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Silvio Meira




O professor fala sobre as dificuldades de empreender no Brasil, a inserção dos negócios no ambiente das novas mídias e o financiamento coletivo



Professor do Departamento de Informação e Sistemas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Silvio Meira é autor de Novos Negócios Inovadores de Crescimento Empreendedor no Brasil (Casa da Palavra, 2013), entre outros livros. É especialista em Ciência da Computação, com ênfase em Engenharia de Software, atuando nos temas de máquinas sociais, sistemas de informação, software livre, redes sociais, performance, métricas e qualidade em engenharia de software. Em entrevista para a Revista E, Meira fala sobre o empreendedorismo no Brasil, o impacto das novas mídias nos negócios e o financiamento coletivo. A seguir, trechos.



Como anda o empreendedorismo no Brasil e quais são as dificuldades de empreender no país?

Há muita energia empreendedora no Brasil, é a parte boa de sermos o “país do jeitinho”, pois o jeitinho – o bom, do bem, da gambiarra como começo de solução... – é uma forma criativa de empreender a solução de problemas que empatam a realização de alguma coisa. Por outro lado, ainda há muito empreendedorismo de necessidade por aqui, aquele que existe unicamente para garantir a sobrevivência do empreendedor, e há muito empreendedorismo de baixo impacto, com muita gente empreendendo só porque “está na moda”. E as dificuldades de empreender no Brasil são conhecidas: somos um dos países mais confusos, complicados e arriscados do planeta, para qualquer tipo de negócio, novo ou velho. O Brasil está em 116º lugar no índice global (do Banco Mundial) de facilidade de fazer negócios, 40 posições atrás da Mongólia, e atrás do Paquistão e da Guiana.



Seu livro mais recente, Novos Negócios Inovadores de Crescimento Empreendedor no Brasil, não trata somente de empreendedores da área das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), mas qual é o papel dos empreendedores de TICs no Brasil?

Estamos no auge de uma onda de inovação global de, em e com TICs, e é natural que um grande número de novos empreendimentos seja dessa área. Seria muito estranho se assim não fosse, ainda mais porque empreender em TICs, pelo menos no começo de um negócio, é muito mais barato do que em química ou petróleo, por exemplo. A quantidade de problemas e oportunidades de qualidade, em TICs, é muito grande, e o empreendedorismo nesta área sempre pode ter alcance global, ou no mínimo muito maior do que local, porque, com tudo em rede, o problema de entrega não depende de logística física para um grande número de negócios. No topo disso, TICs habilitam quase todos os negócios hoje, da mesma forma que a eletricidade, a partir do começo do século passado, passou a habilitar os negócios de então. Se hoje é quase impossível pensar em um negócio sem eletricidade, nem que seja em seu contexto, amanhã será impossível, muito provavelmente, pensar em qualquer negócio “sem TICs”.



Quais são os erros que dificultam o empreendedorismo no Brasil? Por que há tantas empresas que surgem em incubadoras e, quando vão para o mercado, não sobrevivem?

O caso das incubadoras é paradigmático para quem quer entender o estado de coisas do empreendedorismo nacional: as incubadoras de empresas (especialmente intensivas em ou “de” tecnologia) são muitas e potencialmente tão relevantes, aqui, porque não há uma rede de investimentos e investidores capaz de correr, de forma ampla, o risco empreendedor no país. Esse é o nosso maior problema (e não, por exemplo, a escassez de empreendedores). As incubadoras tentam suprir essa “falha” do mercado de criação de novos negócios, mas o fazem, quase sempre, de forma básica, quase sempre centrada em tecnologia e não no negócio, e sem os fundos e as conexões que poderiam alavancar – muito e rapidamente – os negócios incubados. O resultado é a criação de um ambiente de ficção, onde os negócios ficam em um limbo, protegidos, entre os laboratórios das universidades e o mercado. E, quando partem para o segundo, encontram-se com o que poderíamos chamar de “dura realidade”, da qual é muito difícil se esconder. Quase ninguém sobrevive, no médio prazo.



É uma deficiência do ensino no Brasil essa falta de conhecimento na área? A escola poderia aparelhar melhor o cidadão disposto a criar seu negócio?

Empreendedorismo como escola, ao invés de escolas de empreendedorismo, pode ser o meio pelo qual um país, região ou empresa capacitará, de maneira bem mais eficaz, seus futuros empreendedores.



Por que a questão dos custos é um ponto complicado para os empreendedores?

Não deveria ser, pelo menos pra quem está minimamente preparado pra empreender, não é? Porque a sobrevivência de um negócio depende de uma só equação, facílima de entender: Receita – Despesa > 0. As receitas têm que ser maiores do que as despesas, para sobrar alguma coisa, o lucro. Se todos os empreendedores tivessem o mercado como foco de sua ação e energia, a complicação seria bem menor, pois essa é a equação essencial, lá. Se ela não for satisfeita, você tem um problema radical.



A burocracia é um fator que dificulta, ou o que atrapalha é o gasto com impostos?

O que atrapalha, mesmo, no Brasil, é o que se poderia chamar da “grande complicação brasileira”. Não só nossos impostos estão entre os mais altos do mundo, mas a burocracia para estar em dia com eles é a mais complicada do planeta. É quase impossível andar na linha com a carga tributária brasileira, tamanha a dificuldade de fazê-lo. Quer ver? Na África Subsaariana, uma empresa gasta 314 horas/ano para pagar impostos; na América Latina, são 369 horas/ano (incluindo o Brasil na média). No Brasil? Pasme: nada menos que 2600 horas/ano! (Os dados são do Banco Mundial.) Se a gente simplificasse os processos, mantendo a mesma – e quase impossível – carga tributária, já seria uma grande mudança para melhor.



Você acha que o crowdfunding (financiamento coletivo) pode ser uma opção no empreendedorismo no Brasil? O financiamento coletivo é uma opção mais fácil e prática do que iniciar todo um projeto sozinho ou via startups, incubadoras ou incentivos do governo?

Crowdfunding pode ser uma boa alternativa. O pessoal do EuSócio [plataforma para investimento coletivo em startups] está propondo uma alternativa muito interessante, chamada de equity crowdfunding,  modalidade de financiamento coletivo que habilita a captação de recursos por empreendedores com ideias inovadoras, por meio da internet, de investidores que acreditem nos projetos, oferecendo, em troca, uma participação societária nos negócios. Pense numa bolsa de valores virtual, mas com você se envolvendo diretamente como sócio de um novo negócio.



E qual é o papel do governo nesse meio? Ele ajuda ou atrapalha? O que você tem acompanhado que vale destaque?

O papel do governo, no que tange à criatividade, inovação e, principalmente, empreendedorismo, deveria ser 1. educar, para estabelecer as bases sobre as quais as pessoas vão tentar fazer todo o resto; 2. criar oportunidades, para elevar o patamar a partir do qual investidores e empreendedores trabalham; e, por fim, 3. sair da frente, para simplificar a vida de todo mundo. O governo brasileiro está muito longe de cumprir seu papel em qualquer um desses três eixos.



Qual seria um meio de incentivar o empreendedorismo de oportunidade no Brasil?

Simplificar o Brasil, pelo menos um pouquinho (por exemplo, reduzir em 50% o tempo gasto para pagar impostos), já seria um bom começo; melhorar o ensino médio e técnico de forma radical, também; envolver as universidades com as demandas do mercado, tirando-as do casulo, seria muito relevante também. Ou seja: precisamos mais de ação estruturadora de fato para habilitar a criação de negócios de alto impacto do que de propaganda para estimular o empreendedorismo ingênuo.



As redes sociais quebraram o monopólio da mídia tradicional ou é uma afirmação que ainda necessita de tempo para ser averiguada?

Eu acho que a internet quebrou o monopólio da mídia clássica, e isso ocorreu na década de 1990, em tese; na prática, foi preciso chegar a uma situação em que pelo menos a metade da população tivesse acesso à rede para que a rede mudasse quase tudo ao seu redor. As redes sociais online são quase uma consequência de uma grande proporção das populações online, pois somos – os humanos – gregários por excelência. De certa forma, não há novidade nas redes sociais online; elas não foram “inventadas”, mas são uma transposição das redes sociais da vida real para a internet. Claro que, quando você, lá na rede, dessincroniza, deslocaliza e digitaliza as relações, reduzindo a geografia (potencial) a um ponto, muita coisa interessante começa a acontecer. Inclusive a notícia (e não a análise dela, necessariamente) se disseminando na rede, muito mais do que nos mecanismos clássicos. E isso não tem volta.



As mobilizações lançadas a partir das redes sociais mostram que há outro tipo de opinião pública, mais politizada e mais atenta?

Não sei, acho que ainda não. Como muita gente está em rede, é muito mais fácil criar qualquer movimento online, especialmente nas redes sociais. Mas há muito pouca opinião política consciente, quando se olha de perto e se considera o que é política de fato; há lados, posições, há uma balbúrdia, mas não há um debate verdadeiro, que possa levar à formação de consensos que, por sua vez, levem a mudanças. Ainda mais, o impacto das mobilizações online é baixo, pelo menos agora; para mudar o mundo, parece que ainda é – e por muito tempo será – ir para a rua, e a gente viu que as redes, passada a explosão de junho/julho passados, voltaram à norma de muita reclamação (quase sempre sem destino) e pouca ação. Mas há uma novidade: como a representação democrática clássica faliu, as redes sociais podem ser um dos ambientes onde o exercício da democracia se dê, inclusive no futuro próximo.



Você acredita que a internet tenha democratizado as oportunidades?

Sim, para todos. Como a rede é (ainda é, e espero que continue) um espaço global, a nossa oportunidade de atingir o mercado mundial é tão boa, em princípio, quanto a de quem está fora daqui chegar aqui... e isso é (sempre) uma grande oportunidade e uma grande ameaça, porque negócios que eram essencialmente locais se tornam, em rede, quase sempre globais.



Você é otimista diante do futuro da internet, em seu molde atual, ou receia pelas tentativas de cerceamento, em geral partidas de governos?

No longo prazo, a maior consequência das revelações de Edward Snowden pode vir a ser o redesenho dos sistemas de governança da internet mundial. A insatisfação com um modelo de articulação e coordenação da internet centrado nos e a partir dos Estados Unidos, sob potencial influência da Casa Branca, é antiga, mas, partindo do princípio de que dos males o menor, era melhor deixar como estava, porque a alternativa, a UIT [agência da ONU especializada em tecnologias de informação e comunicação, a União Internacional das Telecomunicações foi cogitada a ser o órgão gestor da internet], nem pensar. Afinal de contas, a internet e seus modelos de governança, inovação e evolução sempre foram a antítese (para muito melhor) do foro da ONU que governa as telecomunicações globais. Só que os documentos de Snowden mudaram tudo, e não necessariamente a favor da UIT como novo (ou velho?) ambiente de governança da rede. Já não há mais um consenso de que a rede pode ser gerida, por e para todos, a partir dos Estados Unidos. E este é o ponto de partida para a proposta de um seminário global, no Brasil, em abril de 2014, para desenhar novos caminhos para a governança da internet. Tomara que o bom senso prevaleça e um modelo de governança global parecido com o brasileiro – que contempla representação estatal, empresarial, terceiro setor, ciência, tecnologia, inovação e cidadania – seja encaminhado a partir daí.




“Tecnologias da Informação e Comunicação habilitam quase todos os negócios de hoje, da mesma forma que a eletricidade, a partir do começo do século passado, passou a habilitar os negócios de então”

 

“Precisamos mais de ação estruturadora de fato para habilitar a criação de negócios de alto impacto do que de propaganda para estimular o empreendedorismo ingênuo”



“De certa forma, não há novidade nas redes sociais online; elas não foram “inventadas”, mas são uma transposição das redes sociais da vida real para a internet”

 

“Como a representação democrática clássica faliu, as redes sociais podem ser um dos ambientes onde o exercício da democracia sedê, inclusive no futuro próximo”