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Multiplicar o verbo

A história da literatura brasileira é marcada pela presença criativa de revistas ligadas aos diversos movimentos, sobretudo a partir do modernismo, no qual a poesia era protagonista. Títulos emblemáticos, como Klaxon (1922-1923), Revista Verde (1928), Revista de Antropofagia (1928-1929) e Festa (1927-1929/1934-1935), foram responsáveis pela divulgação de ideais de grupos, manifestos e, claro, muita poesia. Essa tradição foi seguida ao longo do século 20, com o lançamento de outras publicações, como Noigandres (1952-1958) e Invenção (1962-1964), voltadas à poesia concreta, e Navilouca, expressão da contracultura brasileira, entre inúmeras outras.

Além de trazerem em seu corpo editorial e em suas páginas alguns dos ícones da literatura nacional, como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Cecília Meirelles, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Augusto de Campos, Paulo Leminski, Waly Salomão, essas revistas atuavam como manifesto de determinada corrente ou movimento literário, afirmando-se como o lugar de expressão de um grupo.

Não por acaso, de acordo com Sergio Cohn, autor do livro Revistas de Invenção (Azougue, 2011), foram em suas páginas que apareceram textos seminais para a cultura brasileira, como o Manifesto Antropófago, de Oswald de Andrade (Revista de Antropofagia); Experimentar o Experimental, de Hélio Oiticica (Navilouca); e Manifesto da Música Nova (Invenção).

Atualmente, a função das revistas de difundir informação literária se mantém, mas o caráter vanguardista dá lugar a uma maior pluralidade de tendências poéticas na mesma publicação. A grande mudança data dos anos de 1990, quando surgiu a possibilidade de migrarem para plataformas online e, com isso, terem maior chance de ganhar longevidade, já que a inviabilidade comercial das publicações impressas é a principal justificativa para a efemeridade da maioria delas.

Para a professora de Teoria Literária da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Maria Lucia Camargo, isso não é exclusividade brasileira, já que são excepcionais os casos de revistas de poesia com décadas de existência, caso da norte-americana Poetry, que completou 100 anos em 2012. “O público de poesia é pequeno; essas revistas não são pensadas propriamente para o mercado, são espaços de expressão, de constituição de grupos e veiculação em um campo restrito”, afirma.

“De modo geral, a edição no Brasil, excluindo os best-sellers, é de cerca de 1000 exemplares. O que são 1000 exemplares em um país de 200 milhões de habitantes? O alcance é muito pequeno.” Maria Lucia acredita que o meio eletrônico é o caminho dessas publicações, devido ao seu potencial muito maior de incluir e criar leitores em relação ao material impresso, além do custo reduzido. Já o papel ficaria restrito, no futuro, à função de registro e arquivo.

A Coyote e a Lado7 são algumas das poucas revistas literárias impressas hoje no Brasil. Editada pelos poetas Rodrigo Garcia Lopes, Ademir Assunção e Marcos Losnak, que já tinham participado de outras revistas literárias na década de 1980 e 1990, a Coyote surge em 2002 e é mantida pelo Programa Municipal de Incentivo à Cultura de Londrina.

Segundo Losnak, a ideia era fazer uma revista que os editores, e amigos, gostassem de ler, que mesclasse criação e difusão literária. “A seleção dos textos passa pela avaliação dos três editores, por meio de discussões nas quais cada um apresenta argumentos de que o material possui qualidade estética, conteúdo interessante e estrutura de linguagem.

Diversidades literárias que têm algo a dizer”, afirma. A Coyote tem origem com o fim da Medusa, editada em meados da década de 1990, também no Paraná, por Rodrigo Garcia Lopes e Ricardo Corona. Eles rompem, formam-se dois grupos. No lugar da Medusa surge a Oroboro, que já saiu de circulação, e Lopes lança a Coyote. “Elas são parecidas tanto graficamente quanto em relação ao tipo de poesia que publicam”, diz Maria Lucia.

Já a Lado7 é criada para substituir a Inimigo Rumor, também publicada pela 7Letras (e depois em parceria com a Cosac Naify), e foi interrompida na edição de 10 anos, em 2008. Disponível em versão impressa e digital, a nova publicação seguiu o modelo da importante revista que a precedeu, espécie de baliza para muitas outras. Cada edição se caracteriza por uma antologia de poemas e poucos textos críticos.

Segundo Maria Lucia, é possível dividir as revistas de poesia que se iniciam a partir dos anos de 1990 e vão até o final da década de 2000 em duas linhas, uma filiada à revista Azougue (que chegou ao fim em 2009), e outra à Inimigo Rumor.

“A primeira, da qual a Coyote faz parte, se estrutura na apresentação de poetas, tem pouca ou nenhuma produção crítica, incorpora elementos de visualidade e se aproxima de tendências poéticas que vêm da contracultura e do surrealismo – lados pouco explorados da nossa tradição. Já a segunda está mais próxima do que seria um alto modernismo, da ideia de rigor poético e invenção”, diz. Ela afirma que essa separação não é fixa e está sendo constantemente questionada pela própria migração de poetas de uma publicação para outra.

“Em uma mesma revista, você encontra um poema em prosa, um poema visual, um outro metrificado. As revistas não são mais veículos de um grupo, mas ao mesmo tempo a permanência e a existência delas têm essa função de tentar manter um grupo, leitores, um veículo, mas sem aquelas características de manifesto ou vanguardistas que vigoraram até o concretismo.”

Para além das particularidades que as distinguem, as revistas podem influenciar a produção poética contemporânea por meio da crítica e pelo acesso que propiciam a novos textos, graças à veiculação de traduções de textos inéditos que, na maioria dos casos, não seriam publicados em livro, por exemplo.

“É importantíssimo o papel das revistas como espaço para o surgimento de novos poetas e de dar visibilidade a eles, dentro desse campo que vai repercutir, que vai fazer com que essa produção atinja outros meios, veículos, a crítica. Toda essa rede entre textos e de formação de leitores é necessária para que se consolide uma produção”, acrescenta Maria Lucia.

Novos formatos

Um dos precursores na migração das revistas literárias para a internet é o Jornal de Poesia, criado em 1996 e editado até hoje pelo jornalista e poeta Soares Feitosa. Em seu manifesto de fundação, Feitosa diz que criou o site para suprir a falta de poesia em português na rede. “Cliquei Castro Alves nos buscadores mundiais e brasileiros (Cadê e Yahih), e ninguém sabia quem era.

Também não sabiam de Camões. Nem Gonçalves Dias. Nem Augusto dos Anjos, nem de Jorge Lauten, poeta contemporâneo, uma voz distante num Timor Leste esmagado. Nem dos poetas negros da África negra de onde viemos”, escreve. O veículo é composto de um banco de dados com textos de mais de 5500 poetas brasileiros, portugueses, angolanos, guineanos, que incluem as obras completas de Augusto dos Anjos, Fernando Pessoa e Gerardo Mello Mourão, além de ensaios sobre teoria poética e literatura.

Depois do Jornal de Poesia, muitos outros sites dedicados à difusão de literatura surgiram, como é o caso da Agulha, em 1999; Sibila, em 2000; Germina, em 2003; Zunái, em 2004; Cronópios, em 2005; Diversos Afins, em 2006; Desenredos, em 2009; Musa Rara, em 2011; entre outros.

“As revistas eletrônicas facilitaram a troca de informações e o aparecimento de novos autores, mas hoje parece impossível acompanhar o fluxo de informação presente na infinidade de sites e blogs de poesia. O volume impressiona”, afirma Losnak.

Editada pelo poeta Floriano Martins, a Agulha Revista de Cultura se tornou eletrônica devido à impossibilidade de levar adiante um projeto de revista impressa. Os primeiros números contavam com a parceria do escritor Rodrigo de Souza Leão, que logo saiu para a entrada do poeta Claudio Willer, que deixou a revista em 2009.

Nesse período, Martins editou 12 números do que ele considera uma fase intermediária da revista, intitulada Agulha Hispânica, contendo apenas matérias sobre a literatura em língua espanhola, ocasião em que também criou o Projeto Editorial Banda Hispânica, um dos primeiros bancos de dados dedicado à poesia naquela língua.

O trabalho foi posteriormente complementado com o Projeto Editorial Banda Lusófona. Atualmente, Martins edita a revista com a ajuda do poeta Márcio Simões. Hospedada no provedor do Jornal de Poesia, a Agulha conta com uma equipe de tradutores, da qual fazem parte Eclair Antonio Almeida Filho e Allan Vidigal, e publica textos em português, inglês, espanhol, francês e italiano.

Independentemente do formato, Martins acredita que uma revista de poesia necessita, como qualquer outra publicação, essencialmente de temática e visão editorial para diversificar as pontes de acesso entre seu conteúdo e o leitor. “Uma boa revista de poesia deve conter um leque de abordagens ao poema, ao poeta, a toda uma cultura pertinente à poesia”, diz.

Múltiplas Poéticas

O mês de maio reserva uma série de atividades para quem tem interesse na arte dos versos, sons e rimas

A programação de literatura do Sesc é composta de diversas ações voltadas à veiculação de poesia. São realizados encontros com escritores, saraus, clubes de leitura, cursos, intervenções artísticas, oficinas e projetos multidisciplinares, com o intuito de aproximar o público da produção de poesia contemporânea e estimular processos de criação.

“As atividades exploram as possibilidades do texto impresso e digital, as tradições orais e a palavra expandida para os ambientes da performance, da expografia e das tecnologias de comunicação e compartilhamento”, afirma a técnica da área de Literatura e Bibliotecas do Sesc Ana Luisa Sirota.

Em maio, o Sesc Santo Amaro realiza a Tuiteratura, evento que inclui instalação interativa que apresenta um panorama da literatura produzida para o Twitter, saraus, oficinas, entre outras atividades. Integrando a Mostra Cine Privê, de erotismo no cinema, a unidade Vila Mariana promove curso sobre poesia erótica, ministrado pela professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Ana Maria Domingues.

O coletivo Carta na Manga realiza sarau-espetáculo no Sesc Itaquera com canções, poemas e narrativas autorais inspiradas na viagem de pesquisa do grupo pelo Vale do Jequitinhonha. Já o Sesc Campinas realiza a exposição itinerante No Meio do Caminho... Tinha uma Poesia, em homenagem à escritora Adélia Prado, que circulará nas praças públicas de Campinas, Jundiaí, Indaiatuba, Mogi Mirim, Itapira, Atibaia, Bragança, Serra Negra, Lindoia, Americana, entre outras cidades.

Outra forma de contato com obras literárias são os espetáculos teatrais, como é o caso de The Living Room (A Sala de Estar) e I Am America (Eu sou América) – na foto –, que trazem composições musicais e textos poéticos do poeta norte-americano Allen Ginsberg. As peças fazem parte da Ocupação Workcenter de Jerzy Grotowski e Thomas Richards, que acontece a partir do final de abril, no Sesc Consolação.

Além disso, Inéditos da Revista E é um dos espaços cativos e fundadores de veiculação da poesia contemporânea na imprensa brasileira. Importantes autores como Ferreira Gullar, Claudio Willer, Geraldo Carneiro, Armando Freitas Filho, Roberto Bicelli, Age de Carvalho, Glauco Mattoso, Rodrigo Garcia Lopes, Celso de Alencar, entre outros, já tiveram seus poemas estampados na seção.

Endereço da poesia

Conheça as publicações

Agulha - www.revista.agulha.nom.br

Coyote - www.iluminuras.com.br

Cronópios - www.cronopios.com.br

Desenredos - www.desenredos.com.br

Diversos Afins - www.diversosafins.com.br

Germina - www.germinaliteratura.com.br

Jornal de Poesia - www.jornaldepoesia.jor.br

Lado7 - www.7letras.com.br

Musa Rara - www.musarara.com.br

Sibila - www.sibila.com.br

Zunái - www.revistazunai.com