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por Massimo Di Felice

Graduado em sociologia pela Università degli Studi di Roma Sapienza, na Itália, o pensador e ensaísta italiano Massimo Di Felice possui doutorado em ciências da comunicação pela Universidade de São Paulo (USP) e atualmente é professor doutor na Escola de Comunicações e Artes (ECA), na mesma universidade. Sua experiência no estudo da comunicação digital faz dele um dos maiores nomes a se debruçar sobre os fenômenos sociais decorrentes da chamada era da informação, levantando aspectos acerca das novas formas de habitar o mundo, no que se refere à relação do homem com seu território e com a mídia. Coordenador do Centro de Pesquisa da Opinião Pública em Contextos Digitais – Cepop/ATOPOS –, Di Felice foi o convidado pelo Conselho Editorial da Revista E para um bate-papo no qual explicou conceitos dados por pensadores para as mídias de massa e seu conteúdo, sobre os desafios colocados pela era digital e de que forma a nova realidade tecnológica pode criar o que ele conceituou como “pós-humano”. A seguir trechos:


Importância da mídia na sociedade

Há uma frase muito importante  de Marshall McLuhan [1911-1980, filósofo e educador canadense] sobre as sociedades, que sempre foram mais influenciadas pela natureza da mídia do que por seu próprio conteúdo. Outra argumentação importante é acreditar que os efeitos da mídia não acontecem apenas no seu conteúdo. Uma das grandes inovações de McLuhan para os estudos de comunicação é pensar que a mídia em si é o conteúdo. Trata-se da famosa expressão “a mídia é a mensagem”. A mídia é uma forma de perceber o mundo, uma forma experiencial de se relacionar com ele. E, portanto, muito mais que o conteúdo, a grande transformação aportada pela mídia, para McLuhan, está ligada à experiência que ela nos propõe. Estamos acostumados, todos os dias, a ligar um aparelho e, com ele, nos comunicar com o mundo. A nossa percepção da realidade e boa parte das coisas que sabemos do mundo são aprendidas e veiculadas por esses aparelhos, em detrimento do conteúdo específico que cada canal possa nos oferecer.

Comunicação digital

É importante entender a especificidade e a inovação qualitativa aportada pela comunicação digital. Toda forma de comunicação anterior à digital apresenta-se como um repasse de informações unidirecional. Tal forma começa no teatro – no caso da sociedade oral –, no qual há um ator que fala a um público, que é o emissor do conteúdo,

O doutor em comunicação Massimo Di Felice esteve presente na reunião de pauta do Conselho Editorial da Revista E em 19 de junho de 2008

para chegar ao cinema e à TV, passando pelo livro, pela imprensa e pela fotografia. Do teatro até a TV, o modelo e a forma como são passadas as informações permanecem os mesmos: uma separação clara entre quem emite a mensagem e quem a recebe. Quem emite a mensagem é ator, ativo, que imita o conteúdo, e o público é passivo, recebe o conteúdo – obviamente sabemos que o receptor jamais foi completamente passivo, porque ele tem que decodificar, interpretar e entender as mensagens, mas ele não pode jamais modificar o conteúdo ou intervir ativamente nele. Não posso parar o filme e mudar a história, não posso interromper uma cena no teatro para dizer como eu quero que sejam as coisas, não posso interromper o jornal das 8h (embora às vezes dê vontade de fazer isso). E não posso porque a comunicação analógica funciona dessa forma. Não é mais assim na comunicação digital. Como mostra a representação gráfica de uma rede digital, quando estamos na frente do computador, somos, ao mesmo tempo, emissores e receptores. Aliás, não podemos nem mais usar essas categorias porque a relação que temos com a TV não é como a que temos com o PC. Nós ligamos a TV, ficamos sentados, geralmente à noite, quando voltamos do trabalho, e, passivamente, assistimos às imagens – e quanto mais passivos, melhor. Com um computador conectado à rede, não podemos mais ser passivos. A comunicação acontece somente se mexemos o mouse, se escolhemos um site, se digitamos um motor de busca, uma palavra-chave. Recebemos como resposta um conjunto de sites, que abrimos e fechamos. Entramos em um diálogo contínuo com as informações da rede, e o resultado é a construção de um caminho, de um conteúdo. É esse um dos principais aspectos da revolução da comunicação digital: a modificação tecnológica da forma do repasse de informações, além da sua produção.

Nós e os robôs

Existem várias interpretações a respeito do conceito de pós-humano. Uma primeira pode ser pensar o pós-humano como uma superação de um determinado tipo de humano, que é o humano que a filosofia ocidental desenvolveu e pensou até agora. Uma outra construção mais radical pensa o pós-humano como uma nova forma da essência do homem, a mais antropocêntrica, mas ligada a um outro tipo de ecologia, uma ecologia que não é somente ecologia da natureza, mas também inorgânica, ligada ao circuito de redes informativas, portanto uma direção cibernética ligada ao conceito do ciborgue. Nós temos formas diferentes de pensar o pós-humano a partir dessa relação com a tecnologia digital. Uma primeira forma é a duplicação. Ela é o conceito mais claro, trata-se do robô. É a história que o cinema, por exemplo, apresentou em várias formas, com em Metrópolis [filme de 1927 do diretor alemão Fritz Lang que mostra um robô ocupando o lugar da personagem principal em dado momento da trama] e Blade Runner [fita de 1982, do diretor norte-americano Ridley Scott e que conta a saga de um caçador dos chamados replicantes, espécie de robô extremamente parecido com o ser humano]. Duplicação é uma criação tecnológica de algo que se parece com o homem, sua cópia. Nesse sentido, de um certo ponto de vista, é até um triunfo da forma empática na medida em que é uma construção que o homem faz e utiliza como uma ferramenta que auxilia em determinadas ações. Outra concessão é a extensão, isto é, a tecnologia digital criaria um tipo de extensão de possibilidade do homem, portanto, mais que duplicar, estenderia e potencializaria algumas atividades humanas, e que pode ser desde a memória até alguns atos de movimento. Tem uma outra forma, mais ligada ao fim do humanismo, que é uma forma dos ciborgues semióticos, portanto, uma forma que pensa o pós-humano como uma dissolução da essência do sujeito, do ser, e mais ainda na forma informativa com que constitui o seu território, portanto as redes digitais.

“Quando estamos na frente do computador somos, ao mesmo tempo, emissores e receptores. Aliás, não podemos nem mais usar essas categorias porque a relação que temos com a TV não é como a que temos com o PC”