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Admirável mídia nova

Poucos profissionais acompanharam de tão perto o desenvolvimento e a influência da internet sobre o jornalismo e os meios de comunicação como Caio Túlio Costa. Ex-presidente do Internet Group (IG) e ex-diretor do portal Universo Online (UOL), o qual ajudou a fundar, o jornalista acredita que a revolução digital coloca em xeque o tradicional modelo de negócio das empresas de notícias.

“A indústria clássica fica se esgoelando para saber se a publicidade paga a conta ou não, se deve abrir ou fechar seu conteúdo para o público. Enfim, ainda não descobriu como ganhar mercado ou como sobreviver dentro dessas mudanças fantásticas que estão ocorrendo”, analisa.

Primeiro ombudsman da imprensa brasileira, na Folha de S.Paulo, Costa é professor de Ética Jornalística na Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo, e também dá aula de Informação e Comunicação na Era Digital no curso de pós-graduação em Jornalismo com Ênfase em Direção Editorial da ESPM-SP.

É autor, entre outros, do livro Ética, Jornalismo e Nova Mídia – Uma Moral Provisória (Zahar, 2009). Durante encontro realizado pelo Conselho Editorial da Revista E, abordou questões relacionadas ao uso e ao impacto das novas tecnologias. A seguir, alguns trechos da conversa.



Distribuição digital

O que mudou na indústria da comunicação com os avanços das novas tecnologias? Antes dessa revolução digital, os comunicadores e as empresas de comunicação tinham poder de mídia. Para isso, era necessário ter poder econômico.

Hoje não é mais assim. Atualmente, qualquer um tem poder de mídia, sem a necessidade de ter condições econômicas. Por exemplo, posso fazer um jornalzinho sem comprar papel e tinta, e também não preciso imprimi-lo. Ou seja, posso fazer isso sem dinheiro algum. É só ir a um lugar público de acesso à internet e criar um blog.

Além disso, posso gravar um vídeo com a própria câmera do computador e disponibilizá-lo nesse blog. Tenho a possibilidade de alcançar o mundo com isso. Não quero dizer que terei audiência e alcance global, mas o que quero dizer é que qualquer pessoa ou instituição pode fazê-lo.

No entanto, essa nova maneira de se comunicar traz mudanças fundamentais, brutais e ainda não bem entendidas pela própria indústria da comunicação. As empresas tradicionais ainda não entenderam que agora competem com o mundo todo.

Porque, no fundo, jornais, revistas, televisão e rádio sempre dominaram a distribuição de seu conteúdo. Mas agora é diferente. No mundo digital, a distribuição é feita por empresas de telecomunicação e empresas de cabo. E o público consome esse conteúdo por meio de telefone celular, computador, tablet e palmtop.

Ao mesmo tempo, existem outras empresas que utilizam esse conteúdo que a mídia tradicional produz – são os chamados agregadores. Por exemplo, o Google, que se vale do conteúdo de entretenimento, jornalístico, editorial e cultural produzido por outras pessoas ou empresas.

Google, Facebook e Twitter surgiram à margem da indústria tradicional da comunicação e se transformaram em enormes empresas de telecomunicação. Eles entenderam a natureza e a vocação da rede. Vocação essa que é fundada na interatividade. Então, souberam usar a mão de obra mundial que têm à disposição.

O Facebook, por exemplo, é uma empresa que tem a capacidade de fazer as pessoas dizerem o que sentem, pensam, querem e aonde vão. Com isso em mãos, mostram um anúncio no canto da página. E vendem esses anúncios com a nossa cumplicidade, usando a nossa mão de obra sem nos pagar nada.

Embora ainda não tenha o capital aberto, é um empreendimento com um extraordinário valor de mercado. Enquanto isso, a indústria clássica fica se esgoelando para saber se a publicidade paga a conta ou não, se deve abrir ou fechar seu conteúdo para o público. Enfim, ainda não descobriu como ganhar mercado ou como sobreviver dentro dessas mudanças fantásticas que estão ocorrendo.

Comunicação interativa

A maneira de apreensão do conhecimento mudou radicalmente. Os meus alunos que se formarão no quarto ano de jornalismo, este ano, tiveram celular aos nove anos de idade. Dominam videogames, leem quadrinhos, ouvem músicas e veem programas de televisão pelo computador. Sabem tudo o que está acontecendo antes que saia no Jornal Nacional ou num diário impresso, por exemplo.

O fato é que há 500 anos, desde a invenção dos tipos móveis e da imprensa de Gutenberg, a comunicação era feita por um especialista e despejada no consumidor. Mas, desde a emergência da mídia digital, percebeu-se que a comunicação passou a ser interativa. Portanto, para os próximos 100 ou 150 anos, o que está em jogo é a própria alfabetização como a conhecemos hoje.

Acredito que nossa geração vive o seguinte desafio: misturar o pessoal que já tem essa nova forma de apreensão do conhecimento com pessoas que apreenderam o conhecimento da forma tradicional, livresca. Isso nos coloca diante de desafios extraordinários – tanto do ponto de vista de formação, de entendimento, de conhecimento do mundo, quanto do ponto de vista da indústria da comunicação.

Daqui a pouco não vai existir mais quem produza a máquina que imprime o jornal. E ninguém mais vai querer usar papel, porque será politicamente incorreto. Essas coisas estão mudando e tudo isso é uma grande questão para nossa geração. No entanto, acredito que provavelmente os meios impressos sobreviverão durante muitos anos, mas não crescerão mais da maneira que cresceram até os anos de 1980.

O jornalista Caio Túlio Costa esteve presente na Reunião do Conselho Editorial da Revista E em 16 de setembro de 2011.



“O fato é que há 500 anos, desde a invenção dos tipos móveis e da imprensa de Gutenberg, a comunicação era feita por um especialista e despejada no consumidor. Mas, com a emergência da mídia digital, percebeu-se que a comunicação passou a ser interativa”