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A várias mãos

Intervenções urbanas podem ser vistas, ouvidas e sentidas em vários pontos de metrópoles como São Paulo, a qualquer momento. É nesse diálogo com o espaço que se inserem os Coletivos Artísticos. Geralmente, cada grupo com a sua intenção e seu propósito. No entanto, entre os meses de julho e agosto, durante a exposição NA BORDA – Nove Coletivos, Uma Cidade –, que aconteceu no Sesc Consolação, o desafio foi unir manifestações diferentes explorando um mesmo local.

A aplicação de materiais encontrados no cotidiano está relacionada com a variedade e o uso diferenciado que é proposto por esses grupos artísticos em obras em que se somam à forma os sons, texturas e imagens em movimento. Quem confirma a intenção é a designer cultural Flávia Vivacqua: “O papelão, por exemplo, pode ganhar diferentes funções quando é integrado ao conteúdo da ação além de ter seu valor resignificado pela arte”.  Ainda segundo Flávia, a arte vai para o espaço público “para intervir no dia a dia, estimular modos de relação, pensando a qualidade das relações humanas em contextos específicos”.

O grupo Esqueleto Coletivo partiu da ideia da mínima ação, ou seja, uma ação com o mínimo de interferência física. “Resolvemos praticar intervenções sonoras na rua com a intenção de provocar uma ruptura no movimento cotidiano das pessoas. Os sons que produzimos imitavam as várias sonoridades do vidro”, explica a cenógrafa da mostra e integrante dos coletivos Esqueleto Coletivo e Nova Pasta, Mariana Cavalcante. Uma dessas experimentações chegou a ser feita numa região comercial de Berlim, graças à iniciativa de Luciana Costa, uma integrante do coletivo, que se dispôs a testar a intervenção na capital alemã.

Nas primeiras ações feitas no Brasil, o som reproduzido do vidro não funcionou bem, teve menos potência do que o grupo esperava. Por isso, ainda na perspectiva na ação mínima, mudaram de estratégia para durante a exposição traduzir visualmente a ideia do som do vidro se quebrando, transpondo a intervenção sonora em visual. Dessa forma construíram o Teto de Vidro, para dar a impressão de que pedras teriam sido jogadas e trincado a fachada do prédio.

Já no caso do Coletivo Contrafilé, o trabalho foi motivado por rebeliões de crianças que ocorriam na Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor), hoje chamada de Fundação Casa (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente). Da Rebelião das Crianças, nome do processo de pesquisa originado no ano de 2005, nasceu o Parque para Brincar e Pensar.

Embasados pelo viés social, queriam unir política, arte e cidade, criando situações de brincar para as crianças que viviam na rua, instalando balanços em viadutos. Para a integrante do Contrafilé Joana Zatz Mussi, a provocação também está no deslocamento linguístico. “Isso evidencia que não tenho que transformar o outro, mas eu mesmo como corpo coletivo”, afirma. Assim, enquanto a criança brinca no balanço, o sentido é deslocado e, em vez de criança de rua, o que temos é uma criança na rua brincando.

A pluralidade de intenções, de suportes e de materiais é uma característica marcante da arte contemporânea, já que o artista se vê num campo de múltiplas funções. De acordo com Flávia, a multidisciplinaridade potencializa o trabalho colaborativo. Um episódio lembrado por ela aconteceu em 2005 e consistiu na reunião de vários coletivos, entre eles os participantes da mostra, na intervenção Integração sem Posse, que se juntou a um movimento popular por habitação, propondo a substituição da palavra invasão por ocupação nos meios de comunicação. “Nisso entendemos uma resignificação do valor social do espaço inativo para tornar-se ativo em sua função social”, explica.

E no encontro dessa produção dos coletivos com a cidade os artistas aproveitam a oferta de material e produzem no sentido de impactar, provocar estranheza e, mais do que conclusões, trazer perguntas sobre a realidade que nos cerca.


Metrópole em reflexão

Diversidade de materiais e de estilos une o trabalho de nove coletivos artísticos de São Paulo em mostra interativa

Projeto Matilha, EIA, Contrafilé, Bijari, Frente 3 de fevereiro, Ocupeacidade, C.O.B.A.I.A, Esqueleto Coletivo e Nova Pasta são os nove coletivos que apresentaram seus trabalhos no Sesc Consolação durante os meses de julho e agosto na exposição NA BORDA – Nove Coletivos, Uma Cidade e transformaram o ambiente em uma grande área de encontro, para que o público tivesse uma experiência alternativa ao modo convencional de visitar uma mostra, extrapolando o espaço. Desde a lixeira do lado de fora do prédio da unidade da consolação, aos balanços localizados na parte interna que chamavam a atenção das crianças e nas palavras ocultas em cada frase estampada na parede, lá estava a cidade que precisa refletir a si própria, por meio das atitudes de quem vive nela.

Tal proposta serviu para que não fosse apenas uma exposição de registro, mas para que o espaço se assemelhasse a uma praça, um lugar no qual as pessoas fossem convidadas a interagir, não só a admirar. Nesse contexto, as obras passaram a fazer parte do cotidiano dos frequentadores do Sesc. “Essa nem era a ideia inicial, não era o conceito, mas foi se desenhando assim a partir dos próprios trabalhos”, explica a cenógrafa da mostra e integrante dos coletivos Esqueleto Coletivo e Nova Pasta, Mariana Cavalcante.

A história da NA BORDA começou antes da mostra, numa revista eletrônica sobre produção urbana e coletiva. “Então criamos o site e entendemos que ele devia ser potencializado não só em uma reflexão teórica, mas em uma ação”, diz um dos coordenadores do projeto Daniel Lima, que trabalhou em parceria com Túlio Tavares. As intervenções foram realizadas nas ruas antes de experimentarem o novo modo de visitação.

Trazer para o espaço expositivo a voz de todos os coletivos foi um dos objetivos da equipe do Sesc Consolação. A técnica de programação Ana Luisa Sirota lembra que, “por meio de debates e intervenções, promoveu-se o diálogo entre a ação dos grupos e o resultado que tiveram com a mostra, que despertou muita curiosidade do público, devido às intervenções que tomavam todo o prédio”.

Um desdobramento relevante da ocupação será o registro documental do processo criativo dos coletivos. Com apoio do Sesc, está marcado para 13 de outubro o lançamento do catálogo NA BORDA, pela Invisíveis Edições. Uma compilação de imagens e textos, que tem como objetivo evidenciar o contexto histórico de um movimento recente na arte brasileira.

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