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Tecnologi@ em família

A evolução da tecnologia de comunicação ocorrida nas últimas décadas moldou a feição do século 20. O computador – conectado à Internet –, os jogos de PC, os telefones convencionais e celulares, o fax e ainda a tevê são peças fundamentais no dia-a-dia "familiar" de milhões de cidadãos. Oferecem praticidade, sensação de poder e conforto, facilitando a vida das pessoas que, a partir de suas casas, interagem com o mundo. Por outro lado, esse processo pode representar uma barreira para o pleno convívio social.

Uma inteligente sátira social sobre a vida nos grandes centros urbanos arrastou milhares de paulistanos aos cinemas no final de 1995. Indicado com menção especial para o Festival de Cannes daquele ano, o filme Denise Está Chamando (Denise Calls Up, EUA), de Hal Salwen, é uma comédia bem elaborada sobre um grupo de amigos que sempre conversa ao telefone, mas nunca se encontra. Mais preocupados com seus aparatos eletrônicos – como computadores, fax e telefone – do que com as próprias vidas, aqueles amigos sinalizam um drama nas relações humanas, de pessoas que sofrem ao competir com o espaço tomado pelas inovações tecnológicas.

O filme aponta as profundas mudanças nas relações sociais depois da chamada "revolução da informática" deste final de século, que transformou o uso do tempo de lazer, de descanso e de trabalho. Esse processo irreversível levou a sociedade a reformular uma nova ocupação para os próprios lares, em novos caminhos para o uso do espaço público e a condução das próprias relações sociais. O filósofo francês Pierre Lévy, em sua obra Cibercultura (Editora 34, 1999), diz que estamos vivendo a abertura de um novo espaço de comunicação, cabendo a nós explorar as suas potencialidades nos planos econômico, político, cultural e humano. E que a verdadeira questão não é ser contra ou a favor, mas sim reconhecer as mudanças e o ambiente inédito que resultam da extensão das novas redes de comunicação para a vida social e cultural.

Telefone

A vida profissional de milhares de pessoas não seria a mesma sem ele. O telefone transformou-se em um importante aliado no trabalho da empresária de eventos Alice Carta, em seu home office – em bom portugues: escritório caseiro. Através dos cabos de seus quatro aparelhos, em seis horas diárias de trabalho, ela arma uma rede de contatos que, ao final, resulta em eventos culturais e esportivos, entre outros, para até duas mil pessoas. "Tenho acesso à Internet, mas considero o telefone o instrumento mais importante para o meu trabalho", diz.

Alice gosta de trabalhar em casa. Já tentou montar um escritório fora de seu apartamento, mas não deu certo. Ela acredita que tendo disciplina e organização vale a pena dividir a casa com o trabalho. Há onze anos atuando com eventos direto de seu home office, ela garante que o preço que paga é compensador. "Não preciso enfrentar o estresse do dia-a-dia no trânsito", explica.

O psicoterapeuta e professor do Departamento de Psicologia do Desenvolvimento da PUC (Pontifícia Universidade Católica), Antonio Carlos Amador Pereira, defende que o estresse causado pelo tráfego excessivo ou pela violência nos grandes centros urbanos acentua a necessidade de as pessoas se voltarem para suas próprias casas, seja para o trabalho ou para o lazer. No entanto, elas partem à conquista de uma privacidade que, de acordo com ele, pode se transformar em isolamento. Em uma megalópole como São Paulo esse fenômeno acontece mais entre os jovens. "Ao se sentirem ameaçados com o mundo lá fora, esses jovens são ‘empurrados’ para a tevê, o computador e a Internet", reflete.

Segundo ele, a falta de liberdade nas ruas, que aumenta o isolamento dentro dos próprios lares, é suprida com os recursos tecnológicos. "O adolescente passa o dia todo ao telefone ou em frente do computador e da tevê. Através da Internet, por exemplo, o jovem cria personagens e seus medos se diluem", afirma. Ele acredita que o uso da tecnologia deve ser ponderado já que o que era uma comodidade, se não for utilizada com moderação, poderá limitar e causar dependência. "Devido a esses recursos, o isolamento potencializa a falta de sociabilização. A vida é constituída de relações interpessoais e é complicado restringi-las ao contato com uma máquina", completa.

Supermercado Virtual

Enquanto os moradores de pequenos municípios ainda são chamados pelo nome na mercearia da esquina, os negócios do dia-a-dia em uma cidade como São Paulo são facilmente resolvidos pelo computador. O Pão de Açúcar Delivery, primeiro supermercado virtual do Brasil, permite ao usuário fazer compras sem sair de casa, pagando os mesmos preços das lojas. Os pedidos podem ser feitos por fax, CD-Rom ou Internet. Atualmente, mais de 120 mil clientes utilizam o sistema.

O casal Jeferson Souto Rua Rodrigues e Vera Lúcia Rodrigues utiliza o serviço há cinco anos. Como ele é piloto e ela aeromoça, quando estão em casa procuram resolver todos os "problemas" via Internet. "Já tenho um carrinho com os produtos essenciais gravado no banco de dados do supermercado virtual. Além disso, pago contas, navego e faço outras compras via Internet", explica Vera. Ela e Jeferson também aderiram à TV por assinatura. "Temos uma filha de três anos, fica mais difícil ir ao cinema", diz Vera.

TV por Assinatura x Cinema

Há cinco anos, o economista aposentado José Campos Vieira de Castro, de 63 anos, não vai mais ao cinema. A magia da grande tela perdeu espaço para os infinitos canais da TV por assinatura. "Os filmes que estavam passando no cinema há um mês já estão na programação da TV. Temos mais conforto em casa", explica.

O caso de José, de acordo com o psicoterapeuta Antonio, também é agravado pela idade. Assim como os mais jovens, os idosos tendem, e muito, a buscar a não-interação social que a tevê oferece. Por outro lado, em busca de mais conforto, o "cinema em casa", home theater, transformou-se em sonho de consumo de muitos jovens profissionais. A arquiteta Regina Adorno, que já projetou vários home theaters para seus clientes, resolveu investir em seu próprio cinema caseiro. Morando em um confortável apartamento em plena avenida Paulista, ela decidiu adequar móveis e iluminação, além de comprar equipamentos de áudio e uma televisão de 32 polegadas para satisfazer o sonho do casal. Hoje, por semana, assiste no mínimo a cinco filmes. "Às vezes, os amigos vêm aqui em casa", diz Regina, casada há cinco anos, sem filhos. O casal trabalha fora e considera a TV por assinatura uma forma de entretenimento que relaxa e, ao mesmo tempo, proporciona prazer.

Teleindividualização

O diretor, escritor e crítico de tevê, Nelson Hoineff, que participou do Encontro Latino-Americano sobre TV de Qualidade, realizado pelo Sesc (ver matéria nesta edição), acredita que desde o advento da TV por assinatura no país, em 1992, as pessoas perdem cada vez mais tempo diante do aparelho. Segundo informações da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), existem 173 cidades no Brasil com TV a cabo e, desde a implantação dos sete primeiros canais no sistema, atualmente existem 70 canais, além dos 220 disponíveis via satélite. "São 2,5 milhões de brasileiros que têm acesso à TV por assinatura", completa Hoineff. Ele aponta, ainda, que mais mudanças relativas ao "consumo" da telinha – em família, ou não – estão para acontecer. Uma já é evidente: o consumo da informação se individualizou. A outra está por vir. Será a irrefreável convergência da tevê e da Internet, o que significa que a relação do espectador com a televisão será a mesma que estabelece com a rede. Portanto, ele acredita que será possível que a criança dos dias atuais cresça vendo a programação através do mesmo monitor pelo qual recebe as informações da Internet e ache isso muito normal. "É uma forma completamente individual, pois aquela idéia do pai, da mãe, dos dois filhos e do cachorro vendo televisão acabou", explica. Enquanto essa sofisticada tevê não chega aos lares, o consumo de outras tecnologias vinculadas às redes de comunicação continua a derrubar portas, preocupando as famílias e os especialistas.

É isso que pensa a psicóloga e professora do Departamento de Psicologia Social do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo), Yvette Piha Lehman. Para ela, o mundo virtual é altamente sedutor e estimula as potencialidades, mas, ao mesmo tempo, deixa as pessoas mais submissas e pouco compromissadas com o exercício das relações humanas. "Alimenta uma onipotência aparente. A Internet rouba a afetividade e a sociabilização. Parece que a tecnologia nos dá liberdade, mas pode ser uma camuflagem, fazendo-nos mais presos", diz. Como todo o processo pelo qual se constrói uma história de vida passa pelos relacionamentos sociais, a especialista se surpreende com a falta de sociabilização existente, principalmente entre os mais jovens.

Geração Enclausurada?

O adolescente Théo Azevedo, de 17 anos, joga video games desde os quatro. Passou muitos dias e madrugadas manejando um joystick (literalmente, a "vareta da alegria"), quando não estava navegando na Internet. Ele garante que os jogos nunca prejudicaram suas relações afetivas. "Na dosagem certa, é diversão", explica.

Há quatro anos, o rapaz começou a navegar na grande rede. Passava horas em chats de bate-papo, mas garante que nunca "conquistou" uma garota virtualmente, nem costumava criar personagens. Hoje, é evidente sua inclinação para o video game e, nos últimos anos, jogos de PC. Tanto que há três anos ele trabalha como analista de games para publicações específicas. Os jogos, na vida de Théo, não só reforçaram sua relação com o pai, tão fascinado quanto ele pelos games, como também contribuíram para que a brincadeira familiar se tornasse um promissor negócio virtual.

Théo, seu pai, Fernando Azevedo, e outros seis colaboradores, sendo quatro adolescentes, criaram a Theogames (www.theogames.com.br), uma central de informações sobre jogos de PC voltados para o internauta brasileiro.

Surgido nos anos de 1970 nos Estados Unidos e no Japão, os video games tiveram um rápido desenvolvimento. Hoje, de cada 100 mil cópias de jogos para PC vendidas nos EUA, são produzidas 2 mil cópias para o mercado brasileiro, que é, de acordo com a socióloga e professora da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp de Marília, Fátima Cabral, um dos maiores mercados consumidores dessa indústria de entretenimento eletrônico no mundo. A opinião da especialista, que estuda a ambivalência dos jogos eletrônicos e como eles contribuem para o processo de individualização, só alimenta a polêmica. O professor de ciências da computação do Instituto de Matemática e Estatística da USP, Valdemar Setzer, é contra o uso de video game em qualquer situação. Segundo ele, não existe lazer construtivo com os video games e jogos de PC. "Quando o computador vira joguinho, fragmenta tudo. O computador produz desastres que não são físicos. São psíquicos e psicológicos. Quando se usa o video game, por exemplo, não se pode pensar, as pessoas agem automaticamente. Por isso as crianças jogam melhor que os adultos. Durante o jogo elas não se preocupam em pensar tanto quanto nós", diz. Fátima Cabral também alerta para a indução à indisciplina mental. Ela acredita que para a "geração CD-Rom" o fluxo e a quantidade de informações disponíveis através da Internet ou dos próprios CD-Roms podem implicar uma relação superficial com todo o material disponível, principalmente entre aqueles pouco acostumados a uma pesquisa cultural mais profunda. "Tudo é facilitado, simplificado para que qualquer pessoa, de qualquer idade e maturidade emocional ou de linguagem, possa ter acesso", diz.

Segundo o professor Valdemar Setzer, o computador expõe um raciocínio lógico simbólico, que não é aconselhado para as crianças. Cada comando ativa uma função matemática. "Parece que estamos acabando com o pensamento humano. O que eu pensei é reduzido ao que o computador pode fazer. Temos de pensar como a máquina-computador", explica. A televisão também é alvo de árduas críticas. Para ele, a telinha tem de perder o status da rainha da sala de estar. "Ela nos condena a não exigir esforço mental", lamenta Valdemar. Ele acredita que os aparelhos eletrônicos, em casa, fragmentam a família, já que as pessoas os utilizam sós e também criam um estado hipnótico, pouco real. Para ele, o importante é esquentar as relações familiares com o estímulo à imaginação, principalmente com as crianças. "Já pensou em pedir para seu filho pequeno fazer um computador de papelão?", indaga o professor que também é músico. Para ele, o estímulo à imaginação e à arte são os caminhos mais importantes contra os efeitos colaterais das novas tecnologias, em consonância com o que dizia Gilberto Gil na canção Cérebro Eletrônico, de 1969, "o cérebro eletrônico faz tudo. Faz quase tudo. Mas ele é mudo. O cérebro eletrônico comanda. Manda e desmanda. Ele é quem manda. Mas ele não anda. Só eu posso pensar se Deus existe. Só eu posso chorar quando estou triste. Só eu. Eu cá com meus botões. De carne e osso. Eu falo e ouço".

Paradoxalmente, anos mais tarde, em 1996, o próprio Gilberto Gil rendeu-se à importância do ciberespaço. As possibilidades lançadas por um computador ligado à Internet abre para a comunicação estão explícitas em sua composição Pela Internet. Nela, Gil revela o desejo de alguém que, ao criar um web site, fazer sua home page, consegue entrar em contato com os "lares do Nepal, velejar pelo informar e aproveitar a vazante da informaré"

Sesc em casa -Mais que uma vitrine na WEB

Morar longe ou perto de uma das unidades do Sesc da capital não importa mais. Desde março deste ano, os internautas interessados em cultura, arte e qualidade de vida não precisam mais sair de casa para participar e se atualizar sobre a programação.

O acesso é livre para entrar na unidade virtual da instituição, basta abrir a página do Sesc de São Paulo. "Existe um público conectado na Internet que forma um novo universo. O site não é um catálogo eletrônico, estamos utilizando a Internet como um fórum permanente de debate", explica Malu Maia, coordenadora do Sesc On-Line.

Para o lançamento da unidade virtual, a instituição apostou em um projeto arrojado, de fácil navegação, no qual o internauta, além de encontrar toda a programação, publicações e atividades, também conta com ambientes em que participa, interagindo com especialistas que coordenam as atividades on-line.

"Criamos fóruns dentro da unidade virtual", diz Malu Maia. Segundo ela, o Espaço Literário é um dos mais requisitados. E não é para menos. Existe até uma oficina virtual de texto literário, coordenada pelo escritor João Silvério Trevisan. Segundo ele, que há doze anos trabalha desenvolvendo oficinas do gênero, a experiência na Internet amplia as possibilidades para que pessoas de diversos locais do país participem. "Recebo muitos convites para dar oficinas em outros estados. Agora estou trabalhando com pessoas de todo o país", explica.

Para Malu Maia, há muito trabalho pela frente para atrair a atenção de mais internautas. Além do já reconhecido Espaço Literário, há o Espaço Saúde, que apresenta informações sobre as lesões por esforços repetitivos (LER), elaborado pelo médico Sérgio Nicoletti.

A navegação pelas unidades "reais", assim como links para outros sites, tem espaço garantido. Mesmo sem sair de casa, seja bem-vindo: www.sescsp.com.br.

Efeito Casulo

O cenário de ficção científica que sinalizava a proximidade do ano 2000 não condiz com a realidade. Estamos bem longe do futurismo da família Jetson... No entanto, nesta virada de século, a nossa casa ficou mais equipada, não dá para negar. Pelo menos entre os arquitetos e decoradores o termo usado neste final de milênio é outro: "efeito cocooning", ou melhor, casulo. O termo soa estranho, mas pelo menos para os arquitetos e decoradores de grandes centros urbanos no Brasil e no mundo a expressão é familiar.

"O ‘efeito cocooning’ é um fenômeno dos anos de 1990. Quando vários fatores, como o trânsito e a violência, nos assustam, acontece a revalorização dos lares. As pessoas buscam a segurança, a liberdade e o conforto dentro de casa, a volta para o casulo", explica Layde Tuono, arquiteta e decoradora.

Ela acha que esse "resgate do lar" implica, ainda, na incrementação da casa com uso da tecnologia. "Voltar-se para a casa não implica se fechar para o mundo. Pelo contrário, significa, também, trazer o mundo para a sua casa, principalmente com conforto e comodidade", diz.