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Telemarketing: contatos polêmicos

Relação entre empresas e consumidores é fonte de soluções e dissabores

FRANCISCO LUIZ NOEL


Centro de atendimento em Mogi das Cruzes (SP)
Foto: Divulgação

Os serviços de atendimento ao consumidor (SACs) das atividades reguladas, postos em evidência desde a entrada em vigor das novas regras de relacionamento com os clientes, no fim de 2008, são a linha de frente de um mercado que só faz crescer no Brasil. Invisíveis aos olhos dos interlocutores, alcançados de centrais que podem estar a centenas de quilômetros, os telesserviços viraram companhia obrigatória de todos os ramos da economia. Vendendo, informando, socorrendo compradores, ouvindo queixas, sondando opiniões ou cobrando dívidas, o setor já se incorporou à vida dos milhões de brasileiros que dispõem de telefone e acesso à internet.

A denominação mais conhecida desses serviços remotos é telemarketing – "toda e qualquer atividade desenvolvida através de sistemas de telemática e múltiplas mídias, objetivando ações padronizadas e contínuas de marketing", na definição da Associação Brasileira de Telesserviços (ABT). Criada em 1987, a entidade congrega mais de uma centena de associados – de gigantes como a Atento Brasil, maior empregadora privada do país, a empresas de médio porte. Esse setor que todo mundo ouve e ninguém vê fechou 2008 com faturamento superior a R$ 5 bilhões e, segundo a ABT, 825 mil empregados – na maioria, atendentes, também chamados de teleoperadores.

Arena em que consumidores e empresas se digladiam há décadas, os SACs vêm sendo enquadrados em novas normas desde 1o de dezembro do ano passado. Foi quando passou a vigorar o decreto 6.523, assinado em 31 de julho pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e regulamentado pela portaria 2.014 do Ministério da Justiça em outubro. Uma das exigências é a redução, a um minuto, do tempo de espera para o contato com o teleoperador, após o cliente fazer essa opção. No caso de bancos e empresas de cartões de crédito, o limite é de 45 segundos, mas eles podem demorar 1,5 minuto nas segundas-feiras, no quinto dia útil do mês e um dia antes e outro depois dos feriados.

O decreto abrange as centrais de atendimento de sete setores regulados – energia elétrica, telefonia, televisão por assinatura, planos de saúde, aviação civil e transporte rodoviário, além das instituições financeiras. As empresas devem incluir a opção de contato direto com o atendente logo no primeiro menu eletrônico, assim como nas outras alternativas. O caminho para reclamações e cancelamento também deve constar no menu inicial, sendo proibidas as transferências de ligação que lançavam o consumidor numa via-crúcis quando queria cancelar um serviço. No caso de reclamações, as respostas devem ser dadas ao cliente em até cinco dias úteis.

Além de fixar padrões mínimos de qualidade, a lei obriga ao funcionamento dos contact centers – ou call centers, como também são chamadas as centrais – durante 24 horas, sempre por telefones 0800, de ligação gratuita. Ao longo de todo o tempo em que o serviço é oferecido, o cliente deve ter a possibilidade de fazer queixas, pedir informações e efetuar o cancelamento. Outra conquista do consumidor é o direito de ter o atendimento gravado e de receber cópia da gravação, assim como de seu histórico no telesserviço. Fica para trás, também, o tempo em que o cliente era obrigado a repetir várias vezes os dados pessoais, como precondição para ser atendido.

SACs sob observação

Para fiscalizar as mudanças, o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) do Ministério da Justiça aperfeiçoou a conexão com os Procons de 22 estados. Nos primeiros 15 dias da lei, 24 instituições financeiras, 20 seguradoras, 18 empresas de ônibus, seis de planos de saúde e quatro de telefonia fixa foram intimadas a comprovar a adequação às normas. "Milhões de consumidores se sentiram respeitados e incorporaram as regras dos SACs ao conjunto de outros direitos que compõem seu patrimônio de cidadão", avalia o diretor do DPDC, Ricardo Morishita.

Os seis meses entre a assinatura do presidente e a vigência do decreto, além da ameaça de multas que podem chegar a R$ 3 milhões, não foram suficientes para que todos os SACs dos serviços regulados entrassem nos eixos. A ABT informa que promoveu várias reuniões com os associados, para consolidar dúvidas e pedir esclarecimentos ao DPDC. Nas empresas, as medidas preparatórias incluíram capacitação dos atendentes, contratação de novos teleoperadores e investimentos em equipamentos e programas de informática. Mesmo assim, entre os consumidores, os SACs ainda estão longe de ser unanimidade em matéria de atendimento perfeito.

De 63 empresas pesquisadas pela consultoria Instituto Brasileiro de Relações com o Cliente (IBRC) um mês após o decreto entrar em vigor, 30 não estavam respeitando todas as exigências. Em ligações para os SACs, o instituto avaliou o cumprimento de 12 quesitos. Só as instituições bancárias prestaram 100% do atendimento dentro das normas, ao passo que o pior desempenho ficou com as empresas de transporte terrestre, telefonia e TV por assinatura. O presidente do IBRC, Alexandre Diogo, reconhece que houve melhora geral nos SACs, mas observa que, "como se trata de uma lei, o ideal seria que o cumprimento fosse de 100%".

Diante da berlinda em que os SACs foram colocados, o presidente da ABT, Jarbas Nogueira, recomenda cautela, em nome do aprimoramento dos serviços. "É muito mais necessário um controle e cadastramento das empresas que operam no mercado de call center do que medidas que impeçam o exercício da atividade", pondera. Ele alerta que restrições ao telemarketing podem não excluir "empreendimentos pouco idôneos" do mercado e, no entanto, privar pequenas e médias empresas de um canal de baixo custo para vendas, além de reduzir a oferta de empregos, incluindo atividades de suporte, como treinamento e desenvolvimento tecnológico.

Um exemplo de medida existente nos EUA e na Europa, destinada a limitar os telesserviços, começou a vigorar entre os paulistas em 31 de dezembro último. Pelo decreto 53.921, que regulamentou a lei 13.226, o governador José Serra criou o Cadastro para Bloqueio do Recebimento de Ligações de Telemarketing. Um mês após o cidadão cadastrar seus telefones na Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (o Procon de São Paulo), os números ficam "bloqueados" para o telemarketing de vendas oriundo de qualquer parte do país. As empresas são obrigadas a consultar o cadastro antes de ligar para São Paulo, sob pena de incorrer em punições previstas no Código de Defesa do Consumidor. Se quiser abrir exceção a uma empresa, o cadastrado deve avisar ao Procon.

Em falta no pós-venda

Mercado para os telesserviços não falta no país. Os brasileiros formam uma clientela com mais de 100 milhões de cartões de crédito e 130 milhões de cartões de loja. Nos bancos, são mais de 112 milhões de contas correntes e 200 milhões de cartões de débito. A isso se juntam TVs por assinatura, planos de saúde, companhias aéreas e seguradoras. Seja na proatividade das fases de pré-venda e venda, seja na recepção de dúvidas e reclamações no pós-venda, o telefone, a internet e o velho fax são ferramentas indispensáveis para uma economia que, apesar da retração, não parou de incorporar ao consumo as camadas mais pobres.

A investida em busca de novos consumidores está por trás das deficiências que incomodam os brasileiros nos SACs, explica Alexandre Diogo, professor de pós-graduação em telemarketing. Com cerca de 190 milhões de habitantes e um dos maiores mercados do mundo, o país tem na telefonia móvel um exemplo de concorrência acirrada. Juntas, as operadoras já somam 150 milhões de celulares ativos. "O Brasil é um mercado novo, em expansão", afirma Diogo. Por isso, como mostra outra pesquisa do IBRC, as empresas brasileiras investem menos no atendimento pós-venda do que as dos EUA e da Europa, já que o grosso dos gastos em relacionamento está voltado à disputa agressiva pela conquista dos consumidores.

Enquanto quase 30% das empresas americanas e 20% das europeias dedicam mais de 5% do faturamento líquido ao pós-venda, a proporção de companhias brasileiras que gasta esse percentual após a adesão do cliente é inferior a 5%. O estudo, que abrangeu os setores de telecomunicações, finanças, comércio e indústria, mostra que 58% dos recursos para relacionamento no Brasil ficam com o pré-venda e 20% com a comunicação posterior ao fechamento do negócio, em contraste com partilha bem mais equilibrada no exterior. "Há empresas em que as filiais brasileiras investem percentualmente menos no pós-venda do que as matrizes", afirma Diogo.

Às causas mercadológicas para o desempenho dos SACs brasileiros, o presidente do IBRC acrescenta as culturais e jurídicas. "Apesar de todo o progresso, o consumidor nacional ainda não tem a exigência do americano ou do europeu e muitas vezes desconhece seus direitos. Existe no Brasil o famoso ‘deixa para lá’ e, entre as empresas, a prática do ‘pagar para ver’, em que se permite a falha na esperança de que só um ou outro vá reclamar", diz ele. "Outro problema é a falta de infraestrutura jurídica para que o consumidor exerça seu direito. Se ele vai a um Procon, pode passar lá o dia todo e ser atendido por pessoas despreparadas. E, se entra na Justiça, tem de esperar anos", acrescenta.

É bem verdade que, antes da edição do decreto 6.523, grandes empresas já buscavam fixar padrões mínimos de qualidade para seus telesserviços. Em 2005, a ABT e as associações brasileiras de Marketing Direto (Abemd) e das Relações Empresa Cliente (Abrarec) criaram o Programa Brasileiro de Autorregulamentação (Probare), abrangendo vários segmentos. Com código de ética, ouvidoria, selo especial para as empresas certificadas e normas de gestão, o programa prescreve regras de abordagem que incluem clareza na oferta de produtos, dias e horários adequados para contato e acessibilidade aos SACs.

Mais de 30 empresas estavam certificadas no fim de 2008, somando mais de 300 mil empregados regidos pelas normas do Probare, afirma o presidente da ABT. "Temos a convicção de que o próprio mercado pode regular suas atividades, sem a necessidade de instituir mecanismos que impeçam a livre iniciativa", defende Jarbas Nogueira. "Entendíamos isso na época da criação do Probare e estamos cada vez mais convencidos, em função dos resultados já alcançados, de que a autorregulamentação sempre é melhor e mais efetiva do que regulamentações genéricas e de difícil controle por parte do Estado."

Especialista em treinamento para contact centers, a fonoaudióloga Ana Elisa Moreira-Ferreira destaca nas novas regras a redução da espera e da peregrinação dos clientes por vários níveis de atendimento. "Não basta, no entanto, ser rápido", adverte. "É preciso que o cliente sinta que o operador está engajado na solução do problema." Ana Elisa dedicou seu mestrado, na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, em 2007, à força da expressividade oral e linguística nos telesserviços. "Notamos em uma empresa que, mesmo sem solucionar o problema, o cliente ficava mais satisfeito quando era atendido por um profissional envolvido."

Emprego e rotatividade

A condição de grande empregador é marca dos telesserviços desde o fim dos anos 1990, quando o setor passou a expandir o número de contratações em 10% ao ano. "Nossa expectativa é chegar a 1 milhão em 2010", afirma o presidente da ABT. A maior concentração de trabalhadores está no atendimento de serviços financeiros e de telecomunicações, comércio varejista, seguros, planos de saúde, editoras e gráficas. Somente a Atento Brasil, líder de mercado, mantém 72 mil postos de trabalho, que se dividem entre pré-venda, venda por telefone, atendimento em SACs, cobranças e outros serviços remotos.

Com mais de cem grandes clientes – da Coca-Cola à Fiat, do Banco do Brasil à Telefônica, da Samsung à Souza Cruz –, a Atento opera 29 contact centers próprios e outros 25 em empresas que atende, em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador, Goiânia e seis cidades do interior paulista. Por dia, são 8 milhões de contatos, estima a diretora de Relacionamento com Pessoas, Majo Martinez, contabilizados telefonemas e atendimentos via internet. Por mês, em seu site, a empresa recebe 12 mil currículos de candidatos a emprego. "A Atento Brasil contrata o ano inteiro", diz Majo. No fim de 2008, de uma só leva, foram 4 mil contratações em São Paulo.

Em virtude da geração de empregos, os telesserviços também tiram partido da guerra fiscal. Em 2005, o estado de São Paulo reduziu de 25% para 15% o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do setor. Prefeituras paulistas como a de Mogi das Cruzes baixaram, também, os impostos sobre Serviços (ISS) e Predial e Territorial Urbano (IPTU). Desde 2006, a cidade ganhou dois contact centers, das empresas Tivit e Vidax, que empregam 5 mil pessoas. "O que deixa de ser arrecadado é compensado pelo aquecimento da economia, que gera qualidade de vida e novas receitas", diz o secretário municipal de Desenvolvimento Econômico e Social, Marcos Damásio.

Nos contact centers, a grande maioria de atendentes é do sexo feminino, tem pelo menos 18 anos, segundo grau completo, domínio de digitação e noções de informática. As competências mínimas para o trabalho incluem boa dicção, fluência verbal, facilidade de comunicação e objetividade, destaca o consultor Kendi Sakamoto. Ele enumera outros atributos: iniciativa, dinamismo, responsabilidade, comprometimento, capacidade de atuar em equipe, facilidade de relacionamento e flexibilidade. Entre as competências específicas, o consultor cita a persuasão e a capacidade para trabalhar sob pressão, negociar e lidar com situações de frustração.

Subindo na profissão

Atendente não tem vida fácil. Entre o telefone e o computador, ele responde à chefia de um supervisor e não pode se descuidar dos resultados. Deve atentar para as regras de marketing e polidez sem perder a linha diante de queixas, críticas, demonstrações de incompreensão e impaciência ou mesmo desaforos. Com 30 anos de telemarketing, o consultor José Teófilo Neto, da empresa Comunicação Direta, resume o desafio diante da missão de levar o interlocutor a usar o cartão de crédito ou assinar um cheque: "Numa jornada de seis horas, consegue-se de três a seis vendas. Para isso, o atendente deve falar com 40 pessoas – o equivalente a seis ou sete por hora".

O bom atendente deve ter domínio técnico sobre os produtos, saber a utilidade deles para o cliente e conhecer as regras da empresa. A escolha das palavras e a modulação de voz são decisivos, destaca Ana Elisa Moreira-Ferreira, da Univoz. Em sua pesquisa de mestrado – ganhadora, em 2007, de um dos prêmios anuais da ABT –, a fonoaudióloga avaliou reações a conversas gravadas de dois teleoperadores. "Dentre os que ouviram, 93,6% rejeitaram o atendimento do operador que apresentou voz com pouca variação melódica, volume elevado, frases que demonstram rigidez, apego ao script da empresa e uso pouco frequente de expressões de cordialidade, além de não ter ouvido com atenção o cliente."

A rotatividade da mão-de-obra é outra característica dos telesserviços. Para quase metade dos contratados, a posição conquistada num contact center representa o primeiro emprego, assegurando o custeio dos estudos em busca da sorte em outras profissões. Com carteira assinada e salário inicial em torno de R$ 450, um teleoperador pode ascender na função e chegar a receber R$ 1,8 mil, somados salário fixo e comissões. "A rotatividade é maior em televendas ativas, pois a atividade requer muito esforço e adrenalina", observa José Teófilo Neto, referindo-se à tensão decorrente das metas de desempenho.

Cada vez mais, porém, a profissionalização do mercado tem estimulado entre os atendentes a opção de aprimorar-se no ramo. Começando pelo atendimento, o profissional pode ir galgando degraus nos planos de carreira das empresas, ascendendo a monitor de qualidade, multiplicador de conhecimento, analista de planejamento, supervisor, coordenador, gestor de cliente, gerente e até diretor. "O atendente não é mais visto como um quebra-galho", assinala Kendi Sakamoto. Ele aborda o passo-a-passo desse novo campo profissional no livro Alice no País do Contact Center, em coautoria com o jornalista Claudir Franciatto.

Os teleoperadores ainda não têm a atividade regulamentada por lei. As regras para o exercício da profissão têm sido fixadas em acordos coletivos entre as empresas e os sindicatos de trabalhadores das telecomunicações. Na Câmara dos Deputados, tramita desde dezembro de 2007 um projeto que prevê direitos como jornada de seis horas e pausas de dez minutos a cada hora trabalhada. O ambiente de trabalho dos teleoperadores deve seguir as regras de ergonomia da norma regulamentadora (NR) 17 do Ministério do Trabalho e Emprego. A categoria já tem, contudo, doenças laborais conhecidas, como dores nas costas, fadiga visual e tendinites.

"Para evitar esses males, muitas empresas incentivam a prática da ginástica laboral, com uma série de exercícios conduzidos por especialistas em educação física, fisioterapia e fonoaudiologia", afirma o consultor Roberto Madruga, da ConQuist. Ele dedica às doenças do setor um capítulo no livro Call Centers de Alta Performance – o primeiro a analisar o decreto 6.523. Madruga assinala o valor do respeito aos padrões ergonômicos nas centrais de atendimento para o bom resultado dos negócios: "Algumas empresas ainda não perceberam que a qualidade do ambiente de trabalho do operador influencia diretamente a do atendimento".

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