Postado em
Mudança necessária
Há concordância em que a legislação tributária precisa ser alterada
Em sua reunião de 16 de junho de 1999, o Conselho de Estudos Jurídicos (CEJ) da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (FCESP), presidido por Ives Gandra da Silva Martins, contou com a presença de Ernane Galvêas, que discorreu sobre o tema da reforma tributária.
IVES GANDRA MARTINS É uma honra para este conselho receber Ernane Galvêas, que falará sobre a reforma tributária, tema ao qual vem há muito se dedicando. Como presidente do Banco Central, ministro da Fazenda e do Planejamento, ele teve sempre essa questão como prioritária. E hoje, como consultor econômico da Confederação Nacional do Comércio, vai expor ao conselho as idéias da entidade, que, assim como a Federação do Comércio do Estado de São Paulo, está posicionando-se em relação à reforma.
ERNANE GALVÊAS Vemos que realmente alguma coisa precisa ser feita no Brasil, não só na área tributária mas em vários outros setores onde se fazem necessárias profundas reformas de base. A Constituição de 1988, como sabemos, transferiu para estados e municípios rendas maciças do governo federal, mas não os encargos. Essa transferência sobrecarregou a União de tal maneira que o então presidente, José Sarney, e outras autoridades declararam repetidas vezes que era impossível administrar o governo federal com aquela estrutura do sistema tributário. Na busca por novos caminhos, foram surgindo esses pingentes tributários, como os acréscimos do PIS, da Cofins, a contribuição social sobre o lucro líquido e todos os outros aumentos criados por legislação infraconstitucional.
Para se ter uma idéia, antes da Constituição de 88, a União ficava com 50% do bolo tributário, e depois passou a ter 33%. A União só voltou a ter mais de 50% de participação porque inventou uma série de impostos que não repartia com estados e municípios, já que praticamente metade do IPI e do Imposto de Renda é transferida para os governos estaduais e municipais. Mas os estados e municípios beneficiados com essa renda se acomodaram à nova riqueza, gastando mal: ampliaram em muito seus quadros de pessoal, com benefícios e privilégios, inclusive com relação às aposentadorias e pensões.
A Constituição de 88 criou novos dispositivos para calcular benefícios previdenciários e mandou repor perdas acumuladas anteriormente. Foi um desastre. Ela deu estabilidade aos funcionários antes regidos pela CLT, que passaram para o regime único, e, como isso foi feito em 88 e estamos em 99, uma enorme massa de funcionários beneficiados passou a se aposentar com o último salário do cargo público, quando durante praticamente dois terços da sua vida de trabalho eles contribuíram para o INSS com valores muito menores. A Constituição também incluiu no INSS os trabalhadores rurais e uma parte dos empregados da construção civil que nunca tinham contribuído para o sistema, além de criar o seguro-desemprego e instituir o pagamento de salário mínimo para idosos e deficientes. Isso agravou ainda mais a situação do INSS, e por conseqüência o problema orçamentário da União. O mesmo ocorreu com o sistema de saúde, o SUS. Mais ainda: transformaram-se territórios em estados, Goiás e Mato Grosso dividiram-se para dar origem a mais dois estados, criaram-se mais de 2 mil municípios, e o Judiciário expandiu-se enormemente. Houve uma festa com os gastos, e os tributos tinham de acompanhar. Mas não acompanharam. E o Estado, além dos tributos que arrecada, hoje gasta ainda mais 8%, que é o déficit orçamentário do setor público, financiado com a absorção de recursos do setor privado.
Com o processo de globalização, as empresas nacionais estão sendo colocadas em competição aberta com as estrangeiras, as quais têm mais acesso às inovações tecnológicas, além de carga tributária menor, taxas de juros mais baixas e infra-estrutura mais eficiente. Então estamos em desvantagem nessa competição. Nosso processo de abertura da economia foi mal conduzido, não negociamos as reduções tarifárias no Gatt; consolidamos essas posições na Organização Mundial do Comércio (OMC) e hoje estamos em dificuldade para sustentar essa abertura.
E a situação foi agravada pela taxa de câmbio a partir de 1994, já que em vez de uma desvalorização inicial fizemos uma sobrevalorização. Convivemos com isso até janeiro de 99, o que provocou uma enorme distorção no balanço de pagamentos. Temos hoje a visão do que foi feito, comparando o período de 91 a 94 ao de 95 a 98. De 91 a 94, praticamente equilibramos as transações no balanço de pagamentos, produzimos um superávit na balança comercial capaz de financiar ou de cobrir o déficit da balança de serviços, que são juros principalmente, dividendos e mais as viagens internacionais. A modificação nesse quadro distorceu a equação do balanço de pagamentos de tal maneira que, no período seguinte, na mesma dimensão de tempo, produzimos um déficit de US$ 110 bilhões. E esse déficit acaba se transformando em dívida interna, porque para cobri-lo tivemos de atrair capitais estrangeiros, e a atração é feita com a taxa de juros. Então tivemos que praticar uma enorme taxa de juros para atrair o capital estrangeiro e assim financiar o desequilíbrio do balanço de pagamentos. E a taxa de juros impactou direta e pesadamente as contas do setor público. De modo que afetou os municípios, os estados e muitíssimo a União. Isso desequilibrou ainda mais os orçamentos, levando os estados a declararem moratória, e a União teve que encampar suas dívidas mobiliárias, recorrendo novamente à criação de impostos excêntricos para não ter seus problemas agravados.
Então eram três os obstáculos fundamentais que se colocavam à frente da economia nacional: a taxa de câmbio, a de juros e a carga tributária. A esses três se somavam ainda a ineficiência da nossa infra-estrutura, o custo portuário e o dos transportes no Brasil, que é muito mais elevado do que nos países que concorrem conosco nos mercados internacionais. Começamos este ano a resolver o problema na área externa. A mudança do sistema cambial afastou o fantasma de uma moratória na área externa. Quando há pressão, saem as reservas e se transferem os capitais daqui para fora, a taxa de câmbio acomoda a oferta e procura no mercado cambial e temos a situação resolvida pelo mercado e não pelo Banco Central ou pelo governo. Então, de uma maneira espantosa, mas necessária, ainda que com grande atraso, acho que afastamos um dos elementos negativos. Faltam agora os outros, como por exemplo a reforma portuária, a fim de aproximar os custos de manipulação das cargas nos portos nacionais aos praticados internacionalmente. Hoje, na Argentina, com a privatização dos portos, a manipulação de um contêiner de 20 pés custa mais ou menos US$ 105. Em Santos, US$ 305. Esse é um problema que temos de resolver.
Por tudo isso é que precisamos de uma reforma tributária. E qual a mais conveniente? De modo geral, devemos colocar a questão da maneira mais simples possível: a reforma tributária ideal é aquela que reduza a carga atual e promova uma simplificação do sistema, que é muito complexo. A simplificação atenderia não só às empresas, reduzindo imposto, como também ao fisco, que tem uma enorme despesa com a administração do sistema.
Mas o que existe na verdade é uma declaração de princípios categórica, do Executivo e do Legislativo: não haverá redução da carga tributária, uma vez que a reforma não tocará na repartição de tributos entre União, estados e municípios. Então a saída é buscar caminhos que possam levar a um resultado semelhante, através de algum processo que promova o alargamento da base tributária, de modo que, se todos pagarem, pagarão menos. A carga tributária pode ser mantida, não sei por quanto tempo, até que se consiga uma cultura e uma vontade política para reduzir as dimensões do Estado. Isso está ocorrendo de algum modo, através do programa de privatização, mas vai levar tempo.
Como estão colocados os projetos nessa direção? Havia um projeto revolucionário, de Luís Roberto Ponte, que reduzia o número de impostos e basicamente recorria à tributação daqueles chamados não-declaratórios. A simplificação era de tal ordem que se imaginava até poder abolir a presença dos fiscais nas empresas, reduzindo o custo da máquina fiscal, fazendo a cobrança nas contas de energia elétrica, de telefone, nos combustíveis, enfim, cobrando basicamente na origem. É um imposto fácil de arrecadar e difícil de sonegar. E acrescentando mais um imposto nas operações financeiras, que é uma inovação brasileira. Mas o autor do projeto não foi reeleito e não tem hoje a mesma força para vender suas idéias. O que o Congresso retomou com maior ênfase é o antigo projeto coordenado por José Serra, a proposta de emenda constitucional PEC-175/95, que está nas mãos do deputado Mussa Demes. Essa proposta foi criticada e de certa forma rejeitada pelo Ministério da Fazenda, tanto que o ministro Pedro Malan, em novembro de 98, mandou um substitutivo que está correndo em paralelo.
Chegamos, na Confederação Nacional do Comércio, a ensaiar um projeto também com certa ousadia. Eu trazia a experiência do Ministério da Fazenda, sabendo das dificuldades de exercer uma política fiscal eficiente, porque cada vez que o governo precisava de algum recurso da política fiscal acabava esbarrando na Constituição. Se fosse preciso aumentar o IPI ou o Imposto de Renda, a elevação tinha de ser duas vezes mais do que o necessário, porque a metade seria transferida para estados e municípios. Ou seja, praticamente inviabilizou-se a política fiscal. A saída era recorrer basicamente à política monetária, que não é a melhor solução em certas situações, e a esses pingentes tributários que não são repartidos com estados e municípios.
E o Executivo não queria a reforma tributária. Veio fazendo com a legislação infraconstitucional os ajustes fiscais de 97, de 98 e de 99, criando aumentos de alíquotas, nesse malabarismo que elevou a carga tributária ao nível que o governo federal desejava. Então na verdade o governo já está praticamente satisfeito, pois sabe que não pode ir muito além. Não faz muito tempo, numa reunião em Brasília, o presidente Fernando Henrique disse claramente: "Eu preciso muito mais da reforma administrativa e da previdenciária do que da tributária, que pode levar a União a perder ainda mais receita".
Agora, circunstâncias e acontecimentos que não conseguimos explicar em toda a sua extensão trouxeram a reforma tributária novamente à tona. E o Congresso Nacional hoje, sentindo que precisa dar alguma resposta à opinião pública, tomou-a como um processo que vai caminhar, e o próprio Executivo aderiu. Depois de dois anos de procrastinação, o ministro Pedro Malan não teve outra alternativa senão mandar uma proposta para a comissão especial da Câmara dos Deputados. E hoje está todo mundo engajado, e o próprio presidente da República anuncia que a reforma é da maior importância. Uma importância que acho até exagerada. Na minha opinião, essa reforma tributária que está desenhada nos diversos projetos que estão no Congresso não vai produzir milagres. Possivelmente vai ajudar, porque tem simplificações importantes que podem realmente reduzir o custo da administração fiscal para as empresas.
Mas quais são os projetos que estão na Câmara dos Deputados? Existe a PEC-175, que está nas mãos do deputado Mussa Demes; o projeto Pedro Parente II, que foi encaminhado pelo ministro Pedro Malan; o de Antonio Kandir; o de Rubem Medina; o de Márcio Fortes, que é uma tradução do projeto que lhe foi encaminhado pela Ação Empresarial. Ao lado desses há muitos outros, mas basicamente são esses os que têm mais viabilidade de ser considerados pelo relator como subsídio para a elaboração do seu parecer e a proposta final. E o que é que esses projetos propõem? Em síntese, acabar com o IPI, com o ICM e com o ISS, englobando todos eles num ICMS ampliado. A regulamentação desse imposto será feita por lei federal, e os estados ficarão encarregados da arrecadação, que depois será partilhada com a União e os municípios, evidentemente. A parte judiciária, a discussão dos conflitos em relação ao ICMS, ficará na esfera federal.
No projeto Mussa Demes, permanece o imposto sobre grandes fortunas, embora haja uma recusa generalizada do empresariado em relação a ele. Mas existem também alguns pontos muito positivos, como, por exemplo, a questão da anterioridade, os 90 dias que são agora colocados para a vigência de novos impostos ou aumentos de alíquotas dos já existentes. Porém, esse projeto não trata do imposto seletivo, que é uma das simpatias do empresariado para distribuir um pouco o peso das alíquotas dentro do sistema tributário. Segundo entendo, o deputado Mussa Demes se refere à possibilidade de haver um ICMS seletivo, que incida sobre determinados produtos, similar ao imposto seletivo que está no projeto do Ministério da Fazenda. A idéia de que se transfere a maior parte desse novo ICMS para estados e municípios leva a compensar o governo federal, que perde o IPI, com esse imposto seletivo, que ficaria, portanto, na esfera de competência do governo federal, naturalmente podendo ser também compartido com estados e municípios.
Uma diferença que também parece importante é que no projeto Mussa Demes esse novo ICMS ampliado teria duas alíquotas, uma federal e outra estadual, enquanto no do Ministério da Fazenda ela seria única. A repartição seria feita por um processo que se desenhasse posteriormente. Por outro lado, o projeto do Ministério da Fazenda junta todos esses impostos num grande ICMS e mais três adicionais: um para custeio da seguridade social, outro para o ensino fundamental e um terceiro que seria para formar um fundo de equalização destinado a compensar eventuais perdas que pudesse sofrer algum ente federativo no novo sistema tributário.
Uma vantagem importante que vemos no projeto do Ministério da Fazenda é a proposta clara de, ao lado dessa fusão, extinguir o PIS, a Cofins e a contribuição social sobre o lucro líquido. Achamos que essas são algumas excrescências que surgiram no processo de adaptação e já está na hora de nos livrarmos delas. Os outros projetos vão mais ou menos na mesma direção. O de Kandir apresenta uma complicação, porque propõe um imposto sobre vendas a varejo, eliminar da folha de pagamentos uma série de pontos, como o acidente de trabalho, o salário-educação, e passar a contribuição do sistema S Senai, Sesi, Senac e Sesc para um orçamento único de seguridade social. Consideramos isso uma temeridade, porque o sistema S funciona há 50 anos por iniciativa do setor privado e é bastante elogiado do ponto de vista de formação profissional, de assistência social, de educação e de lazer.
Saiu da Ação Empresarial um projeto que leva a assinatura de Márcio Fortes e que propõe mais ou menos a mesma coisa: juntar IPI, ICM e ISS num ICMS ampliado, com legislação federal e arrecadação estadual. Diferentemente do projeto Mussa Demes, a alíquota seria global. Mas cria um imposto de vendas a varejo na área dos municípios, em relação ao qual fomos contra. Nós, da Confederação do Comércio, temos uma dissidência dentro da Ação Empresarial: entendemos que o município não deve ter organização fiscal, que é custosa do ponto de vista do orçamento. O município deve receber transferências da União ou dos estados e ter impostos fáceis de arrecadar, como é o IPTU, por exemplo, para que não precise ter quadro fiscal. Esse projeto também não trata do imposto seletivo, e acho que pela mesma razão de que através de um ICMS seletivo, com alíquotas diferenciadas, mais altas para produtos supérfluos, se possa elidir a necessidade do imposto seletivo.
Entendemos em princípio que o IPI pode ser fundido com o ICM e o ISS, como forma de simplificação. Mas não sabemos ainda qual será o resultado, é um salto no escuro, também porque vamos perder toda a legislação e a jurisprudência do IPI e do próprio ICM. Todo o trabalho já acumulado nos conselhos de contribuintes se perderá. Apesar do risco, achamos que a simplificação pode compensar.
Aí vem a pergunta: qual é a vantagem disso? Acho que, por exemplo, há vantagens na legislação federal com relação à guerra fiscal que tanto prejuízo causa aos estados que nela estão empenhados. Essa nova legislação pode até eliminar o imposto interestadual. E, eliminando o imposto interestadual, acabam também as barreiras nas estradas, que são uma coisa vergonhosa do ponto de vista dos achaques aos caminhoneiros e da corrupção que ali circula.
Complementando esses quadros todos, a idéia seria, embora ainda não esteja definida, que o ICMS fosse cobrado na ponta final do consumo. Porém, se for assim, os estados produtores vão perder, de partida, o imposto que incidia sobre as operações interestaduais. Então já começam aí algumas resistências. Acho que São Paulo é o mais resistente, porque seria o maior perdedor. Essas questões serão acomodadas até a hora em que pudermos definir as alíquotas e o sistema de repartição, inclusive a operação do fundo de equalização.
IVES GANDRA O exame de uma reforma tributária ampla, sem a definição do tamanho do Estado, é algo extremamente preocupante. Se partirmos para as soluções que estão sendo discutidas, estou convencido de que vamos ter um aumento da carga tributária, na medida em que os estados perdedores terão de ser compensados. Tomemos, por exemplo, o déficit público da União Européia, no seu conceito nominal, que é o mais abrangente. Onze países resolveram ter a mesma moeda, criou-se um banco central europeu e a condição fundamental é que nenhum dos países poderia ter um déficit público superior a 3%. O nosso déficit no conceito nominal é de 8%, o que significa, em última análise, que o objetivo de qualquer reforma é a redução desse déficit à custa de uma sociedade que hoje tem um PIB em decadência, porque está sufocada por excesso de federação e excesso de Estado.
EDVALDO BRITO Tive a responsabilidade de representar o município de São Paulo em duas discussões perante a Comissão de Reforma Tributária. A primeira foi em Porto Alegre, onde se reuniram os nove dirigentes das maiores regiões metropolitanas do Brasil. E lá vi que, além de todas as reformas que se vêm discutindo, será necessário fazer mais uma, a das regiões metropolitanas. Preocupa-me esse jogo de forças, porque ou nós não vamos ter reforma nenhuma, até porque o governo federal já fez a dele, ou a que tivermos não será uma reforma verdadeira. Então também acho que melhor seria uma reforma pontual.
WAGNER MAR Não posso deixar de manifestar minha preocupação a cada vez que se fala em reforma tributária, pois nunca vi tratar-se de imposto neste país sem que isso resultasse num aumento da carga para a iniciativa privada.
Se ponderarmos exatamente qual a carga tributária para as empresas privadas e para a classe média, sobretudo, vamos ver que é uma das mais elevadas do mundo. Um estudo comparativo recente do imposto de valor agregado da América Latina, dos Estados Unidos e da Ásia com um valor agregado simulado brasileiro, em que foi ponderada a taxa de ICMS e de IPI, mostra que essa alíquota genérica do Brasil soma 29,8%, contra 16,57% na América Latina, 18,29% na América do Norte e 11,67% na Ásia.
Outro ponto básico que temos de levar em conta é a simplificação da operação tributária no país, porque, enquanto ela for complexa como é hoje, mesmo o mais ético e mais honesto dos empresários estará sempre em débito com as autoridades fiscais, uma vez que não conseguirá pagar seus tributos da forma que a legislação impõe.
GASTÃO ALVES DE TOLEDO Na verdade, estamos discutindo dois pontos cruciais nessa reforma. Um deles é o problema das contribuições sociais. A idéia geral é que elas sejam simplesmente extintas, por serem cumulativas. O outro ponto é o imposto sobre consumo, o ICMS, que provavelmente vai transformar-se em um ICMS ampliado. O problema subjacente a essa situação, até hoje ainda não definido no seio da comissão, é se para esse ICMS ampliado será considerado o regime de destino ou o de origem.
No regime de destino, o estado que recebesse a mercadoria depois compensaria no pagamento do imposto aquilo que fosse destinado à União. Isso redundaria talvez em um acúmulo de crédito bastante substancial para esse estado. Nesse caso seria também necessário adotar uma câmara de compensação entre estados, o que me parece de natureza bastante complicada.
No regime de origem, bastaria transformar o Brasil em um Estado unitário, onde não houvesse fronteiras interestaduais, e o ICMS seria cobrado como um IVA comum. Mas há uma repulsa generalizada pela idéia do regime de origem no Brasil. O que me parece que existe de fato é uma descompensação econômica na federação. Creio que vamos ter de conviver com esse problema durante bastante tempo ainda, porque não se pode de uma hora para outra reduzir a participação do estado de São Paulo, do Rio Grande do Sul ou de Minas Gerais no PIB para assim satisfazer o equilíbrio que seria ideal na federação.
ANTENOR CERELLO JÚNIOR Eu gostaria de pinçar um ponto específico de um tributo, que é o IOF, que tinha por finalidade ser um instrumento de política monetária e se transformou num mero instrumento de arrecadação. Na verdade, quando o governo tem uma política monetária e uma taxa de juros no viés de baixa, não há sentido em manter um imposto como o IOF. É uma contradição em relação à política monetária, pois encarece o custo do dinheiro, o que é um dos principais inibidores do crescimento econômico. Claro que a simplificação do sistema é importante, mas o crescimento econômico deveria ser o principal balizador, porque atende a todos, inclusive é uma forma de arrecadar mais tributos e compensar a perda de outros.
AIRES FERNANDINO BARRETO Há no Brasil 5.513 municípios, que são tratados de forma absolutamente idêntica, quando suas disparidades são as mais significativas. Cuidar deles apenas pelo critério da transferência pode significar o fim da autonomia dos municípios, que se expressa através do tripé político, administrativo e financeiro. Sem o financeiro, as duas outras pernas não se sustentam. Penso que a questão do ISS poderia ser resolvida com o critério previsto no projeto Pedro Parente II. Com uma ressalva: haveríamos de excluir a tributação dos profissionais autônomos, porque senão ficaria inviável aplicar a alíquota municipal e estadual. Nesse particular, o projeto Pedro Parente II tem um ponto que me parece positivo, porque cogita do ICMS nacional ampliado e, ao lado disso, prevê a manutenção do ISS no âmbito municipal. Só que o valor pago ao município seria deduzido do imposto sobre serviços cobrado em nível estadual. Isso, além de preservar a receita dos municípios, teria o condão de acabar com a guerra fiscal intermunicipal.
![]() |
|