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Mundo pop

Ao entrar em seu estúdio, em 1968, o artista multimídia Andy Warhol levou três tiros. A autora da tentativa de assassinato – ele sobreviveu após uma cirurgia de cinco horas para retirar as balas – foi Valerie Solanas, radical feminista, fundadora e único membro da SCUM – Society for Cutting Up Men (Sociedade para eliminar os homens, em tradução livre). O atentado transformou-o para sempre, inaugurando uma fase de distanciamento do agitado mundo pop que ajudara a fazer borbulhar suas obras e sua excentricidade.

A vida e a bem-sucedida carreira de um dos maiores e mais provocadores artistas do século 20 seguiram em frente, até que, em 1987, enquanto se recuperava de uma operação simples de vesícula, Andy Warhol morreu, no dia 22 de fevereiro. Um pintor, ilustrador, cineasta e videomaker que via, na repetição fotográfica ou pictórica do banal, do vulgar e do acessível, uma maneira de discutir a sociedade norte-americana do pós-Segunda Guerra. “São os Estados Unidos que vão dar a grande motivação para Andy Warhol”, analisa o historiador e crítico de arte João Spinelli. “Trata-se de uma sociedade capitalista, mas com plenas liberdades”.

Para o especialista, poucos países da época tinham um contexto no qual a liberdade e a economia favorável apareciam juntas em destaque – afinal, a Europa ocidental encontrava-se praticamente em ruínas depois do conflito mundial. “Acho que esse fator talvez seja um dos mais importantes para que a obra dele tenha acontecido”, retoma o crítico. “Tanto que um dos ícones dele são as sopas Campbell, um produto norte-americano de largo consumo”.


Da Vogue ao MoMA


Andrew Warhola, caçula de três filhos, nasceu em agosto de 1928, no bairro operário de Oakland, na cidade de Pittsburgh, no estado norte-americano da Pensilvânia. Acometido desde pequeno por um raro distúrbio neurológico, o jovem Andy encontrava conforto e refúgio em revistas de celebridades e em histórias em quadrinhos.

“Ele tinha uma experiência de vida que o levou a pensar o mundo exterior de uma maneira extremamente singular”, afirma Spinelli. “É uma visão de mundo muito pessoal de um artista diferenciado, atrevido, audacioso.”.

Formado em artes plásticas, mas sem recursos, Warhol foi trabalhar como desenhista publicitário. Com essa atividade, ele conheceu os primeiros lampejos de fama. “Ele decola como um grande publicitário”, informa a professora do Instituto de Artes e Design da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Maria Lucia Bueno, pesquisadora na área de sociologia da arte, da cultura e da moda.

“Na década de 1950, ele se muda para Nova York e vira um publicitário superimportante.” Depois de um ano, o artista já acumulava contratos, como artista gráfico, com clientes que incluíam a gravadora Columbia Records, as revistas Glamour, Harper’s Bazaar e Vogue, a rede de televisão NBC e a loja-fetiche de joias Tiffany & Co.
Em 1952, faz sua primeira exposição solo na Hugo Gallery, com 15 desenhos baseados no trabalho do escritor norte-americano Truman Capote (1924-1984).

O Museu de Arte Moderna de Nova York – MoMA (Museum of Modern Art) tomou conhecimento do frisson causado pelo novo talento na área e, em 1956, incluiu trabalhos seus em uma coletiva. Mas, ainda assim, nem todas as portas da arte estavam abertas para ele. “Warhol foi muito rejeitado dentro do universo das artes, por conta dessa associação com a publicidade”, explica Maria Lucia, também autora do livro Artes Plásticas no Século XX – Modernidade e Globalização (Unicamp, 1999). “E muitos dos artistas da própria pop art não gostavam dele, porque ele tinha aquela coisa performática”.


Fábrica prateada


É nesse momento que Warhol dá um de seus pulos de gato e, como forma de criar livremente e também meio de se promover, cria a Factory, local que lhe servia de ateliê e “laboratório do universo underground”, conforme define a professora referindo-se às figuras que frequentavam o espaço de paredes prateadas. Aberta em 1962, a fábrica de sonhos do artista transformou-se numa espécie de norte para o grupo.

“O nome Factory descrevia bem o que acontecia lá”, avalia o canadense Philip Larratt-?-Smith, responsável pela curadoria da mostra Andy Warhol, Mr. America, que a Pinacoteca do Estado de São Paulo montou em 2010. “Warhol trabalhava com muitos assistentes, numa época em que um artista deveria fazer tudo sozinho. Então chamar seu estúdio de Factory era uma provocação para outros artistas e para o mundo das artes, para a ideia que as pessoas tinham da natureza de ser um artista.”

Larratt-Smith confirma que o estúdio era, em si, uma estratégia de marketing. “Ele queria ter um estúdio que também fosse um lugar para a boemia, onde as pessoas iam e vinham, era muito aberto, um acontecimento, era como ir à igreja, à terapia ou a uma disco”, diz o curador. “E ele se cercava de pessoas com perucas estranhas, que agiam como loucas, pessoas nas quais todos prestavam atenção. Ele era um ótimo homem de negócios”.


Estrelas marginais


Nem só de liberdade vivia os anos de 1960. É preciso lembrar que, nos Estados Unidos, o puritanismo ainda deixava o ar tão denso que era possível cortá-lo com uma faca. E é nesse contexto que Warhol decide fincar um “laboratório underground”. Lindas garotas viciadas em drogas, travestis, homossexuais assumidos, imoralistas em geral, enfim, toda sorte de marginais se reuniam lá.

“E isso incomodou muito nos Estados Unidos da época”, informa Maria Lucia. No entanto, alheio ao que o pensamento burguês defendia, seu universo particular era cada vez mais profícuo, e criava, além de obras de arte, muitas celebridades. Um desses nomes fez tanta história quanto o próprio Warhol: a banda de rock The Velvet Underground, que tinha no seu vocalista, chamado Lou Reed, sua grande vitrine.


Extravagâncias à parte, especialistas fazem questão de ressaltar o artista de grande importância para os rumos tomados pela arte contemporânea. Uma amostra dessa relevância pode ser vista na exposição Warhol TV, composta de filmes, vídeos, serigrafias, telas e experimentos com televisão, em cartaz no Sesc Pinheiros (veja boxe TV Pirata).

“A história da arte é muito seletiva, as coisas que foram sucessos momentâneos são deletadas sem que ninguém precise apertar o botão, o próprio tempo deleta”, comenta Spinelli. “E se Andy Warhol só usasse essas figuras icônicas – do cinema, da sociedade etc. – para retratá-las e isso não fosse feito de uma forma diferenciada, singular, audaciosa, sua obra já teria sido apagada”.

Para o curador Philip Larratt-Smith, o artista propunha comentários irônicos sobre a cultura do consumo nos Estados Unidos. “Ele disse uma vez que a Coca-Cola era um produto igual, não importava quem a comprasse”,?relata Larratt-Smith. “Ou seja, o presidente bebe a mesma Coca-Cola que você compra na rua. Por isso, a obra dele tem um conceito tão profundo, não menos artístico do que Marcel Duchamp [1887-1968].” O artista francês citado pelo curador é tido como uma das grandes referências de Warhol, ao lado do surrealista Salvador Dalí (1904-1989). “Não haveria Warhol sem Duchamp”, sintetiza a francesa Judith Benhamou-Huet, pesquisadora e curadora da mostra do Sesc.

João Spinelli chama a atenção ainda para o papel fundamental que Warhol teve na retomada da figuração pelas artes visuais, fenômeno ocorrido a partir dos anos de 1960. “Não mais a figuração acadêmica, a coisa da figura humana, da paisagem ou dos temas nobres”, explica o crítico. “Na verdade, ele inclui essa temática cotidiana, consumista, aparentemente alienante”. 

O especialista diz ainda que o artista tem lugar entre os “pilares do rompimento com a primazia da pintura”, trazendo, pela primeira vez, o foco para as artes gráficas. “Ele percebe com grande rapidez que a tecnologia iria atuar na arte de uma forma quase que total”, diz. “Se você olhar agora, verá que uma grande parte das exposições tem uma relação direta com a tecnologia”.


Depois dele


A lista de nomes que Warhol influenciou é grande e extrapola o campo das artes visuais. De cantores como o inglês David Bowie e a norte-?-americana Madonna aos reality shows hoje tão em voga, Warhol deixou sua marca no mundo, onde todos conquistam seus 15 minutos de fama. “Andy Warhol sempre foi inspirador para mim porque depois dele a arte se transformou”, diz o artista visual mineiro Charles Chaim, que tem, entre suas obras, uma pintura sobre foto do rosto do artista. “Acho que ele conseguiu, de certa maneira, popularizar a arte. Mas não no sentido de vulgarizá-la, mas de torná-la mais acessível, mais democratizada”.

De acordo com o crítico João Spinelli, o grupo de brasileiros que já bebeu na fonte pop do artista integra grandes figuras das artes visuais. “Eu citaria – e, claro, cada um criando suas próprias imagens: Rubens Gerchman [1942-2008], Nelson Leirner, Cildo Meireles, Hélio Oiticica [1937-1980] e Alex Vallauri [1949-1987]. Todos esses, em alguns momentos de suas carreiras, foram influenciados por Andy Warhol”.


Objetos e desejos

A Pop Art, movimento surgido na Inglaterra, na década de 1940, traz um olhar sobre a estética das massas e da sociedade industrial pós-guerra


Depois do fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), numa Inglaterra abatida moral e economicamente, um grupo de artistas reuniu-se para retratar o momento. A grande inspiração foi a modernidade cintilante ostentada pelos Estados Unidos – que, ao contrário da Europa, erguia-se como um gigante no Ocidente.

“Esses artistas começaram a fazer imagens retiradas do universo das revistas norte-americanas”, explica a professora do Instituto de Artes e Design da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Maria Lucia Bueno, autora do livro Artes Plásticas no Século XX – Modernidade e Globalização (Unicamp, 1999). “Cenas de um mundo modernizado que ainda não existia na Inglaterra”.

Em comum, além da fonte de inspiração, esses criadores tinham a figura do crítico de arte Laurence Alloway, que, nos anos de 1960, conhece o marchand Leo Castelli, em Nova York. Castelli, por sua vez, estava às voltas com novos nomes igualmente interessados em imagens. “Mas não mais como figuração ou representação”, esclarece a professora.

“E sim uma imagem reconhecível, que não é nem uma abstração nem uma construção geométrica, uma imagem que acontece a partir do universo pop”. Com o marketing de Castelli e o background artístico de Alloway, nascia a pop art americana. “Diferentemente de outros movimentos, como o surrealismo ou o dadaísmo, que são articulados pelos artistas, a pop art é um ‘movimento’ que surge dentro de uma galeria”, explica Maria Lucia referindo-se à Galeria Castelli.

Uma das principais bandeiras da pop art é a exploração do fenômeno da massificação – seja como objeto de estudo ou crítica. Sua busca é pela estética das massas, do popular – do pop, numa corruptela da língua inglesa.


TV pirata

Talk shows com celebridades, obras em vídeo e até um clipe de música compõem mostra de Andy Warhol

Interessado em todos os meios de expressão, o multimídia norte-americano Andy Warhol não deixou a TV escapar de seus experimentos. No entanto, essa faceta permaneceu pouco conhecida até agora. “A televisão de Warhol é, com certeza, o único assunto ainda inexplorado neste artista demolidor de tabus no mundo da arte”, comenta a francesa Judith Benhamou-Huet, curadora e idealizadora da Warhol TV, exposição que já passou pelo Rio de Janeiro (RJ) e por Belo Horizonte (MG) – depois de temporadas em Paris, França, em 2009, e Lisboa, Portugal, em 2010 –, e que agora fica no Sesc Pinheiros, de 29 de julho a 25 de setembro.

A mostra, que tem patrocínio da Oi e apoio cultural do instituto Oi Futuro, propõe um percurso pelas participações do artista da pop art na televisão – como produtor, ator, entrevistador, diretor etc. “Ele inventou muitos modos de expressão. Um artista completo”, sentencia Judith.

Logo na rampa de entrada, vemos a íntegra de um episódio do programa Andy Warhol’s Fifteen Minutes (ou “os 15 minutos de Andy Warhol”, em tradução literal), no qual ele recebia celebridades para entrevistas – aqui vemos um papo com a cantora e atriz jamaicana, radicada nos Estados Unidos, Grace Jones, e com o estilista, também norte-americano, Marc Jacobs.

Mais à frente, já no espaço da mostra propriamente, são projetados os screen tests (testes de câmera) feitos com o artista francês Marcel Duchamp (1887-1968), de quem Warhol era “herdeiro”, segundo a curadora. “Pensando nisso, podemos dizer que Warhol TV é o ready made da televisão”, complementa ela, fazendo referência ao conceito criado por Duchamp e que consiste no transporte de um elemento da vida cotidiana, não reconhecido como artístico para o campo das artes.

Seguindo pela televisão pirata de Warhol, chegamos ao módulo TV Antes da TV, que reúne vídeos como Soap Opera (1964), Vivian’s Girls (1973), Phoney (1973) e Fight (1975). Em Beleza e Sexo, temos uma seleção de episódios das séries Fashion: Male Models e Debbie Harry And Friends. Sob o tema Caçador de Talentos, foram reunidos “recortes” das séries Fashion: The Empress and the Commissioner e episódios do programa Andy Warhol’s TV.

Num dos espaços, chamado O Último Show, o drama toma conta, com bancos dispostos como em uma igreja e pouca luz para assistirmos a uma projeção da (real) missa fúnebre de Warhol, realizada na Igreja de St. Patrick, em Nova York. Mas como não existe pop art sem um tanto de festa, o artista “ressuscita” logo depois, no módulo que traz o vídeo da música Hello Again, do grupo norte-americano The Cars, dirigido por Andy Warhol, em 1984.

“Ele queria fazer televisão real”, acrescenta Judith. “Naquela época, muitos artistas criticavam a TV, mas nenhum deles fazia televisão de verdade.”.  ::