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A prevenção continua sendo o remédio mais eficaz na luta contra a Aids. Para isso, é necessário muita informação para conscientizar a sociedade dos perigos da doença. Mas será que as campanhas veiculadas por entidades e pelo Governo Jornalistas, artistas,médicos e psicólogos e respondem a essa questão

Devanil A. Tozzi

A escola, nos últimos anos, foi invadida por questões das mais diferentes ordens, como Aids e drogas. Tratando-se especificamente da Aids, a discussão veio entremeada de preconceitos e tabus históricos sobre a nossa sexualidade. O espaço da escola se torna privilegiado para essa discussão, pelo fato de que passamos boa parte da nossa vida nela e é no contexto escolar que aprendemos a lidar com as nossas diferenças e preconceitos, por meio da sociabilização, da troca, do diálogo e da socialização dos conhecimentos. É importante considerar que pelo menos um terço da epidemia que atinge 30 milhões de pessoas está na faixa etária dos 10 aos 24 anos.

As mudanças ocorridas no currículo nacional facilitaram o debate permanente dessas questões, a partir da introdução dos temas transversais nos parâmetros curriculares do MEC, ultrapassando as propostas eventuais de prevenção. Sabemos que a mudança da mentalidade não ocorre do dia para a noite, mas é possível provocar mudanças significativas no comportamento de crianças, jovens e adultos através da educação e do ensino. Isso significa que do ponto de vista da escola todas as campanhas de prevenção são importantes, desde que não tenham um conteúdo amedrontador, repressivo e pontual. A mudança dessa situação é resultado de políticas públicas, do trabalho educacional dos mais diferentes segmentos da sociedade e da responsabilidade individual e coletiva.

A falta de informação e de conhecimento sobre as formas de contaminação tem contribuído para a disseminação da doença. Atualmente, 69% dos casos notificados pelo Ministério da Saúde ocorreram em analfabetos ou em pessoas que tinham cursado apenas o 1º grau. Portanto, é preciso pensar também em quem está fora da escola, incentivando a participação da comunidade, para que seja ampliado o seu grau de conhecimento sobre as formas de transmissão e prevenção.

Nessa perspectiva, a Aids não é problema apenas da saúde pública, mas deve ser entendida como uma responsabilidade de toda a sociedade. Para que a escola realmente se torne um locus de conhecimento e informação, a participação dos alunos como monitores e aglutinadores dos pais, irmãos e amigos pode fortalecer o projeto da escola e trazer soluções e experiências criativas para o grupo. A capacitação de educadores é necessária para que a equipe esteja consciente de que fazer prevenção na escola não é transformar a ação educativa em procedimentos terapêuticos, morais ou repressivos. Na elucidação das dúvidas e na orientação, a equipe de direção deve buscar estratégias de participação da comunidade, saber realizar um diagnóstico da Aids na região e ter materiais adequados. Um programa de prevenção deve considerar que no debate sobre a Aids a ampliação de temas como drogas e doenças sexualmente transmissíveis contribui para que a prevenção seja considerada no contexto mais amplo. O ponto de partida é articular todos os temas específicos com os mais gerais de valorização da vida, da promoção da saúde e da auto-estima, contemplando sempre a diversidade cultural. A existência de projetos preventivos facilita o êxito de campanhas de prevenção.

Devanil A. Tozzi é coordenador de projetos educacionais, SEE-SP

Rosely Sayão

Campanha de prevenção à Aids tem data certa para ser veiculada: nenhum Carnaval escapa. Perto do dia primeiro de dezembro, dia mundial da luta contra a Aids, também costuma aparecer alguma coisa. Ou então em épocas especiais, como quando alguma estatística é publicada apontando crescimento do índice de contaminação nesta ou naquela parcela da população, ou quando algum órgão internacional resolve investir e inicia uma campanha mundial.

E essas campanhas funcionam? Muito pouco, quase nada.

Primeiro porque elas são pontuais e não têm continuidade. Que é preciso praticar o sexo seguro quase todo mundo sabe. Mas usar camisinha, que é bom e necessário hoje em dia, pouca gente usa. Claro que as campanhas, em todas as suas formas, têm o mérito de lembrar que a Aids está aí e que a melhor pedida continua sendo a prevenção. Mas em se tratando de Aids não basta informar a maneira de se prevenir e, de quando em quando, relembrar: é preciso educar, e a educação é um processo que exige continuidade.

Segundo que as campanhas são quase sempre dirigidas a qualquer um, ou seja, a ninguém em especial. Não é possível que um adolescente seja sensibilizado para a prevenção da Aids do mesmo modo que um jovem adulto solteiro, por exemplo. As mulheres têm uma educação sexual muito diferente da dos homens, por isso uma mesma campanha jamais conseguirá alcançar os dois. E o que dizer dos adultos casados, dos recém-separados, dos com mais de trinta, dos com menos de cinqüenta anos?

As campanhas poderiam cumprir um papel importante, principalmente para adolescentes e jovens que estão iniciando a vida sexual, se tivessem continuidade, e isso poderia ser feito nas escolas, por exemplo.

Se os educadores fossem preparados para tanto e recebessem material de apoio para trabalhar uma matéria veiculada na televisão, rádio, revista ou jornal, o conteúdo poderia ser debatido, contestado, refletido, comparado à vida dos jovens estudantes e, assim, as informações poderiam passar a fazer parte, de fato, da vida deles.

As campanhas não podem ser encaradas como um objetivo final no trabalho da prevenção à Aids, mas sim como um pretexto pedagógico que permita à comunidade um início de diálogo a respeito do assunto. Só assim elas serão eficazes.

Rosely Sayão é psicóloga, colunista do "Folhateen", Folha de S. Paulo, e do jornal Notícias Populares. Autora dos livros Sexo: Prazer em Conhecê-lo, Editora Artes e Ofícios, 1995, e Sexo é Sexo, Editora Companhia das Letras, 1997

Maria das Graças Souto

O Brasil é um país que sofre com moléstias típicas de terceiro mundo – como a dengue e o cólera – mas também convive com outras que são consideradas os grandes males do primeiro mundo – as doenças coronarianas e as infecções respiratórias.

A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids) pode ser classificada como uma epidemia mundial. Desde os EUA até os mais miseráveis países do continente africano, todos sofrem igualmente com os altíssimos índices de contaminação e mortalidade em função do vírus HIV. Desde o reconhecimento dos primeiros casos de Aids, no início da década de 1980, a população atingida mudou muito, alterando a visão preconceituosa de que essa era a doença dos promíscuos e drogados.

Num país com tantos problemas sociais, onde a saúde pública é um arremedo de serviço, a Aids pode provocar grandes estragos. Campanhas caras, mas extremamente confusas e ineficientes deixaram de cumprir o importante papel de informação sobre as formas de contágio. Os eternos tabus que envolvem o tema sexo também colaboraram no sentido de, por exemplo, fazer crescer o número de mulheres contaminadas. Maridos que mantêm relações sexuais fora de casa e se recusam a utilizar o preservativo contaminam suas esposas e até futuros filhos. Calcula-se que no Brasil existam pelo menos 6 mil crianças soropositivas, filhas de mães infectadas.

O número de mulheres contaminadas cresceu absurdamente nos últimos anos. A proporção de contaminação, que era de 1 mulher para 47 homens em 1984, hoje é de 1 mulher para 2 homens contaminados e chega a 1 para 1 na população entre 15 e 24 anos, a faixa etária em que se encontra outro grande contingente de contaminados. Os adolescentes, por timidez ou por se julgarem ingenuamente imunes à contaminação, são resistentes ao uso de preservativos. Como conseqüência, temos 70% de contaminados com idade entre 20 e 39 anos. Os usuários de drogas injetáveis também compõem esse universo.

Dados do Ministério da Saúde informam que surgem cerca de 5 mil novos casos da doença a cada trimestre. São cerca de 500 mil pessoas infectadas pelo HIV no país e 5,8 milhões no mundo.

Apesar dos números assustadores, hoje já é possível conviver com o vírus e manter uma vida até certo ponto normal. Os avanços na qualidade dos medicamentos e coquetéis anti-retrovirais permitem conviver com a Aids sem sofrer com as doenças oportunistas decorrentes da queda na imunidade. O Brasil é um dos poucos países do terceiro mundo que distribui medicamentos gratuitamente aos necessitados. Se esse é um ponto positivo, ainda falta muito em matéria de campanhas de informação à população, nas escolas e periferias.

A comunicação e a informação são a grande arma na luta contra a Aids e outras doenças sexualmente transmissíveis. Tirar o máscara do preconceito também ajuda muito.

Maria das Graças Souto é médica ginecologista e do trabalho e secretária de imprensa do Sindicato dos Médicos de São Paulo

Paulo Anis Lima

Trabalho em comunicação desde 1981 e não tenho feito outra coisa além de ler, pensar, discutir e testar métodos mais e menos eficientes de passar a quem está do outro lado o que queremos dizer.

Assim, participei, nesses dezoito anos, de centenas de workshops, revistas, reuniões de pauta, programas de tevê, shows de rádio, campanhas de publicidade, a grande maioria dedicada ao público jovem.

Confesso que não cheguei a muitas conclusões, pelo menos do ponto de vista objetivo. Porém, uma coisa me parece absolutamente líquida e certa. Não há nada que chame mais a atenção, sensibilize, faça pensar, ou seja, comunique melhor com a moçada que uma boa verdade. Especialmente verdades sobre questões existenciais, que estão acima de tribos, tatuagens, modas e outros supérfluos. Saúde física, morte e dor são algumas dessas verdades. Como diria Oliviero Toscani, a propaganda tem de parar de jogar perfume francês sobre cadáveres apodrecidos. Cada vez mais as pessoas rejeitam a mentira e a imprecisão. Não falo apenas da verdade dura, usada para tratamento de choque; refiro-me à verdade do soropositivo, o que pensa, sente, como faz para lidar com sexo, remédios, grana, como se contaminou, como é sua casa, sua família, seu dia-a-dia e, principalmente, como se posiciona diante da vida. Não conheço maneira mais eficiente de tratar problemas desse porte que não a transparência, a abordagem corajosa e de frente. Só isso.

Paulo Anis Lima, formado em Direito pela USP, é editor da revista Trip, colunista do Jornal da Tarde, Jovem Pan FM e Globosat

Jorge Mautner

A Aids, como todo mundo sabe, é a doença do século; ela é considerada a nova tuberculose.

Eu acho que as campanhas têm sido muito indiretas: há um pudor moralista e certas restrições por parte da Igreja e de outras entidades bem-intencionadas que acabam funcionando mal porque a doença é séria.

A propaganda deveria ser mais direta, por exemplo, exigindo o uso do preservativo sempre; talvez até mostrando o sexo. Essa geração que encontrou tudo libertado pela grande revolução de 68 se viu livre, e, justamente por não ter mais problemas de ordem moral com o sexo, fala até em casamento entre homossexuais e em transar livremente.

O sexo deixou de ser tabu, mas, em compensação, surgiu a Aids. Isso gerou frustração e questionamentos do tipo "por que as gerações antigas transaram à vontade e nós não podemos?". Creio que deveria haver algo direcionado para isso. Não dizer apenas que a camisinha tira um pouco da sensibilidade, mas direcionar a forma do sexo, explicando que o prazer não se dá só no ato da penetração, mas que há mil formas de prazer. E mais, os músicos da MPB, os artistas de telenovelas, os astros de futebol e outras personalidades influentes deveriam ser requisitados para falar sobre a Aids. No caso da música popular, deveria se exigir que em cada disco de um desses grandes nomes tivesse uma música ou uma mensagem sobre o tema.

Os órgãos competentes estão fazendo campanha só para não dizerem que eles não estão fazendo nada. Eles têm de obedecer a pressão que vem de várias entidades, e, ao mesmo tempo, satisfazer as exigências da publicidade.

As propagandas veiculadas em canais ou programas para jovens, como a MTV, são colocadas em tom de brincadeira e isso é errado. Esses veículos deveriam abordar toda a gravidade da tragédia que essa doença representa.

Muitos amigos meus morreram, fui uma das pessoas que viu as primeiras vítimas morrerem e acho que deveria ser exibida toda a gravidade da doença, as pessoas deveriam falar o que pensam, os aidéticos deveriam dar depoimentos na televisão. Mas há um pudor, a tragédia exagerada é evitada. Ou você tem o desejo de excentricidade do Ratinho ou o eufemismo de querer fazer a coisa parecer uma festa. Ignora-se o fator da tragédia, da morte, da doença e do sofrimento.

Creio que o Dia Internacional da Aids deveria ser voltado para alertar sobre a gravidade e, ao mesmo tempo, mostrar os avanços alcançados. É engraçado como ao mesmo tempo em que há muito pudor, não se falou das duas grandes conquistas dos últimos oito meses.

Eu estava na Bahia, no Carnaval, quando se descobriu a coisa mais importante sobre a Aids: ela é originada de um determinado macaco da África e a transmissão ocorreu porque os homens comeram a carne desse animal. Quando se descobriu isso, a ciência deu um salto e daqui dois ou três anos teremos, possivelmente, uma vacina eficaz. Em seguida, vem o mais estarrecedor de tudo. Uma vez descoberta a origem da doença, descobriu-se que o macaco transmite o vírus mas não morre. Ou seja, as pesquisas estão indo no sentido não de acabar com o vírus mas, talvez, transformar o sistema humano, aproximando-o ao dos macacos, que convivem com o vírus sem serem prejudicados.

Essas duas informações deveriam ter sido alardeadas paralelamente ao alarde em torno da gravidade da situação. Isso é o que eu faria se fosse um publicitário.

Jorge Mautner é cantor e compositor

Cilene Swain Canôas

Toda campanha tem a função precípua de colocar em debate um problema que está afetando um grande numero de pessoas, sejam crianças, adolescentes, adultos ou idosos. É evidente que isto é muito importante mas, sem sombra de dúvida, é apenas o primeiro passo. Mesmo as campanhas para arrecadação de fundos financeiros, quando chegam à meta proposta, concluem sempre que dá para atender o emergencial, o que não significa solução do problema como um todo.

No caso da Aids, a questão é acrescida de aspectos éticos, políticos e sociais: nós, frágeis mortais com idéias e sentimentos, vemos no cotidiano nossas atitudes e comportamentos sexuais postos em debate. Nesse espaço de nossas vidas, a maioria está fora do compasso, ou seja, todos temos maneiras peculiares que fazem parte do nosso íntimo que, por assim ser, gostaríamos de resguardar.

Compreender essa realidade nos remete ao âmago do problema porque somos capazes de debater e refletir sobre essas questões em tese porém, ao passar para o plano pessoal, passamos a racionalizar, a justificar e a desculpar.

O sentimento de culpa é algo presente quando se trata de Aids: se uma pessoa está com câncer, ninguém perde tempo tentando descobrir quem foi o culpado por ela ter adoecido, no entanto, quando alguém é HIV positivo ou já está manifestando a doença, imediatamente inicia-se a reflexão que envolve culpa e torna a intimidade pública. Sem dúvida, a culpa assusta a qualquer um de nós, além do próprio mal. Da culpa para o preconceito é um passo: os dois fazem parte de nossas idéias mal elaboradas, que nos atrapalham e nos impedem de caminhar conscientemente.

Esses complicadores nos indicam as dificuldades em realizar uma campanha sobre Aids e chegar a um resultado importante mas, qual seria ele?

A mudança de comportamento seria o mais interessante e importante, por exemplo, o uso da camisinha: todos nós, independentemente de instrução, classe social, sexo, idade, sabemos da importância da mesma, no entanto, cada um sabe justificar porque, no seu caso pessoal, não é necessário esse procedimento.

Deflagrar o processo educativo é a meta principal deste tipo de campanha mas, como fazê-lo? Enquanto a campanha propõe atividades chamativas para todos os tipos de pessoas, os profissionais da educação e da saúde são treinados para saber como se ensina sobre a doença e meios de transmissão, combinados com meios discretos de tirar dúvidas e com técnicas que trabalham o medo, o preconceito e a culpa.

Mudar atitudes e comportamentos de crianças, adolescentes, adultos e idosos não é tarefa simples nem rápida, demanda um processo que dura a vida toda.

Cilene Swain Canôas é assistente social e assessora da Gerência de Programas Socioeducativos do Sesc-SP