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Suingue brasileiro

Nascido no Rio de Janeiro, em 1943, Eumir Deodato é dono de um currículo mais que extenso. Compositor, arranjador e instrumentista, Deodato participou da bossa nova antes de se mudar para os Estados Unidos, no final da década de 1960, onde reside até hoje. Em sua trajetória, fez arranjos para artistas estelares, como Tom Jobim e Frank Sinatra.

Com um tempero brasileiro cheio de suingue, sua releitura de Also Sprach Zarathustra, de Richard Strauss, conquistou as paradas em 1972, quando foi lançada em seu disco de estreia, Prelude. Por etse álbum, Deodato foi premiado com o Grammy.

“Acho que esse álbum acabou virando uma espécie de gênero, não é visto como mais um disco. É um estilo, um gênero. Felizmente, é normal associarem meu nome a esse gênero, a esse estilo”, diz. De passagem pelo país, fez dois shows no Sesc Belenzinho, nos dias 15 e 16 de outubro. Entre uma apresentação e outra, Deodato conversou com a Revista E. A seguir, trechos.


Estilo

Saí do Brasil porque estava numa fase bem jazzista. Meu problema fundamental era: o que eu faço? Faço mais um disco de bossa nova? Porque era uma época em que a bossa nova estava começando a tocar em elevadores, estava banalizada.

Então, tive a oportunidade de fazer o disco Prelude. Acho que esse álbum acabou virando uma espécie de gênero, não é visto como mais um disco. É um estilo, um gênero. Felizmente, é normal associarem meu nome a esse gênero, a esse estilo.

Mas minha essência é brasileira, e mantenho essa minha identificação até hoje. Faço uma boss -nova sofisticada, não é a bossa nova que a gente conhece aqui, tradicional. Embora eu tenha participado da bossa nova tradicional, na época em que ainda morava no Rio. Trabalhei muito com o Tom [Jobim], passamos 15 anos trabalhando juntos. Então é um estilo que conheço bem. Também trabalhei com o [Roberto] Menescal. Fiz quase todos os discos iniciais do Marcos Valle. Quer dizer, tenho uma base de bossa nova muito forte. Se você prestar atenção, vai perceber que até hoje meus discos têm elementos da bossa nova.

Indústria fonográfica

Ninguém mais compra discos. Com isso, acabaram as lojas de disco também. E os artistas e pessoas envolvidas no projeto não ganham nada. Só sobraram algumas gravadoras que têm muito dinheiro para sobreviver. A internet promoveu o fim da indústria musical.

De dez anos para cá, mudou tudo. Isso é muito triste. Porque não afetou só os músicos, que já não ganhavam tão bem assim. O público não sabe exatamente o que se passa. O produtor, o músico e o artista não estão recebendo nada por seus trabalhos.

Eu não baixo música porque tenho respeito. Geralmente quando preciso escutar alguma coisa que não tenho, falo diretamente com o compositor ou então compro no iTunes. Também compro discos no site da Amazon, gosto de comprar CDs. É assim que deveria ser. Normalmente os shows são para promover discos. Como não tem mais discos, dá para pensar: estou promovendo o quê?

Estou promovendo a mim mesmo. No meu caso é mais simples, porque já fiz muitos discos. Deus me deu essa oportunidade de poder tocar, fazer arranjos, discos, compor e fazer filmes. Então, tenho várias possibilidades. É isso que me segurou, senão não teria sobrevivido, não. Mesmo assim está difícil sobreviver.

Arranjos

A [cantora islandesa] Björk escutou arranjos que fiz para um disco do Milton [Nascimento]. Ela adorou Travessia. Então, deixou um recado na minha secretária eletrônica. Minha filha ouviu o recado e me perguntou: “Você não conhece a Björk? Poxa, ela é muito boa, é underground”. Mas eu ainda não a conhecia. A primeira coisa que fiz foi procurar seus discos nas lojas.

Ela já tinha feito um álbum solo, Debut [de 1993], e também tinha um monte de discos com um grupo chamado The Sugarcubes. Tinha coisas geniais, e eu me animei. Então ela começou a me mandar material. Para esse disco [Post, de 1995], fiz quatro ou cinco músicas. Sugeri dar uma cor mais humana para o álbum, porque a parte eletrônica já estava ótima.

Então coloquei umas cordas e adicionei umas coisas orgânicas. Ela ficou muito satisfeita, deu até pulinhos. Também usamos uma introdução ao contrário. Fiz uma introdução que tinha um trompete, aí ela teve a ideia de colocar [a fita para tocar] ao contrário. E deu tudo certo. Depois, quando fiz os arranjos de Deodato Mix para ela, já escrevi as notas ao contrário. Ficou interessantíssimo.

Convites

Não recebo muitos convites para produzir no Brasil. Tenho teorias [sobre por que isso acontece]. Muita gente acha que sou muito caro. Pelo contrário, às vezes faço coisas porque quero fazer. Todo mundo tem medo de me chamar. Mas quando me chama dá certo, não é uma questão de preço. Recentemente fiz um trabalho para uma menina no Rio, Laura Rizzotto. Nós nos falamos por telefone durante muito tempo. Quando a conheci, ela tinha 16 anos.

Gostei muito do jeito como ela conversava, porque era muito madura. Ela toca piano de um jeito fantástico, toca guitarra e canta bonito. A missão dela é justamente acontecer no mundo. Então ela resolveu cantar em inglês. Eu vim e fiz uma produção para ela. Praticamente não me preocupei quanto pagava. Mas, se eu cobrasse o normal que cobro, teria sido muito caro para eles.

Porque tinham o orçamento de uma cantora nova. Mas produzi com o maior prazer. Fiz um arranjo de cabeça, não escrevi nada para não assustar ninguém, porque os músicos são jovens. Eles entenderam e ficou muito mais espontâneo.


“A internet promoveu o fim da indústria musical. De dez anos para cá, mudou tudo. Isso é muito triste. Porque não afetou só os músicos, que já não ganhavam tão bem assim. O público não sabe exatamente o que se passa”