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A responsabilidade do empresário
Um novo conceito de empreendedor
MÁRIO AMATO
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Mário Amato, presidente emérito da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, esteve presente no dia 9 de agosto de 2007 no Conselho de Economia, Sociologia e Política da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, Sesc e Senac, onde proferiu uma palestra com o tema "O Empreendedor Social".
Reproduzimos abaixo sua exposição e o debate que se seguiu.
Tive a felicidade de nascer em uma família maravilhosa, que sempre colaborou comigo. É por isso que sempre digo que na sociedade são muito importantes os hábitos e costumes que vêm do lar. Assumi o compromisso de falar sobre o empreendimento social, tomando como modelo as pessoas que têm a dignidade de não abandonar os que convivem com elas sem a mesma sorte ou a mesma capacidade de se desenvolver.
Hoje, mais do que nunca, o conceito de empreendedor expande-se além da idéia de um agente com a missão básica de tomar iniciativas, gerar empregos, desenvolver negócios, fortalecer a economia. Cabe-lhe também demonstrar respeito por seus semelhantes, promover talentos, estimular a pesquisa de novas tecnologias e reconhecer a educação como o principal instrumento de construção do homem. O empreendedor é aquela pessoa que não abandona seus objetivos e busca atingi-los identificando-se com seus parceiros, com sensibilidade no trato com seus auxiliares. Procura preservar e ampliar seu patrimônio material e familiar, demonstrando respeito à dignidade das pessoas, valorizando e adotando os avanços tecnológicos e com participação ativa em entidades com objetivos sociais. Cabe-lhe ainda conquistar e manter amizades e demonstrar patriotismo e civismo, reconhecendo que o país em que vive é o único lugar do mundo em que a árvore da iniciativa assentará raízes e produzirá frutos.
O empreendedor, ao longo da vida, é aquele que colabora, coopera, estimula e motiva, e que, além de suas obrigações com os próprios negócios, tem a sensibilidade de construir uma família e deixar uma herança – não somente o patrimônio econômico-financeiro, mas sobretudo o espiritual, que molda e edifica o caráter dos descendentes. No calor das atividades do dia-a-dia encontra tempo para colaborar com a educação dos filhos e transmitir suas experiências de vida, como a dificuldade das conquistas e a reserva de forças e recursos para superar os obstáculos. Reconhece a importância de desenvolver uma cultura de poupança, em vez de estimular a inconseqüente cultura do desperdício. De maneira quase intuitiva, conduz e mantém seus negócios e a estrutura familiar dentro de padrões éticos e morais, sem perder de vista o cuidado no trato com colaboradores e se dedicando, através de atividades sociais, às pessoas carentes de compreensão e de oportunidades para também se sentirem úteis como seres humanos. O empreendedor, hoje mais do que nunca e até por questões de sobrevivência pessoal e empresarial, não pode deixar de participar de trabalhos voluntários.
O empresário geralmente é visto como responsável pelas diferenças sociais. O crescimento populacional desordenado e seu principal efeito, o desemprego, devem servir de alerta para um maior movimento de ações voltadas para a solidariedade humana, fortalecendo as garantias de vida. Na literatura encontramos motivos que consolidam esse novo sentido no conceito do empreendedor, que consegue, através do estudo e da educação, chegar à percepção de que o respeito pela dignidade humana tem um papel preponderante na construção de uma sociedade mais justa, harmônica e pacífica. Não há como deixar de considerar que parte substancial do desenvolvimento econômico e social está fundamentada na geração de empregos.
Orgulho do Brasil
Diariamente tomamos conhecimento de ações focadas na área social, empreendidas por personagens de alta qualificação, vencedores em seu ramo de negócio. Tenho uma lista de legítimos empreendedores sociais que honram este país. As pessoas que são orgulho do Brasil ampliam o valor do empreendedor com suas ações sociais. Muitas ONGs e grande parte das empresas desenvolvem programas no campo social, um trabalho de reconhecida importância, apesar de, lamentavelmente, algumas instituições se locupletarem utilizando o manto sagrado do trabalho social. Malgrado os esforços de empreendedores na prestação de serviço social, a realidade brasileira é constrangedora, ineficiente, sobretudo no panorama vigente, em que as pessoas se aprisionam em casa, inseguras em seu direito de ir e vir. As ações empresariais, principalmente no que se refere a programas sociais, devem e precisam ser orientadas especificamente para o ambiente interno das empresas e, por extensão, para os serviços domésticos na residência dos empreendedores.
Vejam o exemplo de uma cozinheira que prepara refinadas refeições na casa de seus patrões, mas que mora miseravelmente, com seus familiares, em uma favela. Logo, o que se apresenta é a necessidade de propor que o bem-estar da sociedade atinja a todos. Essa deve ser a mais sublime das ações dos empreendedores.
Um estudo importante revela que grande parte das causas do aumento da criminalidade e da violência tem suas raízes na crescente ampliação do desemprego. Em 1994, pesquisas já demonstravam uma correlação inquietante entre crescimento do desemprego e crimes violentos. Segundo levantamentos de uma importante firma americana, o acréscimo de 1% na taxa de desemprego, nos Estados Unidos, resulta no incremento de 6,7% nos indicadores de homicídios, 3,4% nos de atos violentos e 2,4% nos de crimes contra a propriedade. Nas 30 principais áreas metropolitanas abrangidas nesse estudo, os pesquisadores da Universidade de Utah estimaram que, de 1990 a 1992, um aumento de 5,5% para 7,5% no desemprego resultou no acréscimo de 1,4 mil homicídios, 62,6 mil crimes violentos, incluindo arrombamentos, assaltos e assassinatos, e 223,5 mil ações contra a propriedade, incluindo roubo e furto de veículos motorizados. Ao final de 1992, havia 833 mil americanos encarcerados em prisões estaduais e federais, um aumento de 59,6 mil condenados em relação ao ano anterior. Isso num país considerado civilizado, com grandes empreendedores e empresários com alto espírito idealista, principalmente no mundo dos negócios.
Conseqüentemente, o empreendedor, hoje mais do que nunca, deve participar de um trabalho na área social, até por questões de sobrevivência pessoal. As autoridades não conseguem atender as reais necessidades e carências de nossa sociedade. Logo, cabe a todos aqueles que se sentem responsáveis colaborar para atenuar esse estado de coisas. E um dos principais compromissos, sem dúvida, é gerar cada vez mais empregos.
Debate
JOSUÉ MUSSALÉM – Mário Amato, identifiquei em sua apresentação quatro tipos de patrimônio: o espiritual, o ético, o moral e o material, que talvez seja o menos importante. Estamos vendo a falta sem precedentes de ética no setor público, uma coisa explícita no Brasil. Está aí o escândalo do caos aéreo, pessoas apegadas ao cargo que não querem sair. Vou dar dois exemplos de famílias que eram muito ricas e estão hoje numa situação bem diferente. Os Matarazzo, em São Paulo, e, em Pernambuco, os descendentes do fundador do grupo Othon, um gigantesco conglomerado da área têxtil e de açúcar, com fábricas e hotéis no país inteiro. Netos e bisnetos desta família hoje procuram emprego, pois as empresas quebraram. Isso mostra que dentro do conceito de responsabilidade social é muito melhor fazer um trabalho em benefício dos outros do que só pensar em si.
AMATO – A dedicação ao semelhante é fruto da família, onde nascem o amor e o respeito. Se me derem licença, gostaria de citar os Ermírio de Moraes. Conheci o velho José Ermírio, e uma ação dele me impressionou e serviu de exemplo. Ele tinha dois filhos que estudavam no Colégio Rio Branco e de repente o proprietário do edifício mandou uma carta dizendo que no ano seguinte deveriam entregar o prédio, que seria vendido. Ele telefonou para o proprietário, propondo a compra do local. Ele não estava na situação do Grupo Votorantim hoje, mas adquiriu o edifício, conseguindo recursos no Rotary Club. Foi uma atitude de empreendedor social. José Ermírio de Moraes Filho foi um moço de dedicação exemplar. Foi presidente de hospitais e de entidades diversas, inclusive clubes de futebol. Presidiu a Federação Paulista de Futebol, onde trabalhei com ele. E o irmão dele, Antônio Ermírio, todos conhecem. Se o velho José Ermírio pudesse reviver, veria a grandeza da obra que criou. São empreendedores, uma família respeitável e uma das maiores potências econômicas, hoje até financeiras, que temos no país.
Poderia citar outros exemplos, como Salvador Arena. Esse homem veio do nada, criou a Termomecanica, hoje uma empresa formidável. Foi o primeiro a dar gratificações aos funcionários no fim do ano e distribuir lucros. Construiu uma escola, e todos os filhos dos empregados tinham que passar por ela, se não tivessem outra melhor. Mais um exemplo é Amador Aguiar, que criou o maior banco do Brasil, com uma forte atuação social. Não se ouviu até hoje um funcionário fazer uma reclamação. E é um homem quase sem preparo intelectual. Poderia falar dos Matsushita, com quem trabalhei no Japão. De repente a firma deixou de lucrar, porque ele distribuía os dividendos. Convocou os empregados e explicou a situação difícil. Eles pegaram os produtos e saíram para vendê-los.
E para não falar somente de homens de negócios, vou citar um idealista, João Havelange, com quem convivi, que fez muito pelo esporte. Somos do tempo em que se podia nadar no rio Tietê, atravessávamos São Paulo a nado. E falar de um intelectual, Miguel Reale, um grande homem.
ISAAC JARDANOVSKI – Em reforço à informação sobre o Colégio Rio Branco, tenho a dizer que eu era estudante do primário nessa escola quando estourou a notícia de que seria fechada. Foi incrível a sensação de alívio que aquelas centenas de estudantes experimentaram quando se soube que a família Ermírio de Moraes tinha salvo o colégio. Não só comprou o prédio como melhorou o nível da escola e distribuía prêmios anuais para os melhores alunos.
MOACYR VAZ GUIMARÃES – Antônio Ermírio de Moraes também salvou o Colégio São Bento, que recentemente esteve para fechar.
ROBERT APPY – Como jornalista, tive a honra de acompanhar Mário Amato quando presidente da Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo]. Ele marcou uma etapa no sindicalismo patronal, porque tinha e tem uma preocupação social muito forte. O senhor nos mostrou que o papel do empreendedor é criar empregos. Estou um pouco assustado com dois problemas no país. Um é a concentração que visa eliminar postos de trabalho e outro é a fuga das fábricas do Brasil para outras nações, por causa da taxa cambial artificial. Gostaria de ter sua opinião.
AMATO – Quando as coisas acontecem, temos de tirar proveito delas. Milhões de pessoas já se beneficiaram dos serviços prestados pelo Sistema S – Sesi, Senai, Sesc e Senac. Por quê? Essas entidades não tinham fundos suficientes para fazer aquilo que pretendiam e um homem chamado Raphael de Almeida Magalhães, que foi ministro da Previdência e Assistência Social, induzido por mim, dobrou os recursos. Ele deu oportunidade a nós, empresários, de levar essas entidades a cumprirem seu papel.
Quanto ao câmbio, o Brasil atravessou períodos muito drásticos e hoje o mundo melhorou. Quando o planeta evolui, nosso país cresce junto, mas infelizmente não na proporção que gostaríamos. Por quê? Porque os interesses e a corrupção corroem o desenvolvimento de que tanto precisamos. É o que posso dizer.
HUGO NAPOLEÃO – Como ministro da Educação tive a honra de receber Mário Amato em Brasília, quando levou um projeto para trazer às crianças, sobretudo as mais carentes, um elenco de histórias em quadrinhos de educação infantil.
AMATO – Eu queria fazer uma observação. Quando expus o programa, Hugo Napoleão não somente liberou os recursos como também me incentivou. Havia programas americanos, que muitos queriam traduzir e adotar no Brasil. Isso não funciona, são mundos diferentes. Realizamos o trabalho, infelizmente não saiu como desejávamos, voltei ao ministério e ele me disse para continuar. Como eu era então membro da TV Cultura, fizemos o "Rá-Tim-Bum".
SAMUEL PFROMM NETTO – Sei de seu entusiasmo pela educação e é a respeito disso que quero dizer três palavras. O empreendedor se distingue primeiro pela motivação. As pesquisas do psicólogo David McClelland demonstraram claramente que os empreendedores têm em comum uma grande motivação para a auto-realização, um impulso para superar, ir muito além do rotineiro ou convencional. E, o que é mais importante, McClelland mostrou que essa motivação pode ser aumentada e de modo significativo por meio de ensino, educação, treinamento. Além disso, o empreendedor se separa do comum das pessoas por ser altamente inovador e inventivo. A criatividade parece ser, portanto, outro denominador comum aos empreendedores no mundo inteiro. Às duas variáveis citadas por McClelland acrescentaria uma terceira, formando um tripé: um alto senso de responsabilidade social. São as marcas que diferenciam do comum dos mortais um Ermírio de Moraes, Bill Gates, Rupert Murdoch, Mário Amato, Victor Civita, conde Matarazzo, Júlio de Mesquita, Walt Disney. Não lhe parece que chegou o momento, portanto, de desenvolver programas de ensino que estimulem essas características nas crianças e nos adolescentes? Não é hora de fazer da educação algo mais empreendedor no Brasil?
AMATO – Sem dúvida. Educar é uma dádiva, mas é preciso dar dignidade ao professor. Ele tem de ser respeitado, o que não acontece hoje, e é por causa disso que vivemos neste caos, principalmente na educação.
LUIZ GORNSTEIN – O economista Claudio Haddad disse o seguinte: "A empresa, ao operar dentro dos valores éticos do país, recolhendo impostos devidos e ao mesmo tempo procurando maximizar o lucro, estará desempenhando plenamente sua função social. Nada mais se deveria exigir ou esperar dela". E Milton Friedman perguntou a ele: "A empresa deve ter responsabilidade social?" Ele respondeu: "Não. Ela deve gerar lucro". O senhor poderia fazer algumas considerações sobre isso?
AMATO – Não estou de acordo com o que ele diz. Não que o empresário tenha de ser bonzinho. Ele tem de ser ele mesmo, usar os recursos de que precisa para alcançar aquilo que quer. Às vezes tenho até vergonha de dizer que sou economista, apesar de ter um grande respeito por esses profissionais, porque não estou entendendo a economia praticada no mundo e no Brasil de hoje.
ZEVI GHIVELDER – As pessoas que o senhor mencionou como exemplo de eminentes empreendedores sociais têm a vocação da generosidade, mas são muito poucas no Brasil. Pergunto o que pode ser feito para despertar no empresariado nacional o conceito de responsabilidade social. Penso que algo deve ser feito, porque mesmo o pequeno e o médio empresário sempre podem se tornar empreendedores sociais.
AMATO – Essa pergunta merece uma reflexão mais profunda, porque trata da natureza do indivíduo. O mundo moderno é imediatista, é sempre "o que eu ganho com isso?" A natureza não dá a todos o privilégio de discernir entre o bem e o mal.
JANICE THEODORO – O senhor vinculou o trabalho do empreendedor a determinados valores e isso constituiria as bases de uma sociedade em que se criaram mecanismos para combater de forma mais adequada a desigualdade social. Noto uma diferença muito grande entre os empresários que foram seus contemporâneos e os de hoje. Assisti a uma série de palestras de certa instituição formada por um grupo de empresários que tem trabalhado com conhecimento. Apesar de haver ali grandes nomes da cultura e o projeto mostrar uma consciência social, senti preocupação. Trata-se de um empreendimento de grande vulto, de que participam professores da USP [Universidade de São Paulo] fazendo conferências etc. Revelei a uma dessas pessoas minha inquietação, afirmando que esses cursos estão formando uma elite para viajar para o exterior em vez de pensar os valores de nossa sociedade. A resposta que tive foi assustadora. Ela me disse que na verdade a cultura é um slogan e a instituição visa apenas o lucro. Achou até muito engraçado eu pensar que uma iniciativa econômica pudesse gerar responsabilidade social. "Nenhum empreendimento econômico ou cultural gera essa consciência. Estamos aqui apenas para ganhar dinheiro, embora o signo da universidade seja o conhecimento."
Será que acabou a geração dos empreendedores que conjugavam empreendimento e desenvolvimento da consciência social? Como deixar essa herança para os novos empreendedores?
AMATO – O imediatismo e os interesses pessoais são coisas difíceis de modificar. A mulher tem aí um papel muito importante. Em face da situação de que ter é melhor do que ser, damos todas as facilidades a nossos filhos e eles acabam sem força interior na luta para adquirir alguma coisa. Existem grandes entidades, como o Rotary. Alguns entram no Rotary porque querem o título, mas depois verificam o que está sendo feito, recebem uma formação. Não por mérito, sou o número 1 do meu Rotary Club de São Paulo, porque sou o único sobrevivente da minha época. A Associação Cristã de Moços também trabalha com esse objetivo, e existem muitas outras entidades. Isso é uma luta, que infelizmente parece que estamos perdendo, mas é preciso continuar.
MUSSALÉM – Foi o Rotary internacional que eliminou a poliomielite no mundo. É um trabalho em que os governos aparecem, mas na realidade os recursos são dessa entidade. Um dos objetivos dela, agora, é erradicar outras doenças endêmicas.
EDUARDO SILVA – Conheci há alguns anos algumas áreas da cidade de São Paulo de muita pobreza e abandono, bairros inteiros praticamente sem apoio de ninguém. Hoje o povo brasileiro já tem iniciativas sociais, ações que conseguem solucionar problemas. Há uma capacidade de resolver questões sociais, muito mais do que em outros países. Penso que estamos caminhando, e com certeza o futuro será melhor.
VAZ GUIMARÃES – O Sistema S deu uma contribuição extraordinária à educação no Brasil, que acompanhei de perto e com a qual colaborei. Gostaria de perguntar a você, em face dos dias que vivemos, se não estaria na hora de uma reflexão nacional sobre o cotidiano para que o Brasil assuma de vez a educação como prioridade. Estamos assistindo impassíveis a uma deformação das novas gerações, em vez de nos preocuparmos com a formação delas.
JOÃO TOMAS DO AMARAL – Gostaria que discorresse um pouquinho sobre sua vida de esportista. O senhor conviveu com El Tigre, o jogador Friedenreich, e talvez pudesse contar alguma história curiosa que envolveu esse grande centroavante que deu o primeiro título sul-americano e internacional ao Brasil.
AMATO – Costumo dizer que pratiquei todos os esportes porque não conseguia ser bom em nenhum. Quando atravessei São Paulo a nado tinha medo de chegar depois de Maria Lenk, porque era mulher e saía dez minutos depois de mim. Nasci em 1924, o ano da gripe espanhola, fui raquítico até a idade de uns 8 anos e apanhava de meus colegas todos. Mas aos 18 anos estava entre os dez homens mais fortes do Brasil. É a força que só o esporte dá. Mas existe também a parte intelectual e o desenvolvimento. Esporte é isso.
OLIVEIROS S. FERREIRA – O ideal de empresário que Mário Amato traçou é de alguém movido por uma força interior, que só pode ser classificada de espiritual. Isso não impede que ela se associe a certa racionalidade, que é a busca contínua do lucro. Se você tem uma empresa com 500 operários e de repente diz que não vai mais cuidar do lucro, eles vão ficar desamparados. É uma discussão filosófica que deveríamos travar, não basta ficar na força interior, porque ela é privilégio, é dom, é uma graça de poucos, não são todos que a recebem. São muito poucos os que se preocupam com o ser e não com o ter. Talvez o empresário social bem-sucedido, enquanto empresário, seja alguém que tenha conciliado o ter e o ser. Infelizmente, encontramos pessoas que se preocupam mais com o ter, não foram agraciadas com a preocupação com os demais.
O empresário tem de pensar nos resultados, porque do contrário não será empresário, passará a ser padre ou qualquer outra coisa. Mas se ele só se preocupa com o ter, adquire uma imagem negativa. Creio que você, Mário, poderia coordenar essa grande discussão entre o empresário que tem e quer ser e o empresário que apenas tem e quer ter.
AMATO – A parte espiritual é muito importante, mas se desenvolve também. Por isso é que falo em família, usos, hábitos e costumes. É o amor da mãe, a dedicação dos pais, o cuidado na primeira educação, os princípios éticos e morais, a higiene.
CARLOS ALBERTO LONGO – A intervenção de Oliveiros Ferreira foi muito provocativa. Lucro e responsabilidade social são conceitos de certa maneira antagônicos – ou me preocupo em dar ou em adquirir. Quanto a essa questão espiritual, preferia chamar isso de talento. Uma coisa é ser empreendedor e outra é ser um rentista. De certa maneira há risco para ser empreendedor, e o risco traz um benefício obviamente social. Portanto, o lucro não deve ser assim desprezado ou tratado de forma pejorativa.
AMATO – É a mola da vida, infelizmente.
LONGO – Exatamente. É muito importante, portanto, como diz Oliveiros, discutir essa questão conceitual. O lucro envolve uma dinastia que pode ser perpetuada, como foi aqui citado, por exemplo, em empreendimentos como a Votorantim, o Bradesco e outros, que têm a preocupação com o retorno, mas pensando sempre no lucro envolvendo risco. Daí o valor emblemático do empreendedor, que indiretamente tem condições de favorecer a sociedade com trabalhos beneficentes.
ABRAM SZAJMAN – A preocupação com o lucro e com o social já existe há muito tempo. A criação das entidades Sesi, Senai, Sesc e Senac, há 60 anos, revela isso. Desde aquela época, grandes líderes empresariais, como Roberto Simonsen, pensavam no social. É o envolvimento empresarial da indústria e do comércio, e hoje também dos transportes e da agricultura. Então essa discussão filosófica já existiu em outra época e hoje apenas está se dando continuidade a ela.
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