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Corrida contra o tempo

Vem aí um novo plano para incentivar a educação. Desta vez a prioridade foi dada ao ensino fundamental. Será que agora o Brasil encontra o caminho da escola?

Um dos primeiros atos da presidência da República, em 1998, foi enviar ao Congresso o Plano Nacional de Educação, o PNE. Esse plano, que ainda deve sofrer alterações dos deputados e senadores, define quais metas União, estados e municípios devem atingir até 2008 para melhorar o ensino. O documento trata de todas as áreas educacionais, do ensino básico ao superior, além da educação especial (para portadores de deficiências), do ensino técnico, da educação de jovens e adultos analfabetos ou com defasagem educacional e até mesmo da educação indígena, até então praticamente ignorada pelo Estado.

Mas a prioridade, entre todas essas áreas, foi dada ao ensino fundamental - antigo primeiro grau, ou seja, da primeira à oitava série -, considerado o maior gargalo da educação brasileira.

Uma das principais metas do PNE é universalizar o acesso a esse nível de ensino, ao mesmo tempo em que pretende melhorar sua qualidade e garantir a permanência na escola de todas as crianças de 7 a 14 anos.

A tarefa não é fácil. Atualmente, informa o Ministério da Educação, apenas 45% dos alunos que ingressam no ensino fundamental chegam à oitava série. E os que a concluem perdem três anos em média com a repetência. Há quem consiga finalizar essa etapa sem nenhuma reprovação, mas não passam de 45 em cada grupo de mil alunos. Dos mesmos mil, quase 200 são reprovados logo no primeiro ano.

Por essas e outras mazelas, o trabalhador brasileiro passa em média apenas 3,8 anos na escola. O índice, que em si já é vergonhoso, fica pior se comparado ao da Coréia do Sul (11 anos) e aos dos vizinhos Argentina (8,7 anos) e Chile (7,5 anos).

Este é o olho do furacão em que se debate o ensino no Brasil. O que deveria ser um direito de todo cidadão é uma das causas da péssima posição do país em praticamente todos os rankings mundiais de bem-estar social (veja também a matéria sobre analfabetismo).

Infra-escolaridade

Quando foi noticiado, em 1992, que estudantes brasileiros ficaram em penúltimo lugar - à frente só de Moçambique - numa avaliação de conhecimentos de matemática e ciências feita pelo instituto americano Educational Testing Service entre estudantes de 20 países, as deficiências educacionais brasileiras, já bem conhecidas no país, ganharam evidência internacional.

Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ligado à Secretaria do Planejamento, revela que 25 milhões, dentre as pessoas economicamente ativas no país, estão na situação que os especialistas chamam de infra-escolaridade. Ou seja, têm acervo de competências cognitivas e sociais inferior ao que se espera de pessoas que tenham completado, com aproveitamento mediano, os quatro anos de escolarização básica. Em outras palavras, no que diz respeito ao português, por exemplo, lêem pouco e mal e têm dificuldade em entender textos que não tenham sido escritos na linguagem popular, coloquial, corriqueira.

Os efeitos são facilmente percebidos na produção: empresários reunidos no Fórum de Líderes, promovido pela "Gazeta Mercantil" em meados do ano passado, disseram ser "problema muito crítico" o fato de 40% a 50% dos funcionários de empresas que empregam mão-de-obra intensivamente não terem o nível básico. "Se o pessoal mal sabe ler e escrever, como participar de novas tecnologias?", perguntam-se os empresários.

A questão é confirmada com crueza pela análise das relações entre escolaridade e rendimento no trabalho, calculadas pelo Ipea: 28% dos trabalhadores recebem apenas um salário mínimo e sua escolaridade não passa de quatro anos. Os 12% do total de trabalhadores que ganham mais de cinco mínimos passaram pelo menos dez anos na escola.

É um círculo vicioso, revelado por estudo de dois professores da Fundação Getúlio Vargas, Sergio da Costa Werlang e Carlos Simonsen Leal: a cada ano adicional de estudo, a pessoa que completou até a quarta série recebe uns 17% a mais de renda. Como é grande o número de crianças e adolescentes que se afastam da escola ou demoram muito para obter o certificado do curso fundamental, a possibilidade de ganhar mais é cortada para muita gente.

Hoje, é praticamente consensual que a baixa escolarização deve-se a problemas de qualidade de ensino; os de quantidade estão, segundo autoridades de todas as esferas, razoavelmente resolvidos.

Do ponto de vista meramente estatístico, 90,8% das crianças entre 7 e 14 anos estavam na escola em 1996, o que é uma boa, para não dizer alta, taxa de escolarização. Embora ainda distante dos índices de países como os EUA (97,7%), Bélgica (99,4%) e Alemanha (97,8%), trata-se de um patamar historicamente inédito para o país, que em 1960 tinha apenas 45,4% das crianças dessa idade na escola, informa a revista "Veja". Em 36 anos, portanto, o índice dobrou.

Mas por trás do número positivo, o dado sinistro são as altíssimas taxas de reprovação dos alunos do ensino fundamental, que acabam por provocar a evasão em massa da escola. Dados comparativos de 88 e 95, divulgados pelo MEC, mostram uma redução muito lenta dos índices de repetência nesse período: 19% na primeira e na quinta séries e uma média de 15% para as oito séries. Para Maria Malta Campos, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação (Anped), esses níveis são inaceitáveis. E essa é apenas a média. "Em algumas escolas, há porcentagens absolutamente indecentes de 40%, 50% de repetência", acrescentou ela em debate promovido pela "Folha de S. Paulo".

Reprovação burra

Para afastar os fantasmas da repetência e da evasão, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que começou a valer em 1998, admite, em vez da tradicional segmentação em séries anuais, a divisão do ensino fundamental em ciclos, que começará a ser adotada por escolas de São Paulo e Minas Gerais. Dentro desses ciclos não existirá repetência. Mesmo ao final de cada ciclo, a idéia é reduzir ao mínimo a possibilidade de reprovação. Com isso, a promoção dos alunos seria praticamente automática da primeira à quarta e da quinta à oitava série do nível fundamental. Em tese funciona mais ou menos assim: o aproveitamento do aluno não deixa de ser avaliado, mas maus resultados serão motivo para um acompanhamento especial do aluno, e não para fazê-lo repetir toda a série no ano seguinte.

A presidente do Conselho Estadual de Educação, Bernardete Gatti, considera importante manter o aluno estimulado e sendo aprovado até completar o ensino fundamental. "A repetência é um mal do ponto de vista psicológico, é deletéria para a personalidade do aluno, não é um ato educacional."

Mário Sérgio Cortella, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), faz coro. Para ele, não há sentido pedagógico na aprovação ou reprovação a cada ano. Mas, diferentemente da proposta predominante, ele sugere a divisão dos oito anos do ensino fundamental em três ciclos (em São Paulo, são dois), para evitar que os alunos continuem fugindo da escola no maior ponto de estrangulamento, que é a quinta série. O aluno teria, assim, uma adaptação gradual às mudanças na troca de ciclo.

A escola, acrescenta Cortella, tem o dever de inibir o que ele chama "reprovação burra". "Um aluno não pode repetir todo um ano só porque ficou retido numa disciplina", diz.

Bernardete lembra que a rede pública tem adotado a reprovação sistematicamente, às vezes até como demonstração desnecessária de autoridade. Ela explica que o PNE não exige a aprovação de todos os alunos. Apenas pretende colocar a repetência no nível adequado, dando ênfase à progressão continuada.

Por decreto

Mas, apesar do aplauso de muitos educadores, a idéia gerou polêmica quando foi posta em prática em São Paulo. A Secretaria da Educação estadual foi acusada de aprovar alunos "por decreto" e tratar indiscriminadamente bons e péssimos alunos, com prejuízo para a qualidade do aprendizado. Segundo Roberto Felício, presidente da Associação dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), alunos que abandonaram o curso no início do segundo semestre foram submetidos à chamada "recuperação nas férias" e após algumas semanas de atividades obtiveram a aprovação que aos demais alunos custou o trabalho de um ano inteiro.

Apesar disso, Felício aprova o sistema de ciclos. "O objetivo da escola é a promoção do aluno", diz. Mas ele considera que um projeto como esse exige "a superação de uma cultura". Segundo ele, o maior foco de resistência às mudanças está sobretudo em pais e alunos para os quais a nota é uma referência importante, utilizada como parâmetro de comparação e até de competição.

Para trabalhar essas questões, opina, é importante estimular o debate com a participação de todos os envolvidos no processo educacional, o que não teria ocorrido. "O crime que está sendo cometido em São Paulo é a implantação de projetos sem a discussão com os professores e os alunos", diz.

José Sérgio Fonseca de Carvalho, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), também critica a "arbitrariedade" que marcou a adoção do novo sistema em São Paulo. Para ele os ciclos são uma "medida acertada que corre o risco de ser queimada" pela maneira com que foi implantada.

Mas Fonseca de Carvalho defende firmemente a idéia da progressão continuada contra o argumento de que, sem reprovação, os alunos perderiam o respeito pelo professor. Para ele, quem diz isso "admite que é com a arma da nota que o professor baseia sua autoridade e controla seus alunos".

O professor da USP vai mais longe. Segundo ele, a reprovação tinha sentido nos tempos em que a escola pública "funcionava como um instrumento seletivo social", pois era acessível apenas a uma pequena parcela dos brasileiros. "Mas num momento em que a sociedade quer escolarizar a totalidade da população", diz, "a reprovação tem servido apenas para a expulsão do aluno."

Debandada

De qualquer modo, a simples redução da repetência pode melhorar os indicadores educacionais do país, mas não é em si garantia da qualidade do ensino. A permanência por oito anos numa escola sem mínimas condições de funcionamento, com professores mal formados, mal pagos e sem motivação dificilmente proporcionará às crianças uma boa preparação para a vida social e profissional.

Levantamento oficial feito em 1995 avaliou os prédios escolares, classificando as condições de diversos itens e instalações como boas, regulares ou ruins. O único item avaliado como em boas condições em mais da metade das escolas foram as paredes. Um terço das instituições apresenta banheiros e instalações hidráulicas ruins; um quinto tem más carteiras, mesas, cadeiras, armários, cozinha, portas e janelas, além da área externa.

Mas seria perfeitamente possível desconsiderar essas falhas se dentro das salas de aula pelo menos trabalhassem bons professores. Não é o que se verifica, pelo menos no que diz respeito à formação. De acordo com o MEC, só pouco menos da metade (46,7%) do 1,3 milhão de professores do ensino básico tem curso superior completo. Outros tantos (44,5%) concluíram apenas o antigo segundo grau e quase 6% só cursaram o primeiro grau (no nordeste, quase 19%). A maioria não tem acesso a cursos de treinamento, atualização e reciclagem.

É mais que sabido que a remuneração e as condições de trabalho dos professores públicos há tempos não permitem a formação de um corpo docente de qualidade. Os professores com melhor formação são atraídos pelos salários mais altos do ensino particular ou para outras carreiras. A debandada já atinge até as universidades federais, que, após vários anos sem reajuste de salários, estão perdendo alguns de seus melhores profissionais para as instituições particulares, fenômeno registrado em reportagem na revista "Veja".

Se é essa a situação de professores universitários, alguns com titulação máxima e pós-graduação no exterior, o que dizer dos professores das escolas rurais dos estados mais pobres? Professores do ensino fundamental no Acre, segundo dados do MEC, recebem apenas R$ 82,17 mensais por uma jornada de 20 horas semanais.

A boa notícia é que, finalmente, o MEC, além de admitir que os salários dos professores são baixos, propõe meios concretos para melhorá-los.

O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, conhecido como Fundão, que entrou em vigor no dia 1o de janeiro, tenta garantir recursos para pagar um piso mínimo nacional de R$ 300 aos professores do ensino fundamental. Para os professores das regiões sul e sudeste isso não representa praticamente nada, mas é uma melhora significativa para estados como o Acre.

Perde-ganha

A finalidade do Fundão não é só oferecer aos professores públicos algum alívio contra a situação de quase indigência em que hoje se encontram, mas também garantir o financiamento das escolas do ensino fundamental . Para isso, contudo, não há receita adicional. Os recursos constitucionais de financiamento da educação continuam os mesmos - estados e municípios mantêm-se obrigados a gastar com educação 25% de sua arrecadação (veja o box). A diferença está na distribuição desses recursos.

A lei cria subvinculações, isto é, define, dentro dos recursos que já eram vinculados à educação, quanto deve ser investido nas escolas do ensino fundamental (60% dos 25%) e no salário dos professores dessas escolas (60% desses 60%). Cumprida a lei, portanto, de cada R$ 100 da arrecadação de estados e municípios, R$ 25 devem ir para a educação e R$ 15 serão obrigatoriamente aplicados no ensino fundamental. Desses R$ 15, R$ 9 irão para os contracheques dos professores desse nível de ensino.

Também é estipulado um gasto mínimo anual de R$ 315 por aluno matriculado. Nos municípios e estados cuja arrecadação não garantir essa quantia, a União proverá a diferença. Este ano, os recursos federais complementarão os de sete estados: Pará, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco e Piauí.

Uma peculiaridade do Fundão é que a verba - municipal e estadual - de cada município vai para as escolas de acordo com o número de alunos matriculados, independentemente do fato de a escola ser estadual ou municipal. Quem não mantém ensino fundamental vai perder arrecadação. Em cidades onde a rede estadual oferece mais vagas que a municipal da primeira à oitava série, dinheiro do município irá para o estado, e vice-versa.

Técnicos do Ministério da Educação calculam em quase R$ 2,5 bilhões as transferências de receitas da esfera administrativa que não investe no ensino fundamental para a que investe. Por oferecerem mais escolas dessas séries do que a rede do estado, municípios cariocas terão direito a R$ 300 milhões de impostos estaduais este ano. Da mesma forma, o estado do Rio Grande do Sul terá de transferir R$ 60 milhões de sua arrecadação aos municípios. O inverso ocorre no estado de São Paulo, onde as redes municipais oferecem apenas 10% das vagas do ensino fundamental. Por isso, mais de R$ 500 milhões em receitas municipais irão para escolas estaduais.

Argumento eficiente

Seria difícil dar aos bolsos dos prefeitos um argumento mais forte a favor da municipalização das escolas do nível fundamental, um passo importante para a descentralização da gestão educacional pretendida pelo MEC.

O estado de São Paulo é um dos que já iniciaram esse processo, com o Programa de Parceria Estado/Município para Atendimento ao Ensino Fundamental no Estado de São Paulo, iniciado em 1996. O programa busca incentivar as prefeituras, que já cuidam da educação infantil (creches e pré-escolas), a progressivamente assumir todo o ensino básico, assim permitindo que o estado se concentre no ensino médio e na capacitação dos professores.

O programa já começa a diminuir a disparidade entre a oferta de vagas da primeira à oitava série das escolas estaduais e municipais. Até 1996, ano em que 80% dos alunos paulistas estavam em escolas estaduais (a média nacional é de apenas 37%), menos de cem municípios ofereciam educação fundamental. A partir de então, o estado começou a se retirar desse nível de ensino em mais de 200 cidades.

Os adversários da municipalização dizem que ela é um prato cheio para a corrupção, uma vez que a gestão dos recursos ficará a cargo da secretaria municipal. E não há regras claras para a formação dos conselhos comunitários previstos pela LDB para controlar a aplicação das verbas, sustentam esses críticos.

É forte, no entanto, a corrente dos que consideram que o processo terá mais resultados benéficos que maléficos. Ricardo Young, do Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE), prefere o risco de a verba da educação ser temporariamente manipulada por um prefeito corrupto à centralização. "Com o tempo, a população aprenderá a distinguir entre os políticos locais aquele que é capaz de zelar pelo interesse público", disse o empresário à revista "Educação".

De qualquer forma, para evitar fraudes, a nova LDB define até com certo grau de detalhe o que pode e o que não pode ser considerado gasto com educação. É uma forma de controlar a destinação da verba, antes liberada a uma espécie de vala comum, as chamadas despesas com educação, em que até passarela de acesso ou rua asfaltada para a escola entravam, como afirmou o ministro Paulo Renato Souza à imprensa.

União de esforços

O PNE pretende organizar o ensino brasileiro para os próximos dez anos, desenvolvendo programas específicos de colaboração entre a União, os estados e os municípios para superar os "déficits educacionais mais graves" nas cidades e na sua periferia e no meio rural. Quer estabelecer modelos mínimos de infra-estrutura para as escolas de ensino básico, que sejam compatíveis com as realidades regionais e locais.

Por isso, determina um prazo de um ano para o estabelecimento de padrões para espaço físico, instalações sanitárias, para esportes, bibliotecas e serviço de merenda, além de equipamento pedagógico (incluindo informática) e de acesso a deficientes. Uma vez definidos esses padrões - que provavelmente diferirão de estado para estado -, não será mais permitida a existência de escolas que não os respeitem minimamente.

O projeto estabelece, ainda, novas exigências em relação à formação dos professores e prevê programas de bolsa-escola, uma subvenção para famílias pobres com crianças na escola. Adotada pioneiramente no Distrito Federal e em Campinas (SP), a bolsa-escola revelou-se um instrumento eficientíssimo contra a evasão escolar, reduzida a quase zero no Distrito Federal.


Os objetivos do plano

O Plano Nacional de Educação (PNE), deve-se admitir, contém metas ambiciosas. A mais importante, sem dúvida, é a universalização do ensino fundamental, que significa matricular todas as crianças de 7 a 14 anos, garantindo ainda sua permanência na escola. Quem conhece as dimensões de nosso território e os bolsões de pobreza espalhados pelo país pode imaginar as dificuldades para atingir esse objetivo.

Outras metas:

  • Elevar em pelo menos 70% o número dos alunos que concluem o ensino fundamental, combatendo repetência e evasão.
  • Habilitar os professores do ensino fundamental. Em cinco anos, todos devem ter formação pelo menos em nível médio. Em dez anos, diploma de curso superior.
  • Substituir as escolas unidocentes (aquelas em que pessoas de diferentes idades e graus de aprendizado têm aula juntas) por unidades com pelo menos quatro séries.
  • Garantir a autonomia às escolas, tanto em relação ao projeto pedagógico como aos recursos públicos para sua manutenção.
  • Ampliar, no prazo de cinco anos, o ensino fundamental obrigatório para nove séries, com início aos seis anos de idade.
  • Ampliar progressivamente a extensão da jornada escolar, de forma a permitir a oferta de ensino em tempo integral.

Para a escola infantil (pré-escola), a meta principal é universalizar o atendimento a crianças de 6 anos de idade, preparando-as para a nova fase do ensino fundamental, que no prazo de cinco anos deverá iniciar-se nessa idade. Também para a pré-escola o plano prevê, em dez anos, a participação de educadores com formação universitária.

O PNE cria metas também para as escolas especiais, como a formação de profissionais qualificados, fornecimento de materiais específicos (livros em braile, por exemplo) e aumento dos recursos.

Para o ensino médio, a meta mais importante é assegurar que essa fase atenda, em dez anos, pelo menos a 80% dos alunos que concluem o ensino fundamental.


De volta ao estudo

Entre os grandes problemas do ensino no país, a formação deficiente de professores é um dos que mais incomodam. Profissionais mal preparados, todos reconhecem, não podem ensinar o que não sabem. A preocupação do MEC com essa questão está materializada em uma das metas do Plano Nacional de Educação (PNE), segundo a qual, dentro de dez anos, todos os docentes do ensino fundamental deverão ter diploma de nível superior. Se o plano conseguir o que pretende – sem truques –, será uma verdadeira revolução.

Segundo dados do MEC, dos 776.537 professores que lecionavam nacionalmente da primeira à quarta série em 1996, 55.225 tinham apenas o certificado do primeiro grau e 63.287, nem isso. O quadro mais dramático é o do Maranhão, onde 28% dos professores das quatro primeiras séries não concluíram o ensino fundamental.

A tarefa de mudar essa situação começa agora: o poder público não pode mais contratar novos professores sem a qualificação mínima exigida pela nova Lei de Diretrizes e Bases (segundo grau na modalidade normal para as quatro primeiras séries e licenciatura em nível superior para as quatro últimas).

Daqui a cinco anos essas exigências serão estendidas aos professores antigos e assim, completando-se a Década da Educação, todos terão a formação superior.

Isso significa que até aqueles professores sem o primeiro grau terão dez anos de prazo para conseguir um diploma. O plano prevê para eles programas de "formação em serviço", que não são especificados.

Ênfase na prática

Para os professores que conseguirem chegar a um curso superior, o MEC objetiva uma formação bem diferente da que predomina hoje.

Pretende-se reformular, por exemplo, os cursos de pedagogia. Segundo o educador Arnaldo Niskier, membro do Conselho Nacional de Educação, o modelo desses cursos, inalterado desde 1969, está superado.

Uma das idéias recorrentes é reduzir a distância entre a formação teórica e os desafios enfrentados pelos professores na sala de aula. "Nosso modelo de formação segue a tradição latina, livresca, que dá menos importância para a experiência prática", diz Maria Malta Campos, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação (Anped). O resultado, prossegue ela, é que, quando o professor vai enfrentar uma sala de aula, sente-se despreparado.

Como um exemplo de reação a essa realidade, Maria cita a reformulação empreendida no curso de licenciatura da Universidade de Campinas (Unicamp), na qual o início dos estágios passou para o primeiro ano – antes só eram exigidos no final do curso.

A presidente da Anped aponta problemas também no currículo da maioria dos cursos de pedagogia, segundo ela "montado para todas as idades", sem levar em conta as diferenças de aprendizagem de cada faixa etária.

Antes do prazo

Mais uma vez, felizmente há exceções à regra, e Maria lembra uma iniciativa que difere da corrente geral. Trata-se do curso de licenciatura plena do Instituto de Educação da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), que desde 1992 reformulou o currículo para dedicar-se exclusivamente à formação de professores da primeira à quarta série.

Essa escolha, de acordo com Paulo Speller, criador do programa e ex-presidente do instituto, foi uma tentativa de oferecer respostas a problemas concretos das escolas públicas. "Por ser um estado de fronteira, com grandes contingentes migratórios, o Mato Grosso tem muitas falhas na base de sua estrutura educacional", diz.

O programa, que conseguiu recursos da Unesco, do governo do Canadá e da Fundação Vitae, tem mais uma particularidade: reserva 80 das 120 vagas anuais do curso de licenciatura para professores da escola pública.

O objetivo é, nos próximos seis anos, formar em nível de licenciatura plena, juntamente com outras universidades de Mato Grosso, todos os cerca de 10 mil professores do estado, e assim se antecipar ao prazo previsto pelo PNE.

Para cumprir essa meta, o instituto hoje atua não apenas na região metropolitana de Cuiabá, mas também em nove postos avançados próximos à divisa com o Pará, onde há localidades com graves déficits educacionais.

Oferece também licenciaturas parceladas, ou seja, divididas em etapas, que são realizadas durante o período de férias, outra opção para a formação continuada de professores de municípios distantes da capital.

A experiência da UFMT, que, segundo Speller, está servindo como modelo para outros estados, está conseguindo exatamente aqueles resultados que o MEC quer ver espalhados pelo país: a elevação da escolaridade média do professor. Com esse objetivo a Lei de Diretrizes e Bases preconiza a criação dos institutos superiores de educação, que ofereceriam várias modalidades de formação de professores em nível superior. Esses institutos desempenhariam o papel profissionalizante hoje reservado ao curso médio na modalidade normal (antigo magistério). Com isso, pretende-se que no futuro todo professor, antes de estudar a parte técnica de seu trabalho, tenha passado por um curso médio completo, com uma formação geral mais sólida que a oferecida pela modalidade normal.

Maria Malta Campos aprova a idéia, mas vê riscos para o êxito de sua implantação. "Grandes interesses comerciais dos cursos normais particulares estão em jogo, e as fiscalizações são precárias. O perigo é mudar somente o rótulo e a qualidade da formação continuar ruim", diz a presidente da Anped.

Dupla valorização

Enquanto os institutos superiores de educação não saírem do papel, alguns projetos educacionais continuarão em evidência. É o caso do Centro de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério (Cefam), um curso normal da rede estadual paulista em que os futuros professores estudam em período integral – e ainda recebem um salário mínimo por mês para isso.

A remuneração faz com que muitos alunos se candidatem às vagas, cujo preenchimento é decidido num "vestibulinho". Mas como o maior objetivo do projeto é melhorar as escolas públicas, dá-se preferência aos que tenham estudado nelas. Assim, como no caso da Universidade Federal do Mato Grosso, pretende-se que a escola pública seja duplamente valorizada. Não somente por ser a porta de entrada para um curso cobiçado, mas sobretudo por receber de volta, mais tarde, professores – pelo menos em tese – mais bem preparados.

Pouco conhecido, o Cefam já oferecia ensino aos futuros professores durante o dia inteiro, um mecanismo semelhante à bolsa-escola, dez anos antes do início da Década da Educação.


Mais uma tentativa

A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação estabeleceu a Década da Educação, que começa a contar do começo deste ano. É uma espécie de prazo fixado pelo Ministério da Educação para melhorar radicalmente a escolarização dos brasileiros. Já em 2003 o ensino fundamental deverá estar universalizado (atingindo todas as crianças) e ampliado para nove séries, com início já aos 6 anos de idade, diz o Plano Nacional da Educação. Em 2008, o governo pretende que pelo menos 80% dos alunos que concluírem o ensino fundamental continuem seus estudos no ensino médio (hoje, são 80% os estudantes que não atingem essa escolaridade).

No que se refere à educação superior, o objetivo é passar de 12% para 30% o percentual de jovens de 19 a 24 anos matriculados em faculdades, o que equipararia a população universitária brasileira à de países com índices educacionais mais aceitáveis, como a vizinha Argentina.

Mas as metas mais ambiciosas talvez sejam as que dizem respeito à educação de jovens e adultos. Em dez anos, além de promover formação equivalente às oito séries fundamentais para metade dos que abandonaram a escola, o governo promete extirpar uma vergonha nacional: o analfabetismo.

A taxa de analfabetos brasileira é altíssima, até mesmo para os padrões de um continente relativamente pobre como a América do Sul. De acordo com os últimos dados comparativos da Unesco, apenas o índice boliviano consegue ser pior. Zerá-lo, mesmo em dez anos, é um objetivo que os especialistas consideram quase impossível.

Conforme cálculos divulgados pela "Folha de S. Paulo", em extensa série de matérias sobre educação publicada em fevereiro, se for mantido o atual ritmo de redução da taxa de analfabetismo, chegaremos a zero apenas em 2012.

Esta não é a primeira tentativa. Mário Sérgio Cortella, professor de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), lembra que a Constituição de 1988 já fixara um prazo de dez anos – que termina este ano, portanto – para a extinção do analfabetismo. Mas como em 1996 ainda existiam 18 milhões de analfabetos, uma das dez maiores populações de iletrados do mundo, a meta é que foi extinta, quando foi retirada das disposições transitórias da Constituição.


Dinheiro não falta

O Plano Nacional de Educação (PNE) quer elevar os 4,6% do Produto Interno Bruto (PIB) que o Brasil gasta na escola para 6,5%. Não se pode dizer que seja pouco, comparando-se com os 6,8% do PIB destinados pelos Estados Unidos ao setor, mesmo considerada a diferença entre os PIBs dos dois países.

Dedicar essa fatia do PIB à educação ainda é uma remota intenção, mas os compromissos legais com as escolas que hoje estão em vigor não são desprezíveis:

  • Até 18% da receita dos impostos federais devem ser destinados ao ensino;
  • Os estados são obrigados a gastar 25% de sua arrecadação com o ensino fundamental e médio;
  • Os municípios devem destinar 25% de sua receita – alguns, como São Paulo, são obrigados a despender até mais que isso – ao ensino fundamental e à educação infantil (creches e pré-escolas);
  • As empresas recolhem 2,5% da folha de pagamento para o salário-educação.

Como se vê, recursos não faltam. O problema, dizem especialistas de dentro e fora do governo, está em sua má administração. Portanto, se o modelo educacional brasileiro for mantido, não adiantará gastar mais dinheiro com ele. Será puro desperdício e um vergonhoso esbanjamento, diz Paulo Renato Souza, ministro da Educação.

Para mudar esse modelo, o governo tem agora duas armas: o PNE e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, conhecido como Fundão.


Bê-á-bá bilíngüe

Um dos compromissos mais inovadores do Plano Nacional de Educação (PNE) diz respeito à educação dos índios, responsabilidade do MEC desde 1991. Ao lado das grandes metas nacionais, como a universalização do ensino fundamental e a erradicação do analfabetismo, o PNE mostra a intenção do governo de saldar dívidas históricas com os primeiros habitantes do Brasil. Assim, o direito à diversidade cultural, conquistado na Constituição de 1988, a partir de agora deverá chegar às escolas públicas. O PNE prevê a criação da categoria oficial de escolas indígenas, com características próprias.

O documento oficializa que os índios poderão estudar na escola, além do português, a própria língua materna. Prevê também a formação de professores bilíngües – de preferência, membros do próprio grupo indígena, que conhecem como nenhum branco a língua e a cultura dos alunos – e a preparação de dicionários e material didático nos diversos idiomas. O MEC inclusive já iniciou a publicação de cartilhas e livros elaborados por professores indígenas (ver texto abaixo). Mas como existe no país bem mais de uma centena de línguas diferentes, algumas ainda desconhecidas, para cobrir o conjunto dos grupos há um trabalho imenso pela frente.

Contudo, a quantidade de línguas e culturas não é o dado mais importante. Para Ivete Campos, responsável pela Coordenação Geral de Apoio às Escolas Indígenas do MEC, o que tem maior significado é o compromisso oficial com uma educação específica, intercultural e bilíngüe. "Trata-se do reconhecimento oficial da diversidade num país em que a escola significava a perda da identidade cultural do indígena", diz.

Longe da burocracia

No entanto, o que há de novidade nisso é apenas a oficialização, pois esse tipo de educação já é oferecido há tempos por organizações não-governamentais como a Comissão Pró-Índio, do Acre, a Organização Geral de Professores Ticunas Bilíngües, do Alto Solimões (AM), e o Instituto Socioambiental, no Parque do Xingu (MT).

Longe da burocracia governamental, essas entidades criaram experiências de educação em moldes não impostos, que "atendiam às expectativas dos próprios indígenas", segundo a lingüista Deuscreide Pereira, da Coordenação Geral de Apoio às Escolas Indígenas. "No Acre, os cursos foram acontecendo independentemente de serem autorizados ou não", conta. Em sua opinião, apesar de más experiências com o ensino oficial no passado, a escola é uma reivindicação dos indígenas, que querem aprender português e matemática "até para não ser enganados pelos brancos".

Segundo as metas do PNE, as comunidades terão autonomia para decidir que tipo de educação querem e até para montar o próprio calendário escolar, de acordo com seus costumes.

Nem mesmo o bilingüismo escapará da decisão das tribos. Deuscreide conta que os maxacalis, que habitam áreas entre Minas Gerais e Bahia, só terão português depois da quarta série fundamental, porque não querem ser alfabetizados em português.

Os terenas, do Mato Grosso do Sul, entretanto, preferem uma educação igual à dos brancos. Nesse caso, diz a lingüista, não faria sentido obrigá-los a estudar sua língua materna na escola.


Lição de geografia

"Geografia é o estudo da terra, das coisas que há na terra, como as aldeias, as matas, os rios, os córregos, as cidades, as estrelas, os limites, várias outras coisas que nela existem."

"Geografia é África, Europa, Ásia, Oceania, América."

"Geografia mostra os animais como: onça, anta, tatu, veado, quati, cutia, porco, caititu, jabuti, minhoca, cobra, aranha, peixe."

"Geografia é árvore, plantação, roça velha, roça nova, rio, casa, carro, barco, pedra, pessoa, cerca da fazenda, derrubada, capim, gado..."

"Geografia mostra onde está o cemitério, as queimadas, as invasões."

"Geografia é rosa-dos-ventos, norte, sul, leste, oeste, direita, esquerda, sol, lua, estrelas..."

"Geografia mostra também onde moram os outros índios."

(Trechos de uma cartilha de geografia preparada pelo índio Tempty Suyá em curso para formação de professores indígenas, promovido por organizações não-governamentais em 1994 e 1995 no Parque do Xingu.)


Glossário

Década da Educação - instituída pela nova LDB (ver abaixo), estipula um prazo de dez anos, a partir de 1998, para o cumprimento de diversas metas de melhoria da educação.

Educação especial - aquela destinada a portadores de deficiências ou necessidades especiais.

Ensino fundamental - antigo primeiro grau, que compreende as oito séries destinadas idealmente a alunos de 7 a 14 anos.

Educação infantil - inclui creches e pré-escolas, que atendem alunos de zero a 6 anos.

Ensino médio - antigo segundo grau, com três séries, para alunos a partir de 15 anos.

Escola normal - aquela destinada à formação, em nível médio, de professores da primeira à quarta série do ensino fundamental, que não precisam ter diploma de nível superior.

Fundão - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, que obriga a utilização de 60% da arrecadação vinculada à educação para o ensino fundamental.

LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação, documento que traça as linhas gerais para a gestão do ensino. A nova lei, de 1996, começa a valer este ano.

PNE - Plano Nacional de Educação, programa de metas educacionais a ser cumpridas pelo poder público durante a Década da Educação.

 

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