreviver. Afinal de contas, quando você gasta seu dinheiro na sua cidade com coisas que são produzidas aí, o dinheiro fica na cidade e é reinvestido aí mesmo, gerando benefícios e prosperidade localmente. E não pense você que essa ideia é minha. Em muitos lugares do mundo essa é a coisa mais moderna que existe, sabia? Em muitos lugares dos Estados Unidos e da Europa as pessoas preferem tudo que é produzido na cidade delas. Na Itália, de onde vem minha família, é muito comum os pequenos restaurantes que têm horta e pomar nos fundos; temperos, verduras e algumas frutas são produzidos ali mesmo.


E quem já comeu uma galinha caipira não esquece. Ovo caipira também. E você está enganado se acha que galinha caipira é aquele bicho duro e quase selvagem que se vê por aí. A principal diferença entre a galinha caipira e da de granja é que a caipira é criada solta. Solta num galinheiro, claro, mas solta e com um galo para fazer compania. Isso faz com que ela cresça mais sossegada, ciscando e pastando. A carne tem uma qualidade nutricional muito melhor e os ovos são mais saborosos. Dia desses um casal amigo passou uma semana comigo no sítio. A filha deles, que tem 2 anos, toma todos os dias de manhã uma mamadeira
de leite com uma gema dentro. Pois bem, nessa semana que passaram lá as mamadeiras foram feitas com o leite da minha vaca e com as gemas dos ovos das minhas galinhas. Aí eles voltaram para São Paulo, e a menina simplesmente não quer mais tomar leite de caixinha e muito menos ovo de granja…


Agora toda semana mando uma dúzia de ovos para São Paulo. As crianças sabem das coisas… Afinal de contas, a pequena Amália descobriu uma coisa simples: leite com gosto de leite.


Se você começar a cultivar sua própria horta, vai descobrir que não precisa de agrotóxico em nada, nem gastar fortunas com adubo. Basta misturar na terra cascas de fruta e de legumes em vez de jogar no lixo. Você também vai descobrir que os legumes e as verduras são na verdade menores que os do supermercado. E muito mais gostosos. Dá trabalho? Claro que dá! Mas aí você vai entrar no círculo virtuoso de produzir a própria comida e é assim que vai descobrir que esse é um prazer imenso! E também que as coisas são muito menos complicadas do que parecem no começo.


Envolva toda sua família e se quiser comece com coisas simples. Por exemplo: plante alho num vaso. Escolha uma bonita cabeça de alho, separe os dentes e coloque-os na terra. Molhar uma vez por dia, sem encharcar. Cada dente que você plantou vira uma cabeça de alho. Depois é só arrancar, lavar, deixar secar e usar. Será o melhor alho de todos os tempos, eu garanto. E pode apostar que sempre vai aparecer um avô, uma avó ou uma tia velha de alguém se lembrando de como é que se faz as coisas. Afinal de contas, faz muito pouco tempo que a gente mora nas cidades. Nossas famílias vieram do campo, onde elas se alimentavam muito bem, por sinal.


Não perca a oportunidade de ter uma vida boa. Comece pelo prato. E não fosse por tudo isso, plantar o que a gente come é uma forma muito bonita de cuidar da gente mesmo e da nossa família. É, sobretudo, uma forma de amor que pode chegar aos nossos vizinhos e amigos. E, se outras pessoas resolverem entrar nessa com você, será ótimo. Podem combinar o que plantar e trocar produtos. Assim o milagre do alimento vai se espalhando pela sua rua e de repente toma conta de toda sua cidade.


Viva bem! Seja feliz!



“Se você começar a cultivar sua própria horta, vai descobrir que não precisa de agrotóxico em nada, nem gastar fortunas com adubo. Basta misturar na terra cascas de fru ta e de legumes em vez de jogar no lixo”


Antonio Lombardi é consultor em Desenvolvimento Sustentável e autor do livro Créditos de Carbono e Sustentabilidade (Companhia Editora Nacional, 2008)