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Capa - Dança das Letras
A sexta edição da Feira Literária Internacional de Paraty (Flip) recebeu uma atenção por parte da mídia digna de um grande show de rock. Matérias diárias seguiram minuciosamente os passos dos escritores nacionais e estrangeiros que compareceram ao evento realizado de 2 a 6 de julho, na bela cidade de Paraty, no estado do Rio de Janeiro. Ponto para o livro – que raramente é tão “paparicado” pela imprensa – e, mais ainda, bom para o livro brasileiro, uma vez que tal cobertura chancela o êxito de um evento que, este ano, reuniu figuras como João Gilberto Noll, Ana Maria Machado, Vanessa Bárbara, Cintia Moscovich e Rodrigo Naves – um grupo que, segundo Flávio Moura, diretor de programação da Flip 2008, é formado por alguns dos “grandes destaques” de 2008. No entanto, uma vez passada a feira, o que esse burburinho realmente revela sobre o mercado editorial brasileiro e sobre a presença da literatura nacional nas listas dos mais vendidos? “Creio que o desejo de todo editor de respeito no Brasil é descobrir um autor nacional novo, achar a ‘voz’ da nova geração”, responde Moura. “Vejo um interesse muito forte de editores e leitores por autores nacionais, novos e não novos, mas é preciso reconhecer que a fatia de mercado que eles ocupam é muito modesta se comparada à dos autores estrangeiros, sobretudo norte-americanos e ingleses.”
Da esquerda para a direita: Marcelo Rubens Paiva, Lya Luft e José Roberto Torero
Apesar dessa constatação, Flávio Moura é otimista: “O espaço vem aumentando e o momento é bom para a literatura brasileira. As tiragens não chegam a ser grandes (creio que um autor nacional em início de carreira tem sorte se tiver 3 mil exemplares de tiragem de seu livro), mas a cada ano surgem novas editoras interessadas em disputar esse espaço, autores engajados em projetos coletivos destinados a revelar novos nomes, revistas literárias, blogs sobre o assunto, etc.” O escritor e poeta Fernando Paixão, que durante 35 anos ocupou o cargo de diretor editorial da Editora Ática, afirma que a realização de feiras como a Flip ou a própria Bienal Internacional do Livro – cuja 20ª edição acontece de 14 a 24 deste mês – é positiva, sobretudo, para algo que ele considera de extrema importância: a democratização do livro. “Não se constrói uma sociedade moderna e democrática sem uma atividade editorial robusta, plena, diversificada, com várias correntes, para diferentes públicos. E quanto mais o livro circula nas veias da sociedade, mais essa sociedade vai dispor de conhecimento”, afirma. Por outro lado, é reticente quanto ao grau de sucesso efetivo desses eventos em virtude dos índices brasileiros de analfabetismo – 32 milhões de analfabetos funcionais, em 2006, segundo pesquisa divulgada, no ano passado, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “A gente tem um público que vai à bienal e muitas vezes não compra nada – ou compra o livro que está com desconto, e isso não é uma opção, é porque o livro estava barato. Ou a criançada que vai lá e pede a assinatura do autor num pedaço de papel.” Por outro lado, Paixão faz a ressalva de que “não se pode ter tudo de uma vez”, referindo-se à busca por uma situação mais próxima do ideal para o triângulo leitor-escritor-mercado. “É preferível que o povo vá às livrarias e feiras, realmente entre em contato com isso, para um resultado mais para frente. Agora, numa sociedade com os níveis que temos de alfabetização e compreensão da linguagem, é uma ilusão achar que todo mundo que vai a essas feiras realmente vai levar um livro para casa ou vai se tornar leitor.”
Você decide
É uma questão de enxergar o copo meio vazio ou meio cheio. Por um lado, uma pesquisa realizada pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) mostra que, em 2006, foram vendidos 310 milhões de títulos, de diferentes estilos e de escritores nacionais e estrangeiros, no Brasil – fato visto com bons olhos pela presidenta da entidade, Rosely Boschini. Mas, por outro, continuamos com a média de 1,8 livro lido por ano pelo brasileiro, segundo o Ministério da Cultura. “A venda de livros no Brasil vem crescendo consideravelmente nos últimos anos”, afirma Rosely. “De 1990 a 2006, as vendas cresceram cerca de 50% [no começo da década passada foram vendidos 210 milhões de livros]”. A presidenta da CBL credita os números atuais “às políticas públicas de incentivo à leitura e, de certa forma, ao aperfeiçoamento do sistema educacional brasileiro”. Além disso, claro, também computa a contribuição das diversas feiras realizadas pelo país afora, “como a Bienal do Livro de São Paulo [organizada pela CBL], que ajuda a popularizar o livro”. A última edição do evento, segundo a CBL, atraiu 811 mil visitantes.
Para o presidente da Associação Nacional de Livrarias (ANL) Vitor Tavares, 2007 também foi, “no geral”, um bom ano para o segmento livreiro. Mesmo não fornecendo números – e os únicos dados oficiais disponíveis são os de 2006, da CBL –, Tavares comemora “uma maior diversificação de títulos e segmentos”. Segundo ele, entre os responsáveis brasileiros pelo novo fôlego estão Lya Luft, Ignácio Loyola Brandão – “com a reedição de Não Verás País Nenhum [Global Editora]”, ressalta –, Gustavo Cerbasi, Augusto Cury e, claro, Paulo Coelho. “Acreditamos que a tendência de ‘bons ventos’ para o segmento livreiro continuará [em 2008]”, diz Tavares. “Esperamos atingir o mesmo patamar de crescimento de 2007”, que, segundo ele, foi de 10%.
Cadê o escritor brasileiro?
Fica difícil mensurar a real representatividade da literatura brasileira na dança dos números do mercado editorial quando as próprias estatísticas, como as fornecidas pela CBL, não fazem essa distinção. Uma saída seria acompanhar as “listas dos 10 mais” fornecidas pela imprensa e atentar para a presença dos nossos autores nelas. Mas isso também não daria a exata idéia de o quanto o português original aparece se comparado ao traduzido. “Como os critérios [dessas listas] não são muito claros, é possível que tenham livros ali que ?vendam de 10 mil a 100 mil exemplares”, afirma Fernando Paixão. “E a diferença entre o primeiro e o décimo deve ser imensa, é possível que primeiro lugar tenha vendido 100 mil exemplares e o décimo 5 mil.” Conseqüentemente, investigar se o autor nacional está se articulando melhor dentro desse mercado – no que diz respeito a aumentar suas chances nas prateleiras das livrarias – não é tarefa corriqueira. “Não há uma resposta simples para isso”, analisa Fernando Paixão. “A questão sobre se o escritor brasileiro hoje se articula de uma maneira mais profissional com a sociedade, para que o seu produto tenha uma ressonância, é muito genérica, logo, a resposta não é sim ou não. Talvez a maneira mais interessante de responder isso seja do ponto de vista comparativo. Os números de produção de títulos no Brasil [46 mil, em 2006, segundo a pesquisa da CBL] indicam que, do ponto de vista de quantidade, hoje temos uma publicação mais expressiva, em maior número, de títulos [de autores nacionais]. Agora, isso não necessariamente se reflete numa ampliação da venda global dos livros.” O especialista informa ainda que possivelmente os escritores não conseguissem aumentar sua participação no segmento sozinhos.
Da esquerda para a direita: Luis Fernando Verissimo, Chico Buarque e Luiz Alfredo Garcia-Rosa
“O mercado editorial é uma cadeia de fatores, que vai do editor, distribuidor, livreiro, consumidor, às escolas, às universidades, ou seja, não adianta nada a gente ter dinheiro para publicar 100 livros ótimos de literatura. Isso não necessariamente vai criar mercado e resultar em venda.” Mas deixa um conselho: “Uma mobilização dos escritores faria diferença no sentido de fazer valer os seus direitos. Acho muito importante que os autores se organizem para poder negociar com os editores, promover o seu trabalho ou até lutar por leis favoráveis”.
Da esquerda para a direita: João Ubaldo Ribeiro, Zuenir Ventura e Jorge Amado
na terra de autores apreciados no mundo todo, como Flaubert e Balzac
O escritor e ex-diretor editorial da Editora Ática, Fernando Paixão, não vê com grande entusiasmo a participação da literatura brasileira no exterior, tampouco nas rodas especializadas, leia-se nas universidades – exceção ao fenômeno mundial de vendagens Paulo Coelho, “um caso isolado”, segundo Paixão. “O escritor brasileiro é traduzido, mas limitadamente”, afirma. “É algo que se restringe a poucos casos e autores, e muitas vezes em poucos países. A Alemanha é um país que traduz muitos títulos do estrangeiro – não só do Brasil, mas também da Turquia, Bolívia, Argentina, México, Espanha, enfim, é uma sociedade em que a vida editorial absorve muita coisa estrangeira. Mas você vai para a Inglaterra, por exemplo, é impressionante como diversos autores franceses importantes não são traduzidos para o inglês – então, o que dizer do Brasil?”.
No entanto, alguns casos de maior êxito podem ser narrados. E quem o faz é a professora Luciana Wrege Rassier, da Universidade La Rochelle, naFrança e que, desde 1994, levanta a “bandeira literária” verde e amarela lá fora, inclusive como tradutora. “Há bastante interesse pela literatura brasileira contemporânea por parte dos especialistas e do grande público [franceses]”, garante. “É um instrumento essencial para melhor compreender o Brasil e ultrapassar os estereótipos.” Entre os exemplos desse interesse, a professora cita as conferências com autores brasileiros organizadas por ela, em 2005, o Ano do Brasil na França. Os convidados foram Antônio Torres e Márcio Souza. Antes disso, em 2004, Luciana já havia levado Bernardo Carvalho para conversar com os franceses. No ano passado, organizou a Semana do Brasil, durante a qual poetas de Recife e da cidade francesa de Nantes leram trabalhos seus publicados lá, em uma coletânea bilíngüe – de quebra, na ocasião, dois baianos, Myriam Fraga e Rubens Pereira também leram seus poemas.


Projetos e ações do Sesc São Paulo contribuem para a difusão da literatura brasileira
Outra ação de destaque do Sesc São Paulo no campo da literatura é a participação, pela segunda vez, na Bienal Internacional do Livro de São Paulo 2008 - no Pavilhão de Exposições do Anhembi, entre os dias 14 e 24 deste mês – com um stand de 230 m2, em que estarão disponíveis os produtos em catálogo, lançamentos do Selo Sesc de música e publicações das Edições Sesc. O espaço terá ambiente para leitura, convivência e exibição de vídeos, além de uma arena para sessenta pessoas, com uma programação que trará um pouco da atmosfera das unidades do Sesc para a Bienal.
“O Sesc São Paulo entende a produção artístico-cultural como fundamental para a efetiva formação do indivíduo e do cidadão”, afirma Marcos Lepiscopo, gerente de Desenvolvimento de Produtos. “Como forma de contribuir para a democratização do acesso à cultura e promover a produção e difusão do conhecimento artístico e sociocultural em suas mais diversas vertentes, a instituição atua no desenvolvimento de produtos culturais que atendam às necessidades de um público variado e amplo, de todas as idades, lançando títulos nas áreas das artes, esportes, ciências sociais, educação, filosofia, terceira idade, história e meio ambiente“. Diferentemente de outras editoras, a Edições Sesc São Paulo é, em grande parte, a própria geradora de seus conteúdos, na medida em que suas publicações são fruto de uma relação de intenso diálogo e intercâmbio com as programações e a ação cultural da instituição. Entre as obras que serão lançadas durante a Bienal estão Tokyogaqui: Um Japão Imaginado, coletânea de textos sobre os processos de influência da cultura japonesa no Brasil e Fotografia de Palco: 25 Anos, de Lenise Pinheiro, que reúne instantâneos de montagens de diretores nacionais e estrangeiros encenadas no Brasil. Já o destaque entre os títulos disponíveis na Loja Sesc é o Dicionário Sesc – A Linguagem da Cultura, que, lançado em parceria com a Editora Perspectiva, reúne mais de 2500 verbetes do mundo da cultura e das artes ocidentais.
Por último, um programa voltado para escritores iniciantes: o Prêmio Sesc de Literatura 2008, uma iniciativa do Departamento Nacional da instituição. O objetivo é premiar textos inéditos, escritos em língua portuguesa por autores brasileiros ou estrangeiros residentes no Brasil. As categorias são o romance e o conto, e as inscrições vão até o dia 15. Informações de como participar são encontradas nos sites www.sesc.com.br e www.record.com.br. Os vencedores serão conhecidos em janeiro de 2009.
