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Reinvenção do trabalho




As tecnologias da informação modificaram o cotidiano da execução de tarefas e contribuíram para a criação e transformação de profissões




Agente de inteligência, analista técnico em inteligência, técnico em inteligência. Estas são apenas algumas das novas profissões surgidas da expansão da Tecnologia da Informação no mercado de trabalho. Pelo menos, é o que divulgou o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em janeiro de 2013, com a atualização da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), lista das atividades profissionais do país para uso de órgãos governamentais, como o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e a Receita Federal. O arquivo, que passa a ter 2.619 ocupações, contou com a revisão de 60 itens. Das novidades, nove são relacionadas à tecnologia da informação.


Foram também incluídas duas novas famílias ocupacionais para agrupar as profissões da área: profissionais e técnicos da inteligência. Ou seja, 18% das alterações da lista correspondem à emergência de novas profissões decorrentes das inovações tecnológicas. A revolução da informática e das redes também alterou, em alguns casos drasticamente, o trabalho de áreas tradicionais, como a do Direito e a da Educação, além de ocupações ligadas ao setor de serviços, que exigiram dos profissionais novas habilidades técnicas e comportamentais.


O caso dos bancários é elucidativo desse processo. Uma parte desses trabalhadores migrou dos balcões de caixa para a gerência de contas, o que demanda novas habilidades em contabilidade, economia e administração. Essas áreas de conhecimento, por sua vez, são facilitadas pelas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) com programas direcionados à “engenharia financeira”. A rotina do professor também passa por constante transformação com a incorporação das novas tecnologias e da internet nas estratégias de ensino e aprendizagem, e a difusão dos cursos a distância, que padronizam as aulas, racionalizando os processos didáticos e diminuindo a liberdade na organização das disciplinas. “Esse processo de racionalização se disseminou no trabalho industrial ao longo do século. Agora, ele está nos serviços. Ora, os serviços pressupõem uma relação que é pessoal e se presta mal à racionalização, mas a tendência inerente da TIC é essa”, afirma o professor do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) Leonardo Mello e Silva.


De acordo com ele, que também é organizador, com Elísio Estanque, do livro Facetas do Trabalho na Contemporaneidade: Diálogos Luso-Brasileiros (Appris, 2012), a sociedade atual passa por uma reconfiguração do trabalho de serviços e de parte do trabalho industrial, que vive o conflito entre o controle externo – a necessidade de seguir protocolos e procedimentos – e o controle do próprio trabalho, seu tempo e sua forma de execução. “Eu não penso que as TICs trouxeram maior liberdade para o trabalhador de serviços. As pressões se tornaram mais intensas, de maneira que o que se ganha por um lado (o gerente de conta que sai do caixa de banco) se perde por outro (a exigência de cumprimento de metas)”, diz. 


Para a professora e coordenadora do curso de Ciências Sociais da Universidade Metodista de São Paulo e coautora do livro Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil (Boitempo, 2006), Lucieneida Praun, essa reconfiguração no mercado de trabalho é desdobramento de uma intensa onda de inovações tecnológicas, que se torna evidente nos anos 1980, cujas bases são o desenvolvimento da microeletrônica e da informática. Articuladas à internet, elas potencializaram os meios de informação e comunicação em escala global, interferindo em diferentes aspectos da vida social. “As ondas de inovações tecnológicas são comumente conhecidas como revoluções técnico-científicas e fazem parte da trajetória de formação do sistema capitalista. Esses ciclos normalmente são ‘puxados’ por determinados setores ou ramos produtivos”, afirma. Como exemplo, Lucieneida cita o papel da máquina a vapor, na segunda metade do século 18, que transformou a produção industrial. Um século depois, o desenvolvimento do motor a combustão seria a base do que passaríamos a chamar de sociedade do automóvel. “As ondas de desenvolvimento tecnológico são resultado do processo de concorrência capitalista e cada uma delas impõe novas necessidades de formação da força de trabalho”, analisa.


Rapidez de um lado, precarização de outro


Dentre os impactos das novas tecnologias no mundo do trabalho está a eliminação progressiva de postos de trabalho, que pode se dar pela substituição do trabalhador por uma máquina, como os caixas eletrônicos no setor bancário, ou pela adoção, por parte das empresas, das práticas de multifuncionalidade e polivalência, ambas potencializadas pela presença dos computadores, robôs e outros recursos tecnológicos, afirma Lucieneida. Em ambas as situações, observa-se a diminuição da quantidade de trabalhadores para execução das tarefas. Parte das consequências desse processo é o aumento do ritmo e intensidade do trabalho, o que resulta, de forma crescente, no adoecimento dos profissionais, que desenvolvem lesões por esforços repetitivos (LER), distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (Dort), estresse ou depressão.

 

Por outro lado, hoje, o home office, ou trabalho remoto, se tornou realidade para muitas pessoas, graças aos computadores portáteis e ao acesso à internet. A possibilidade aberta por algumas empresas de que seus funcionários trabalhem um ou dois dias por semana de suas casas é vista pelo sociólogo Domenico De Masi, autor de Ócio Criativo (Sextante, 2000), como solução para diversos problemas urbanos e do trabalho. “Todos os que desempenham trabalho intelectual poderiam trabalhar de casa. Teríamos uma economia, para os trabalhadores, de tempo, dinheiro, eles conviveriam mais com a família e teriam uma vida melhor”, afirma. “Já a empresa precisaria de menos espaço, teria menos desperdício de energia e menos conflitos. Para a cidade, haveria menos trânsito e poluição”, conclui De Masi na palestra Gestão na Educação e Criatividade, realizada em outubro, no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc.


As transformações ligadas à aceleração do ritmo de transmissão de informações também contribuíram para a intensificação do trabalho. Um dos exemplos mais emblemáticos é o do mercado financeiro: os mesmos ativos, ações e títulos são negociados em bolsas de países diferentes em tempo real, sem parar. “No campo do trabalho industrial, as tecnologias aceleraram o ritmo de valorização do capital, pois a distância entre a produção e a venda diminuiu, variações de demanda e de produto têm respostas mais rápidas e as entregas podem ser feitas hoje a partir de várias fontes, graças ao just-in-time, ao global sourcing”, diz Leonardo Silva, da USP.


Segundo o especialista, os efeitos dessa aceleração para o trabalho são o aumento das exigências de performance do profissional, o que se traduz em ritmos mais intensos de trabalho e flexibilidade no emprego da mão de obra. “Flexibilidade de uso do tempo de trabalho, de funções alocadas a ele e, finalmente, flexibilidade salarial”, acrescenta. Porém, essa configuração fluida esbarra nas regulações do Direito do Trabalho, que consagra a estabilidade necessária à vida, explica Silva. Na opinião de Lucieneida, se a economia passou a operar de acordo com a demanda do mercado, o trabalho também passou a ser submetido a essa lógica. Por isso, os contratos por tempo parcial, terceirizados, com prestadores de serviços, entre outras formas, se expandiram. Ampliou-se também o contingente de trabalhadores submetidos à informalidade, à dupla ou tripla jornada. “Salvo raras exceções, a inserção das novas tecnologias tem acentuado a precarização do trabalho”, analisa.


Para o professor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), campus Marília, autor de Dimensões da Precarização do Trabalho – Ensaios de Sociologia do Trabalho (Projeto Editorial Praxis, 2013), Giovanni Alves, o problema é que as novas tecnologias estão no bojo de relações de controle e poder que, com essa nova base técnica, tendem a aprofundar o estranhamento social. “A questão não é o uso das novas tecnologias, mas sim as relações sociais de produção capitalista que se baseiam nos imperativos da competitividade e lucratividade”, diz.



TEMPO É DINHEIRO?

As relações de trabalho mudaram a forma de o homem conceber o tempo, da Idade Média, passando pela Revolução Industrial até hoje

Por ser predominantemente agrícola e artesanal, o trabalho na Idade Média garantia ao homem o controle de seu instrumento de trabalho, que era regido pelo tempo concreto, ou seja, o ciclo da natureza comandava o ritmo de vida. A produção encontrava seus limites na natureza. As sociedades pré-capitalistas da Idade Média não eram tecnológicas, mas sim fortemente estratificadas, sem mobilidade, havia exploradores e explorados, e as barreiras naturais do tempo e do espaço se impunham ao trabalhador. 
Com a Revolução Industrial, o tempo tornou-se socialmente determinado pelo controle mecânico do relógio e pela disciplina fabril que aos poucos se impôs à sociedade do trabalho abstrato. Na sociedade do capital, reduziram-se as barreiras naturais, e o homem dominou o espaço e o tempo natural. A tecnologia tornou-se o instrumento de manipulação do tempo de trabalho para a produção das mercadorias. O desenvolvimento dos meios de transporte e comunicação teve papel relevante nesse cenário. Eles reduziram o tempo de deslocamento das mercadorias, intensificando o giro de rotação do capital. Como consequência, o tempo flui como um ente abstrato desconectado do ciclo natural, já que para o capital não existe mais dia e noite.


Com a revolução informacional das redes digitais, o domínio do espaço-tempo incrementou o poder do capital financeiro, aquele desvinculado do setor produtivo. As novas tecnologias e as formas de gestão toyotista [modo de organização da produção capitalista originário do Japão, após a Segunda Guerra Mundial, que adquiriu projeção global] intensificam o ritmo de trabalho, diminuindo o tempo que homens e mulheres têm para si. Depois de abolir o tempo concreto da vida, regida pelo ciclo vital, impondo o tempo abstrato medido e controlado pelos aparatos tecnológicos (mecânicos ou digitais), o capital opera uma redução do tempo de vida a tempo de trabalho, esvaziando o sentido da existência humana. Por isso, as novas tecnologias adquirem o único sentido da economia de tempo. Portanto, em vez de ser o campo do desenvolvimento humano, como disse Marx, o tempo de vida na era do capital financeiro tende a ser colonizado pelo tempo de trabalho abstrato. Aprofunda-se desse modo a alienação e o estranhamento.

Fonte: Professor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), campus Marília, autor de Dimensões da Precarização do Trabalho – Ensaios de Sociologia do Trabalho (Projeto Editorial Praxis, 2013), Giovanni Alves.



APÓS O EXPEDIENTE


Buscando valorizar o tempo livre, as unidades do Sesc abrigam, em dezembro, diversas oficinas e encontros relacionados a novas tecnologias 


Um importante pilar de atuação do Sesc é a promoção de atividades voltadas à fruição do tempo livre. “Tempo livre é o tempo do lazer, da fruição sem compromisso, de experimentar o novo: um alimento diferente, uma atividade física nunca tentada, um filme inédito, um espetáculo de dança... É o tempo também de rever, reler, relembrar: um livro, uma peça de teatro, um show, o futebol com os amigos, aquela receita da avó”, afirma a técnica da Gerência de Artes Visuais e Tecnologia Melina Marson. “No Sesc, o tempo livre tem a mesma importância do tempo ‘produtivo’, pois é ele que nos alimenta para a vida”, completa.



Entre os destaques da programação de dezembro envolvendo novas tecnologias estão o Laboratório de Eletrônica Sonora Interativa, na unidade Sorocaba; Camisetaria: Criação de Estampas, no Pompeia; LAB Animação, no Vila Mariana; Lab-Livre – Desconstruindo Brinquedos Eletrônicos, em Campinas; Exploratório: Forma e Vivência em Modelagem 3D em Papel, no Ipiranga. No Sesc Belenzinho, será realizada a oficina de animação 3D, a atividade Web Design – Conceitos e Linguagens e o encontro Liberdade, Privacidade na Internet e a Neutralidade da Rede com Francisco Arlindo Alves.