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Espaço aberto

fotos: Adriana Vichi
fotos: Adriana Vichi

A Vila Madalena acumula histórias de gente que na década de 1960 se instalou na região à procura da liberdade de expressão cerceada pela ditadura militar. Uma delas se refere aos moradores do Centro Residencial da Universidade de São Paulo (Crusp), que foram expulsos pela polícia numa reprimenda e buscaram abrigo nas pensões de portugueses e judeus no bairro.

As pequenas casas em estilo colonial possuíam edículas, construídas nos fundos, que passaram a ser alugadas para estudantes. Dentre eles, aspirantes a músicos, jornalistas, cineastas e artistas plásticos que, anos mais tarde, se tornariam a fina bossa da intelectualidade paulistana. Todo esse caldo cultural se sedimentou no bairro boêmio que é hoje celeiro de artistas. “Passei minha infância na Vila Madalena na década de 1960.

Era um bairro residencial de classe média, com muitas casas de portugueses. Depois, os estudantes começaram a ir morar lá. As casinhas viraram repúblicas de estudantes. Foi daí que o bairro começou a ter essa característica de ser um lugar de intelectuais, de artistas. Também foi quando surgiu a primeira Feira da Vila e começaram a aparecer os primeiros ateliês”, afirma a escritora Anna Flora, autora de 49 livros infanto-juvenis, laureada três vezes com o Prêmio Jabuti.

Além de moradia, o bairro também serviu de inspiração para a literatura de Anna Flora. “Escrevi um livro chamado A República dos Argonautas [2004, Companhia das Letras], no qual cruzo o mito [grego] dos argonautas com as lembranças que tinha da Vila Madalena na época em que a ditadura começou a cair – quando as pessoas tinham mais liberdade para fazer as manifestações.”

As famosas edículas se transformaram em campo de experimentação artística. O bairro ainda concentra muitos ateliês por metro quadrado, fato que impulsionou um verdadeiro acontecimento: uma vez por mês os artistas abrem seus espaços para visitação.

A abertura dos ateliês para um público mais amplo faz parte da tradição da cidade desde meados dos anos de 1960, quando o crítico de arte Walter Zanini esteve à frente do Museu de Arte Contemporânea de São Paulo (MAC). Numa estratégia para aproximar novos artistas da instituição, Zanini transformou o museu em um ateliê aberto, visitado pelo público enquanto os artistas produziam.

“A arte estava toda em transformação. Ninguém mais trabalhava com a pintura. Os visitantes tinham um contato direto com a produção dos jovens artistas. Nesse período, o MAC tinha muita vivacidade”, diz o coordenador da divisão técnico-científica de Educação e Arte do MAC-USP, Evandro Nicolau. A instituição incorporou essa ideia e promove visitas guiadas com estudantes da Escola de Comunicações e Artes  (ECA).

Para Nicolau, conhecer o processo de trabalho ajuda a desmistificar a imagem do artista. “O ateliê é um laboratório. É importante saber como o artista constrói sua poética, ainda mais na arte contemporânea, em que se trabalha com múltiplos suportes”, afirma.

Em 2004, Maria Bonomi utilizou o espaço do museu para construir com sua equipe o painel Epopeia Paulista, localizado na Estação da Luz, permitindo que os visitantes acompanhassem o processo. Confira, nas próximas páginas, ensaio fotográfico de alguns dos mais antigos ateliês da Vila Madalena que confirmam essa tradição.



Localizada na rua Aspicuelta, 474, a loja Preta Pretinha foi criada pelas irmãs Joyce, Lucia e Cristina, com o intuito de confeccionar bonecas de várias etnias, fabricadas em vinil e pano.



O Atelier Piratininga – localizado na rua Fradique Coutinho, 934 – é gerido por artistas com o objetivo de compartilhar ideias, projetos artísticos e educativos. Acima, aluno faz gravura em metal.


Anfitriões especiais

Programa aproxima o público da produção artística ao promover visitas a ateliês

O Sesc, por meio do programa de Turismo Social, promove passeios que revelam um pouco mais do dia a dia da capital paulista. Por Dentro de São Paulo ocorre em várias unidades, entre elas o Sesc Carmo, que realizou no dia 21 de outubro visita guiada por ateliês da Vila Madalena.

Os anfitriões foram ao Atelier Piratininga – com uma extensa produção de gravuras –, o Ateliê Novo, composto por diversos artistas que atuam com arte contemporânea e promovem residências, e Preta Pretinha, tradicional ateliê de confecções de bonecas de várias etnias.

Ao final da atividade, todos foram conferir a reforma do Teatro Cultura Artística, realizada com mosaicos pela artista Isabel Ruas. “A nossa proposta é tecer uma relação cultural nas atividades de turismo. Os passeios estão ligados à questão do patrimônio, da história e das artes. Sempre são acompanhados por guias que desenvolvem um olhar socioeducativo nas atividades”, afirma a coordenadora de programação do Sesc Carmo, Débora Rodrigues.

Segundo ela, as visitas aos ateliês ocorrem há tempos em algumas unidades, justamente para aproximar o público da produção artística. “Quando possibilitamos o acesso à arte na sua mais diversificada maneira, amplia-se o olhar crítico e estético das pessoas”, explica.




Revelação de serigrafia no Ateliê Novo, situado à rua Fradique Coutinho, 934, casa 02. Entre outras atividades, o espaço abre suas portas para receber artistas interessados em desenvolver trabalhos em artes gráficas, fotografia, escultura, pintura e desenho.