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Vanguarda musical




Walter Franco fala sobre a formação no teatro, a polêmica dos festivais e o ritmo próprio de produção



Um compacto e seis discos ao longo de mais de 40 anos de carreira. Para alguns pode parecer pouco, mas Walter Franco tem certeza de que sua obra está completa. Nos anos 1960, frequentou a Escola de Arte Dramática (EAD), na Universidade de São Paulo (USP), e, em 1968, passou a se dedicar à música, ao participar do Festival de Música Universitária da TV Tupi.


Outro momento marcante de sua trajetória foi a participação no movimento das Diretas Já, que na fase final da ditadura militar no Brasil ganhou as ruas das principais cidades do país, entre 1983 e 1984, para exigir eleições diretas para a Presidência da República. Nesse período, sua música Seja Feita a Vontade do Povo alçou o posto de hino da campanha. O músico lembra com emoção de ter interpretado a canção em abril de 1984, no Vale do Anhangabaú, povoado por um milhão de pessoas cantando em coro.


Um de seus grandes discos, Revolver, lançado em 1975, traz no título uma referência ao clássico homônimo dos Beatles (1966), mas Walter menciona que a inspiração vem do verbo “revolver”, que significa misturar, remexer. Na apresentação feita na Virada Cultural, em maio de 2013, o cantor apresentou esse disco na íntegra, o que, em sua opinião, foi uma boa oportunidade para mostrar a sua música a uma nova geração de fãs. “Acho que estou sendo descoberto e que há público para a minha música”, afirma. A seguir, trechos do depoimento concedido à Revista E.


A experiência dos festivais


Minha carreira começou em festivais universitários da TV Tupi [O Festival Universitário da Canção Popular foi realizado pela TV Tupi em quatro edições (de 1968 a 1971)].  Participei de todos eles. Sempre com destaque e gerando polêmica, porque a primeira música que entrou em um deles, em 1968 – Não se Queima um Sonho –, foi escolhida, pessoalmente, para ser interpretada pelo Geraldo Vandré. Por isso, considero marcante o início da minha trajetória.
Acho que sinto falta de eventos como os festivais, pois seria uma maneira mais veloz de revelar artistas, mas hoje é tudo tão diferente... As mudanças trazidas pela internet são irreversíveis.


Infância e memórias literárias


Passei a infância tendo acesso à biblioteca de meu pai [o escritor e político Cid Franco]. Desde garoto, lembro que ele me colocava no colo para brincar de “arruma uma rima para isso”. Eu exercitava meus pensamentos nessa brincadeira. A palavra sempre esteve presente em minha vida. Tenho os detalhes da biblioteca do meu pai até hoje na memória e com muita saudade. Nela meu pai recebia os amigos, e eram conversas interessantes que eu podia acompanhar, sentado no tapete. Eu era bem pequeno, mas já com lucidez suficiente para observar aquilo tudo. Era uma experiência brilhante, porque me acrescentava muito.
Uma coisa era a leitura do poema de Drummond (1902-1987), outra era vê-lo conversando. Ele, Manuel Bandeira (1886-1958) e tantos outros.


A convivência com escritores e poetas despertou e fortaleceu o meu gosto pela literatura. O que sem dúvida influenciou o meu trabalho na música.


Hino das Diretas


Nos anos de 1980, Seja Feita a Vontade do Povo foi considerada a música oficial da campanha pelas Diretas Já. Eu a compus por convicção. Não recebi nenhuma encomenda ou motivação financeira para essa criação. Foi envolvimento político e ideológico pelo fato de eu ter vivido essa história. Pertenço a uma geração que viveu os dois momentos, antes e depois do golpe [que instaurou a ditadura militar em 1964].


A música foi encaminhada a uma reunião do comitê suprapartidário da campanha das Diretas. E lá eu a apresentei com voz e violão. A canção foi rapidamente aprovada, o que muito me honra. Em decorrência disso fiz shows em São Paulo e em todo o interior. Terminei no Anhangabaú cantando com voz e violão para um milhão de pessoas, em 16 de abril de 1984, momento que ficou marcado em minha carreira.


Ao meu lado estavam políticos como Tancredo Neves (1910-1985), Leonel Brizola (1922-2004), Lula, o futuro presidente do Brasil, e nós, os leigos, torcíamos para que tudo fosse adiante. Não sabíamos o que estava acontecendo por baixo. A campanha não vingou, mas foi um movimento fundamental para a evolução do país.


Talento das artes dramáticas


Quando entrei para a Escola de Arte Dramática, nos anos 1960, eu era um rapazinho muito tímido, mas me sentia em casa. A EAD ficava onde era a Pinacoteca do Estado, depois foi transferida para a USP.


As nossas turmas eram o que havia de melhor em termos artísticos, com nomes como Ney Latorraca e tantos outros, que não continuaram como atores, mas tornaram-se professores de atuação.


Acabei usando toda a minha experiência da EAD na música, pois estudei história do teatro, além de fazer exercícios físicos e de dicção. Nos meus discos, cada música tem um personagem cantando um timbre, dando uma interpretação. Essa dinâmica aconteceu graças ao teatro.


A EAD foi para mim o máximo. Faço questão de contar uma experiência que tive com o teatro grego. Uma companhia teatral grega esteve no Brasil e eles foram procurar alunos que pudessem ser figurantes da apresentação que fariam no Theatro Municipal de São Paulo – aliás, lembrei-me dessa história ao me apresentar no mesmo local durante a Virada Cultural de 2013, pois foi ali que tudo aconteceu.


Foi assim: Um intérprete acompanhava o diretor, que tinha um timbre de voz ameaçador. Falava de um jeito que nos intimidava bastante, ecoava aquela voz pelo teatro. A certa hora, o intérprete agradeceu a minha presença e me dispensou. Perguntei qual era o motivo e ele disse que o diretor não iria me aceitar como figurante por causa da minha barba.
Rapidamente, por inspiração divina, tive a seguinte reação: “Diga ao senhor diretor que a sua companhia teatral vem ao Brasil e não volta mais e que minha barba, se eu tirá-la, volta a crescer”.


Só isso. O diretor se levantou da cadeira e continuou falando com a voz ácida. Assustado, perguntei o que estava acontecendo. Ao que o intérprete respondeu: “O senhor diretor está elogiando, dizendo que, como um simples aluno, você é um exemplo de profissional. Ele está chamando a atenção de todo o elenco para a sua atitude e o senhor está dentro”. E assim eu consegui. O artista tem que ter essa presença de espírito. Essa foi uma das minhas grandes vitórias no início da minha carreira.
 


“Acabei usando toda a minha experiência da EAD [escola de arte dramática] na música, pois estudei história do teatro, além de fazer exercícios físicos e de dicção. Nos meus discos, cada música tem um personagem cantando um timbre, dando uma interpretação”