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Do Acervo à Tela

Uma porta de um armário guarda cuidadosamente uma coleção de estreitas caixas. Uma aproximação e pode-se ler a diferenciação entre elas, estampada em um nome na lombada. Cada uma delas abriga um disco de acrílico prateado, suporte de uma obra artística. Cada uma, um universo, um filme.

Está-se diante de uma coleção de filmes que é mantida com uma única razão: sua exposição. Então o armário se abre e as caixinhas são observadas, pesquisadas, organizadas, selecionadas e classificadas para que seu conteúdo seja visto.  Em cada momento, um diferente critério para pensar e agrupar os filmes.

Alguns pertencem à mesma época, outros representam a trajetória de um mesmo diretor. Há ainda tradicionais classificações em gêneros cinematográficos – filmes de suspense, comédias, dramas ou ficção científica –, além dos critérios de perfil de público e dos temas que orientam a programação. E, assim, as produções chegam à tela em mostras ou ciclos de filmes e encontram seus espectadores.

Independentemente do tema, em comum nas seleções está a intenção de promover oportunidades de contato com as diferentes formas de se fazer cinema. E, ao longo do processo, o que se almeja é que algum tipo de vínculo com essa expressão artística seja construído e que, por fim, sentidos possam ser atribuídos ao que se assiste.

A exibição sistemática de um acervo de obras cinematográficas permite que da poltrona na sala escura ora se mergulhe em autêntico entretenimento e diversão, ora se aprecie produções com maior preocupação estética e apuro formal. E, em alguns momentos, que se possa ampliar as formas de pensamento sobre determinada questão, pois o cinema também é fonte para conhecimento sobre diferentes culturas e realidades.

Nesse sentido, embora construído a partir de edições e montagens – tanto quanto um filme ficcional, portador de igual representação acerca da realidade num determinado contexto histórico –, o filme documentário talvez seja o que melhor expresse a relação entre o cinema e o desenvolvimento de um olhar reflexivo e crítico sobre a sociedade, justamente por seu vínculo privilegiado com o real. E essa observação crítica pode se dar em direção tanto ao problema real retratado quanto à forma com que o filme o interpreta.

Menos presentes nos circuitos de exibição, os documentários ficam por vezes restritos à memória de alguns tediosos filmes didáticos, científicos e históricos, exibidos durante a vida escolar. Resquícios de uma tradição em que os acontecimentos eram geralmente apresentados na forma de verdade. Ocultavam-se muitas vezes as contradições e divergências, e tinha-se a ilusão de se estar diante de uma expressão legítima do real.

Na história brasileira foi significativa a presença do documentário, desde os primórdios do cinema nacional, relacionada ao caráter propagandístico oficial e à tentativa de integração nacional de um país que se modernizava. Porém, muito da produção mais recente, longe de se firmar como voz da verdade ou reprodução da realidade, utiliza-se de uma linguagem experimental e do confronto entre pontos de vista, exigindo do espectador um constante posicionamento.

Portanto, ter acesso à produção de documentários recentes ou de determinada época, por meio de uma programação de cinema pautada pela diversidade, significa contribuir para que os estereótipos em relação ao gênero possam ser deixados de lado, proporcionando assim melhor compreensão em torno dos processos identitários específicos e das questões que são tão caras ao nosso tempo.

Ana Emília de Paula, historiadora, é técnica de programação do Sesc Ipiranga